Lava Jato quer tirar da PGR decisão sobre continuidade
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Alvo de ataques de todos os lados e diante até mesmo da ameaça de extinção, a Lava-Jato passou a buscar alternativas que garantam a continuidade das investigações mesmo com a mudança de formato. É consenso entre os investigadores que as atuais forças-tarefas existentes em Curitiba, Rio, São Paulo e Brasília (neste caso, com o nome de Greenfield) terão sua estrutura reduzida e alterada caso dependam apenas da decisão do procurador-geral da República Augusto Aras.
Na última semana, o chefe do Ministério Público Federal (MPF) partiu para uma guerra aberta ao declarar, em uma transmissão ao vivo com advogados, que a força-tarefa de Curitiba tinha “caixas de segredos” e processos ocultos, além de outras críticas. As declarações se somaram a uma série de desgastes, como um pedido protocolado pela equipe de Aras no Supremo Tribunal Federal (STF) para obter acesso a todas as bases de dados das forças-tarefas.
Além dos ataques de Aras, a Lava-Jato vem sofrendo derrotas, como a decisão do STF de acabar com as prisões após condenação em segunda instância e a aprovação, pelo Congresso, da Lei de Abuso de Autoridade.
Outro revés para a força-tarefa está sendo costurado pelo governo, que quer retirar o MPF das negociações de acordos de leniência. Além disso, o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, é alvo de processo disciplinar que pede sua remoção do caso.
Ao vislumbrarem um risco de que a força-tarefa no Paraná sofra um forte abalo em setembro, quando Aras terá que decidir sobre a prorrogação de sua estrutura, os subprocuradores-gerais da República da 5ª Câmara do MPF — órgão de coordenação e revisão de casos de combate à corrupção — decidiram intervir e mandaram um ofício para Aras pedindo que sejam consultados sobre as próximas prorrogações e recomendando que a estrutura das forças-tarefas seja mantida até que se estabeleça uma transição.
A opção mais viável para manter os trabalhos, na avaliação de fontes das diferentes forças-tarefas e da PGR ouvidas pelo GLOBO, é iniciar um processo de transição para um órgão central que está sendo discutido pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção (Unac). Nas últimas semanas, entretanto, Aras, que inicialmente apoiou a iniciativa, passou a discordar da criação do órgão, diante da possibilidade de não ter controle na escolha de um nome para dirigi-lo.
O projeto prevê que a nova estrutura unificaria as forças-tarefas da Lava-Jato, que passariam a funcionar como unidades regionais da Unac. Seus procuradores poderiam ser aproveitados para apoiar investigações de combate à corrupção em todo o país, replicando o modelo da Lava-Jato para outros casos.
A atuação seria sob demanda: um procurador que se deparar com um grande caso pode pedir reforço da equipe da Unac. O gargalo, entretanto, é de qual forma seria escolhido o chefe dessa unidade.
Integrantes das forças-tarefas defendem que o comando da Unac seja definido por meio de votação entre os procuradores, metodologia que desagrada a Aras. Na visão dos investigadores, o ideal é que a coordenação da Unac seja subordinada a um subprocurador independente da escolha do procurador-geral da República. A ideia preferida pelas forças-tarefas é que a definição seja feita pelo Conselho Superior do Ministério Público ou por alguma votação interna independente.
— O ideal seria um modelo de Unac que não tivesse intervenção tão grande do procurador-geral da República, como a proposta original —afirmou um membro da Lava-Jato do Rio.
A avaliação de integrantes do Conselho Superior, entretanto, é que Aras vai se opor à criação da Unac, o que deve gerar novos embates no colegiado. O conselho é composto por dez subprocuradores-gerais da República, incluindo o procurador-geral. Aras perdeu maioria na próxima composição do conselho, que toma posse em agosto, o que significa que o órgão até pode aprovar a criação da Unac sem o apoio dele.
Fontes do conselho, entretanto, afirmam que o órgão pode criar a regulamentação da Unac, mas que a criação da estrutura demanda atos administrativos que fazem parte da atribuição da PGR, comandada por Aras. Ou seja: a Unac só entraria em funcionamento caso Aras a implantasse.
O grupo paranaense também admite como alternativa possível a criação de novos núcleos de combate à corrupção no MPF do Paraná que dividiriam o acervo da Lava-Jato, opção em estudo pela PGR.
Os procuradores têm repetido não quererem entrar em embate direto com Aras e dizem buscar uma solução para institucionalizar a Lava-Jato.
O STF determinou que as forças-tarefas da Lava-Jato em Curitiba, Rio e São Paulo compartilhem dados com a PGR. A decisão atende a pedido feito pelo próprio órgão, diante da “resistência” de procuradores de primeira instância a repassar os dados e a se submeter a condutas de supervisão. Na última terça-feira, o PGR, Augusto Aras, disse que a força-tarefa de Curitiba funciona como uma “caixa de segredos”.
O Supremo decidiu em novembro de 2019 que o cumprimento de uma pena ocorre somente após o trânsito em julgado, ou seja, quando todos os recursos foram julgados, impedindo a prisão em segunda instância. Pelo menos 38 condenados na Lava-Jato foram beneficiados. Em janeiro deste ano, 70 inquéritos da Lava-Jato envolvendo políticos foram enviados à Justiça Eleitoral, após determinação do STF.
O Congresso aprovou em 2019 a Lei de Abuso de Autoridade. O texto prevê detenção e multa para quem decretar medida de privação da liberdade em desacordo com as hipóteses legais. Recentemente, o presidente do STF, Dias Toffoli, sugeriu que juízes e membros do MP só disputem eleição pelo menos oito anos depois de deixarem o cargo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, prometeu pautar a proposta.
O governo federal e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, finalizam uma proposta para regulamentar a negociação de acordos de leniência, que funcionam como delações premiadas de empresas. A minuta do projeto retira o Ministério Público Federal das negociações e concentra poderes na Controladoria-Geral da União (CGU) e na Advocacia-Geral da União (AGU), subordinados ao presidente Jair Bolsonaro.
O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, é alvo de um processo disciplinar que está na pauta deste mês do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e pede sua remoção da investigação. As mesmas acusações já chegaram a ser analisadas e arquivadas em outros processos. Deltan já foi alvo de pelo menos 16 representações no CNMP. Até agora, 12 foram arquivadas.