MP denuncia “organização criminosa letal” no DF
Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES
Segundo investigação do Ministério Publico do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o secretário de Saúde do DF, Francisco Araújo Filho (foto principal), seria o líder de uma organização criminosa supostamente instituída para fraudar dispensas de licitação de compras destinadas à aquisição de insumos no enfrentamento à Covid-19. Araújo e o alto escalão da Saúde foram presos durante a segunda fase da Operação Falso Positivo, deflagrada na manhã desta terça-feira (25/8).
De acordo com o processo, “as investigações criminais iniciadas pelo MPDFT que conduziram a deflagração da Operação Falso Negativo, em julho do corrente ano, descortinaram, senão a maior organização criminosa entranhada no atual Governo do Distrito Federal, certamente a mais letal, pois se alimenta da morte de inúmeras vítimas do coronavírus”.
Os promotores apontam a existência de provas contundentes dos crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica (cartel), organização criminosa, corrupção ativa e passiva, com o consequente prejuízo de mais de R$ 18 milhões aos cofres públicos em contratos para compras de testes rápidos de Covid-19.
Além de Araújo, detido em casa na manhã desta terça-feira (25/8), no Setor Noroeste, foram alvo de prisão preventiva: Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde; Eduardo Hage Carmo, subsecretário de Vigilância à Saúde; Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, secretário adjunto de Gestão em Saúde; Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central (Lacen); Iohan Andrade Struck, subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF; e Ramon Santana Lopes Azevedo, assessor especial da Secretaria de Saúde.
De todos os alvos, Iohan Struck foi o único não encontrado. Ele é considerado foragido. Todos foram afastados, temporariamente, pelo GDF.
Para o MPDFT, trata-se, na realidade, “de uma organização criminosa que vem se utilizando do arcabouço normativo relativo à dispensa de licitação viabilizada pela pandemia para, sob o manto da aparência de legalidade de procedimentos relativos a licitações dispensáveis e, em conluio com empresas previamente escolhidas que ofertam produtos com preços superfaturados, consolidar a trama de desvio de dinheiro público.”
As investigações apontam que, em razão da pandemia, a legislação especial que tinha por finalidade viabilizar a aquisição de produtos por preço mais acessível e de forma desburocratizada, teria servido de álibi e sido usada intencionalmente de “modo deturpado para dissimular crimes de gravidade inquestionável”.
O MP afirma ainda que a gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal aceitou pagar preços predatórios em manifesta contramão à finalidade pública pretendida pelas normas em referência.
Ao pedir a prisão preventiva, os promotores alegaram que a custódia dos suspeitos é a única medida a ser tomada no caso concreto, “haja vista ser a mais adequada e útil à desarticulação da engrenagem montada por essa organização criminosa para dilapidar o patrimônio da saúde pública do Distrito Federal”.
No processo, o MPDFT indica a farta documentação e aponta que os servidores do GDF, sob a liderança do secretário de Saúde, teriam se unido para a prática de crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica, organização criminosa, corrupção ativa e passiva, aproveitando-se do dinheiro público destinado justamente à saúde, revertido ao enfrentamento da pandemia mundial desencadeada pela Covid-19.
“Durante o desenrolar das diligências, os dados colhidos revelaram sérios e robustos indícios de que os crimes foram praticados de modo coordenado. Apontaram ainda que cada integrante teve seu papel bem delineado, típico de organização criminosa, devidamente estruturada e compartimentada”, assinala o MP.
Ainda de acordo com a narrativa do Ministério Público, coube a Francisco Araújo as decisões sobre quais empresas seriam beneficiadas. “A partir de então, o grupo se articulava para montar processos forjados e dar ares de legalidade ao certame viciado, desde seu nascedouro”, apontaram os promotores.
“Provas mostram que a atividade do grupo criminoso é compartimentada, sendo que a atuação de cada um, por vezes, é mais destacada em um expediente do que em outro, ficando nítida, todavia, a conjugação de esforços comuns para atender aos interesses da organização criminosa”, destacou o MP.
O pedido do Ministério Público à Justiça foi instruído com inúmeros documentos aptos a comprovarem a materialidade e os indícios dos crimes praticados pelos investigados.
Durante todo o processo, Francisco Araújo é colocado como ocupante de uma posição destacada. As alegações dos investigadores são de que ele “quase sempre dirigia, orientava e fiscalizava a atuação de outros agentes, além de defender os interesses de terceiros que concorreram para os ilícitos de alguma maneira, de modo que foi apontado com o chefe da organização criminosa”.
O Ministério Público descreve a conduta individualizada de cada investigado e suas participações na organização criminosa, inclusive, transcrevendo áudios de algumas conversas supostamente havidas entre os envolvidos.
“Há, em tese, prova da habitualidade, reiteração criminosa, utilização do grande poderio econômico aliado aos cargos públicos ocupados e participação de inúmeros agentes em diversos contratos firmados pela Secretaria de Saúde, com dispensa indevida e/ou fraude em licitações, tudo em prejuízo ao erário e, por óbvio, à população do Distrito Federal”, apontou o MP.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), divulgou nota na qual lamenta “a desnecessária operação ocorrida nesta manhã e que culminou na prisão preventiva da cúpula da Secretaria de Saúde”.
Segundo o chefe do Executivo local, o secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, e toda a equipe “sempre estiveram à disposição das autoridades para esclarecer quaisquer fatos, mantendo abertos todos os processos em curso na SES, inclusive com o acompanhamento on-line do Ministério Público, pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), comprovando a inexistência dos crimes de que estão sendo indevidamente acusados”.
“Aguardo rápida apuração e o esclarecimento dos fatos para que pessoas inocentes não tenham seus nomes indelevelmente manchados”, assinalou o titular do Palácio do Buriti.
A Secretaria de Saúde informa, por meio de nota, “que sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial”.
“A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso online dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade.”
Também por meio de nota, a defesa de Francisco Araújo disse que “lamenta a forma precipitada como o caso foi tratado”. De acordo com os advogados do secretário, a decisão, que reproduz os termos da representação do Ministério Público, “não descreve nada que possa configurar crime”.