40% das agências reguladoras são dirigidas por interinos

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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Alvo de uma nova lei aprovada em 2019, as agências reguladoras têm hoje 40% de suas vagas de diretoria ocupadas por interinos ou em aberto. Há 14 meses nenhum novo diretor toma posse.

A situação reflete o atraso generalizado nas indicações do Poder Executivo para repor quem teve mandatos vencidos. Nos casos em que houve indicação, o processo não avança porque as comissões do Senado responsáveis pela análise dos nomes estão sem funcionar desde março, com a chegada da pandemia ao país.

Para especialistas, a proliferação de interinos tira poder das agências nas relações com seus regulados e aumenta o risco de captura política. Das 52 vagas de diretoria existentes, só 31 são ocupadas atualmente por diretores com mandato fixo. Outros 18 atuam na condição de substitutos. Três vagas estão em aberto.

Na tentativa de desfazer a confusão, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou um projeto de lei que busca estabelecer novas regras para a interinidade nas agências. O PL 4.562/2020 foi protocolado nesta segunda-feira.

A proposta define quatro momentos diferentes para a vacância nas diretorias: 1) sem um nome indicado pelo Palácio do Planalto e aprovado pelo Senado, o diretor com mandato vencido permanece até por um ano a mais no cargo; 2) se esse tempo não for suficiente para resolver a situação, assume um integrante da lista de substitutos formada por servidores da própria agência. Esse mandato-tampão pode durar até um ano; 3) o presidente da República tem 180 dias para encaminhar sua indicação ao Senado; 4) se não fizer isso no prazo determinado, a diretoria colegiada da agência indica um nome da lista de substitutos em 30 dias – ou o Senado analisa o primeiro da lista em caso de inércia.

De acordo com Marcos Rogério, que preside a Comissão de Infraestrutura do Senado, o projeto se inspirou nas soluções adotadas nos Estados Unidos e em Portugal. A ideia, explica ele, é aprimorar pontos da Lei Geral das Agências (13.848) que foi sancionada em junho do ano passado.

Antes dela, quando terminava o mandato de um diretor, não havia mecanismos de substituição e algumas agências chegaram a ficar sem quórum mínimo para deliberar. A partir da nova legislação, criou-se uma lista formada por servidores com nível hierárquico de superintendentes ou gerentes-gerais para “mandatos-tampões”, como diretores interinos. As críticas vão no sentido de que, com isso, o governo considerou resolvida a questão das vacâncias e simplesmente “esqueceu” as indicações.

Na Anac (aviação civil), por exemplo, apenas um diretor – Juliano Noman – tem mandato fixo e outros três são interinos. O presidente Jair Bolsonaro enviou, em março, duas indicações ao Senado. Depois de seis meses sem nenhum avanço na tramitação, ele retirou ontem ambos os nomes.

O Valor apurou que a única indicação feita por Bolsonaro e encaminhada à Comissão de Infraestrutura, nos últimos meses, foi a de Carlos Manuel Baigorri para o colegiado da Anatel (telecomunicações). Todas as demais ficaram retidas na Mesa Diretora do Senado – ou seja, dependem da boa vontade do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) para seguirem adiante.

“Não obstante a reconhecida qualidade técnica dos servidores das agências reguladoras federais, a ‘interinidade perpétua’ traz alguns riscos para a estabilidade regulatória, a exemplo do prejuízo ao planejamento confiável de longo prazo, já que a agenda será construída por diretores que não permanecerão em seus cargos por muito tempo”, diz o advogado Fernando Villela de Andrade Vianna, sócio do escritório Vella Pugliese Buosi e Guidoni (VPBG).

“Existe ainda o risco de eventuais pressões políticas, seja dos diretores com mandato, seja da administração pública direta ou de membros do Parlamento, sobre o diretor substituto, que poderá se encontrar em uma posição mais fragilizada de resistência. A previsibilidade é peça-chave em uma regulação confiável.”

O governo não quer discutir o assunto neste momento. Segundo uma fonte, o Senado não deve se debruçar sobre o tema, por exemplo, no “esforço concentrado” de votações, previsto para acontecer na semana que vem.

A razão é que Executivo e Legislativo ainda estão negociando as respectivas indicações para cada vaga aberta. No início da legislatura, Alcolumbre acertou com o Planalto que governo e Congresso iriam se revezar nas escolhas dos dirigentes das agências. A cada vaga aberta, um dos Poderes teria o direito de escolher seu ocupante.

“O processo de indicação das agências tem um timing político, é diferente. Não é como embaixador, conselhos do Ministério Público. As negociações estão sendo travadas para haver um equilíbrio nos processos de nomeação. A hora que houver um acordo, aí vota”, explica um interlocutor no Congresso com acesso ao Planalto.

Para esse parlamentar, as agências não têm mais problema de continuidade. “Elas estão funcionando, não com seus membros titulares, mas não tem nada parado.”

Outro ponto que chama a atenção do mercado é a quantidade de presidentes ou diretores-gerais em caráter temporário. Podem ser nomes com ou sem mandato fixo, mas que jamais foram aprovados no Senado para o comando dos órgãos reguladores.

Sete dos 11 chefes de agências estão hoje como substitutos. É esse o caso na Anac, ANTT, Antaq, ANP, Ancine, Anvisa e ANS. Mesmo em uma diretoria colegiada, o presidente tem papel de destaque. É quem negocia com o governo, coordena questões administrativas e se apresenta como “porta-voz” da agência. O projeto de Marcos Rogério estabelece, em caso de vacância da presidência, a diretoria da agência escolherá um substituto dentro do seu próprio colegiado.

Valor Econômico