Se Bolsonaro suspender auxílio, perde popularidade obtida

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Foto: Alan dos Santos/PR

Formatado à revelia do Palácio do Planalto, o auxílio emergencial de R$ 600 apareceu ao presidente Jair Bolsonaro como um respiro entre crises sucessivas. Na avaliação de especialistas, o benefício durante a pandemia do coronavírus ajudou a melhorar a imagem do chefe do Executivo, sobretudo entre os mais pobres, mas precisa chegar ao fim com uma transição suave, sob pena de corroer o capital político arrecadado com a medida.

“O auxílio emergencial está permitindo uma estabilidade e, especialmente no Nordeste, um crescimento. Mas não podemos dizer, neste instante, que o crescimento é consistente, isto é, que a aprovação vai superar a reprovação. Ainda é cedo”, frisou Adriano Oliveira, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco.

O Nordeste foi a única região do País que em que Bolsonaro perdeu no segundo turno de 2018. Agora, é para onde o presidente direciona agendas com verniz eleitoral. Ele pretende concorrer em 2022 e tem aproveitado a agenda positiva do auxílio.

“Só vai haver ganhos para 2022 se tiver continuidade. Se ficar até dezembro, voltamos para os parâmetros anteriores. À medida que o benefício é retirado, a avaliação pode flutuar”, ponderou Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC Rio. “Bolsonaro ainda tem rejeição no Nordeste, região ligada ao PT, grata ao ex-presidente Lula. Mas ele começa a falar para esse eleitor.”

Nesta quarta-feira, 5, Bolsonaro afirmou que “não dá para continuar muito” a liberar o auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais por causa do impacto da medida na economia, que, segundo ele, representa R$ 50 bilhões mensais.

“Começou a pagar a quarta parcela (do auxílio emergencial) e depois tem a quinta. Não dá para continuar muito porque por mês custa R$ 50 bilhões. A economia tem que continuar. E alguns governadores teimam ainda em manter tudo fechado”, disse Bolsonaro a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada.

Como o Estadão mostrou, o governo estuda estender o auxílio emergencial, destinado a trabalhadores informais, desempregados e beneficiários do Bolsa Família, até o fim de 2020.

Os estudos governamentais para prorrogação do auxílio até dezembro dão sentido às análises. Mas como publicado pelo Estadão, a substituição do benefício emergencial por um novo programa social, batizado de Renda Brasil, é um “grande nó” no governo. Há dúvidas sobre a possibilidade de o programa pretendido como substituto do Bolsa Família sair do papel até o fim do ano.

A transição do auxílio emergencial para o novo programa pode ser determinante para o presidente que lida com crises política, econômica e sanitária, sem poder comemorar resultados fortemente positivos, principalmente na economia.

Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC-MG, Robson Sávio Reis Souza avalia que o presidente pode ser ajudado por um sentimento de gratidão à autorização do auxílio, estimulado entre os mais empobrecidos também pelo segmento dos neopentecostais.

“É um fato importante a ser considerado. Um outro é que o governo quer mudar não somente o nome do Bolsa Família, mas agregar outras políticas ao novo benefício. Não diria que teremos uma mudança completa no perfil do eleitorado, de lulista para bolsonarista, mas podem significar a construção de uma base para o presidente nos segmentos mais pobres”, disse.

Adversário de Bolsonaro, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), vê melhora na aprovação do presidente em sua região, mas a classifica como momentânea. Bolsonaro enfrenta legados de programas assistenciais do ex-presidente Lula na região e dificuldades para imprimir um ritmo próprio.

“Tinha muita coisa, como PAC, Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos, institutos federais, Prouni. Até agora, Bolsonaro tem um auxílio emergencial temporário. Eu diria que (a melhora na aprovação) é uma situação momentânea. Muito provavelmente ele deve tentar algum tipo de prorrogação. Mesmo com essa perenização, não é suficiente”, disse o governador.

Na proposta original do governo, o auxílio seria de R$ 200, valor três vezes menor que o aprovado pelo Congresso. Mas é Bolsonaro quem capitaliza com a medida, que custa R$ 51 bilhões mensais. “Claro que foi o Congresso (o responsável pelo auxílio), mas o presidente tinha o poder de vetar e não vetou”, defendeu o deputado Júlio Cesar (PSD-PI), coordenador da bancada nordestina.

Já para o deputado Raul Henry (MDB-PE), a estratégia do presidente pode ser frágil, uma vez que não ataca problemas mais profundos.

“Defendo que o Brasil tenha um programa de enfrentamento à pobreza, mais amplo que o Bolsa Família, mas que caiba nas contas. Lamento que essa aproximação se deu apenas em termos das consequências de um auxílio emergencial. Precisava ter uma política estruturante para o Nordeste”, afirmou.

Estadão