Governador bolsonarista de SC deve cair

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Foto: Nilani Goettems/Valor

O presidente Jair Bolsonaro e seu clã estão empenhados em salvar a vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido), no processo de impeachment que deve cassar o mandato do governador do Estado, Carlos Moisés (PSL).

Bolsonaro autorizou Karina Kufa, sua advogada e tesoureira do Aliança Pelo Brasil, a trabalhar na defesa de Reinehr. Já seu filho e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atua há semanas em articulações no Estado em favor dela.

Caso se confirme o afastamento de Moisés, sem que isso afete a vice, o presidente terá uma aliada fiel no comando do Estado, onde o desempenho do bolsonarismo em 2018 foi avassalador: ele recebeu 3 de cada 4 votos válidos no Estado no segundo turno (75,92%).

“A vice-governadora nem deveria estar respondendo esse processo de impeachment, nitidamente são interesses políticos que afrontam a democracia”, diz Kufa.

Ela impetrou um mandado de segurança na sexta para desvincular a vice do caso que ensejou a abertura do processo de impeachment – uma equiparação salarial entre Procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa (Alesc).

A tarefa da advogada, contudo, não será fácil. Ainda que a legitimidade jurídica da peça seja questionável (o Ministério Público e o Tribunal de Contas local não apontaram responsabilidade do governador, e menos ainda da vice), parlamentares, advogados e articuladores políticos atestam que a inexperiência de Moisés e Daniela levaram o desgaste a um ponto praticamente incontornável.

A ideia é afastar rápido e julgar devagar: o governador e a vice podem deixar os cargos já em 16 de setembro, por até 180 dias, e uma nova comissão, com cinco deputados e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça, analisará o processo. O presidente da Assembleia Legislativa catarinense, deputado Júlio Garcia (PSD), assumirá o governo temporariamente.

Mas a conclusão dos trabalhos, deve ocorrer apenas em 2021 para que, confirmada a cassação, seja realizada eleição indireta, com os 40 deputados estaduais como votantes. Garcia, político da velha guarda e hábil articulador, é desde já o franco favorito. Ele foi indiciado em 2019 pelos crimes de fraude em licitação, integrar organização criminosa, corrupção ativa e ocultação de bens na Operação Alcatraz. A reportagem não conseguiu contatar o parlamentar.

A trajetória de Carlos Moisés é das mais estranhas já registradas na política nacional. Ex-bombeiro aposentado, sem jamais ter feito política, decidiu no último dia do prazo legal registrar-se candidato a governador, apenas para que o PSL não ficasse sem nome na disputa. Mesmo sem ter qualquer proximidade com Bolsonaro, saiu do absoluto anonimato para ser eleito surfando na onda do 17.

De lá para cá, contudo, o governador rompeu com o bolsonarismo e, na verdade, com quase todo mundo. “O homem é ruim de ouvir. Ele gosta de quem concorda com ele. Eu era o líder e não tinha nem o telefone dele”, diz o deputado estadual Maurício Eskudlark (PL), que foi líder do governo por dez meses e hoje é ferrenho opositor. “Ele quis aumentar imposto do agronegócio, comprou briga com cooperativas, quis tirar recurso do Tribunal de Justiça, mandava projetos para a Assembleia sem consultar ninguém. Ele se isolou, não visitou 30 municípios [dos 295 do Estado]”, avalia o parlamentar.

A reportagem tentou contato com Moisés, mas foi avisada de que ele não está atendendo a imprensa. O advogado que representa o governador no processo, Marcos Fey Probst, ressalta o caráter político do processo. “Este pedido de impeachment foi protocolado em janeiro e arquivado pelo presidente da Alesc em fevereiro. Em 30 de julho, ele reabre o caso alegando fatos novos. Nada aconteceu nesse período. É um impeachment de situação fática e jurídica sem pé nem cabeça, feito diante da ausência de uma base parlamentar”, diz.

Outros seis pedidos de impeachment foram protocolados. O último é um combo do caso dos Procuradores, uma malfadada tentativa de montar hospitais de campanha para o combate à pandemia e, por fim, a compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões feita pelo governo e que jamais foram entregues. O caso gerou a abertura de uma Comissão parlamentar de Inquérito (CPI) que responsabilizou Moisés pelo ocorrido.

Probst diz que o pedido que tramita foi o aceito justamente porque incluía a vice-governadora, prova de que se trata de estratégia para cassar a chapa e entregar o comando do Estado à Alesc. “Colocar a vice junto é a grande prova da virada de mesa. Ela foi governadora por 10 dias”. Ele também questiona o rito do processo. “É algo que urge a uma manifestação de instâncias superiores, pois todo o caso pode criar um precedente perigoso, já que há outros governadores que podem vir a ser alvos de impeachment, como o do Rio”.

Daniela Reinehr diz confiar que a aproximação com o clã presidencial possa salvá-la. “Sempre me mantive fiel ao Bolsonaro. Somos todos crias dele, é o mentor que fez a gente. Eduardo tem sido grande parceiro, muito gentil e cuidadoso para que esse impedimento não aconteça no meu caso”, relata.

Ela tem buscado convencer os deputados de que não tem vínculo com o caso. “O vice é uma figura com mera expectativa de poder. Nos dias em que estive como governadora, não tem nenhum ato meu, nenhuma assinatura sobre o ocorrido. É o primeiro processo que coloca o nome do vice em um processo de impeachment”.

A votação dos nomes da comissão especial para analisar o impeachment foi uma prévia da disposição da Alesc em destituir Moisés em Daniela. Dos 40 deputados, 32 votaram a favor de uma composição amplamente desfavorável a eles, que receberam 5 apoios (houve dois ausentes e uma abstenção).

Eskudlark afirma não ver até o momento chance de Daniela reverter o resultado.

“A conduta dela é bem fora dos padrões da política: costuma andar com esquema de segurança maior que o governador, manda fazer varredura nos ambientes que vai. Quem é da política precisa conversar”.

Já o possível substituto, Júlio Garcia, é visto como a antítese da dupla, colocando-o em posição privilegiada para uma eventual eleição interna.

“Júlio vai assumir interinamente. Mas fazer mais uma mudança, se as coisas começarem a andar, é complicado. Então há uma forte tendência a manter Júlio, que tem bom diálogo com todos”, comentou.

Valor Econômico