Governo tenta disfarçar CPMF

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Foto: Reprodução

Com sua estratégia para o pós-pandemia cada vez mais dependente da criação do imposto sobre transações, a equipe econômica busca formas de apresentá-lo com uma roupagem que o distancie da antiga Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), da qual o presidente Jair Bolsonaro é opositor histórico. Levantamento feito pelo Valor nos discursos registrados na Câmara dos Deputados mostra como foi crítico feroz do tributo.

O esforço de remodelagem apoia-se em duas teses. Primeiro, a de que imposto sobre transações é diferente da CPMF. É, inclusive, mais amplo. Segundo: trata-se de uma substituição de tributo, e não da criação de um imposto. Entra o imposto sobre transações, sai a contribuição patronal ao INSS. Não há aumento da carga tributária.

Ontem, por exemplo, Bolsonaro foi questionado por jornalistas e não deu uma previsão sobre quando a segunda parte da proposta de reforma tributária do governo será encaminhada ao Congresso. Ele ressaltou, no entanto, que não tem aumento da carga. Sobre a criação do tributo, afirmou que é preciso ver os dois lados, ou seja, quais os tributos deixariam de existir. Para ele, se o povo achar que não deve mexer, deixa como está.

O governo tenta eliminar a contradição entre o discurso que Bolsonaro propaga desde o século passado e uma eventual proposta de criação do tributo. Trata-se de uma construção com equilíbrio tênue, que já custou a cabeça do ex-secretário da Receita Marcos Cintra.

A CPMF foi chamada pelo deputado Bolsonaro de “desgraça”, proposta “insana”, imposto “regressivo, cumulativo e inflacionário”.

Em 1995, Bolsonaro ocupou a tribuna para chamar de “insana” a proposta do “ministro tributarista” Adib Jatene de recriar o antigo Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF). Na época, o então titular da Saúde buscava uma fonte permanente de recursos para sua pasta. A proposta era criar a Contribuição sobre a Movimentação Financeira (CMF).

“Teço alguns comentários contra a insana proposta do ministro ‘tributarista’ Adib Jatene, de recriar o antigo IPMF, com o nome de CMF”, discursou. “Da minha parte não pouparei esforço no sentido de evitar que o sofrido povo brasileiro seja obrigado a pagar mais imposto, quando todos sabem que irá para o saco sem fundo da saúde, que em última análise servirá apenas para oxigenar melhor o câncer da corrupção, tão ‘próspero’ naquele órgão.”

O Congresso só aceitou uma versão com tempo limitado, daí porque a sigla ganhou um “P” de “provisória”. Aprovada no fim de 1997, a CPMF começou a ser cobrada em 1998. Como tinha prazo limitado de vigência, o tributo tinha de ser prorrogado de tempos em tempos.

No dia 10 de março de 1999, Bolsonaro disse na tribuna ter ouvido no rádio uma entrevista do então ministro da Fazenda, Pedro Malan, que informava ter sido bem recebida pelos investidores estrangeiros a criação da CPMF. “Com toda a certeza, a agiotagem passou a noite toda ‘bebemorando’ essa desgraça aprovada por esta Casa”, discursou.

No dia seguinte, voltou à carga: “A CPMF nada mais é do que um imposto regressivo, cumulativo, inflacionário e mais uma carga para os nossos equipamentos produtivos, para o bolso dos trabalhadores e do nosso povo e mais uma penalidade deste governo e deste Congresso.”

No fim de 2000, o deputado Bolsonaro votou contra a criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza porque seria parcialmente financiado com um aumento da alíquota da CPMF, de 0,3% para 0,38%. A proposta foi, porém, aprovada.

Três anos depois, o PFL fez uma tentativa de eliminar a CPMF. Bolsonaro fez discurso sobre o tema. “Quase 100% da população era favorável à não prorrogação desse tributo. E como votou o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT? A favor da manutenção da CPMF até 2007. S.Exa. deve ser o deputado do bem mal. Deveríamos, então, instituir ‘troféu cara-de-pau’ ou ‘óleo de peroba’ e concedê-lo ao deputado Luiz Eduardo Greenhalgh.”

A antipatia da população pela CPMF foi usada pelo deputado Bolsonaro como um contraponto ao apoio popular à redução da maioridade penal. “Qualquer pesquisa indica, no mínimo, 85% dos votos favoráveis à redução da maioridade penal”, disse, em maio de 2007. “Gostaria que aceitasse também o desafio da CPMF. Qualquer pesquisa mostra que, no mínimo, 90% dos votos são favoráveis ao fim da CPMF!”

No período mais recente, em 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff considerou propor a recriação do tributo, o deputado Bolsonaro expressou sua indignação na tribuna. “Vamos partir para onde? Para a cubanização, como uma forma de salvar o país? Volta da CPMF; nova alíquota do Imposto de Renda; taxação de grandes fortunas. Um governo canalha, corrupto, imoral, ditatorial!”

O novo imposto sobre transações é o elemento de sustentação dos planos de Guedes para o combate à pobreza e ao desemprego, os dois principais subprodutos da pandemia.

Com arrecadação estimada em R$ 120 bilhões caso a alíquota seja de 0,2%, o tributo vai permitir que empresas sejam dispensadas de recolher a contribuição patronal de 20% ao INSS para os empregados que ganham até um salário mínimo. Para os que ganham acima do piso, a alíquota deverá ser reduzida para 15%.

Esse será o principal destino do imposto sobre transações. “Uma merrequinha para substituir um monte de imposto sacana”, descreveu o assessor especial Guilherme Afif Domingos. Ou, como diz Guedes, o “feioso” (por causa de seu efeito cumulativo) para substituir a taxação “cruel” sobre o emprego.

As receitas do novo imposto serviriam também para reforçar o Renda Brasil, que vai substituir o auxílio emergencial. A fusão do Bolsa Família, do abono salarial e do seguro-defeso garantiriam um benefício de R$ 232. O imposto sobre transações permitiria chegar a R$ 300.

O dinheiro também será usado para eliminar a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da maior parte dos produtos, informou Afif. No lugar dele, será criado imposto seletivo, a ser cobrado apenas para poucos produtos, entre eles: bebidas, cigarros e automóveis. A lista ainda está em elaboração.

Valor Econômico