Campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro incomoda governadores

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Foto: Reprodução/ DW

Chapéu de couro, inauguração de obras, abraço em apoiadores. O roteiro típico de campanhas eleitorais foi adotado com vigor por Bolsonaro em agosto, faltando mais de dois anos para a disputa em que ele pretende se lançar à reeleição.

As últimas viagens do presidente priorizaram as regiões Nordeste e Norte, onde há os maiores percentuais de população recebendo a renda básica emergencial. São também as regiões onde ele teve seu pior desempenho eleitoral em 2018.

Um levantamento divulgado pelo jornal O Globo em 30 de agosto mostra que, de 23 municípios visitados desde abril, dez estavam nessas duas regiões. Um cálculo do site Poder360 mostra que o percentual de cidades no Nordeste visitadas pelo presidente em relação a todas as suas viagens subiu de 7% antes do auxílio emergencial para 33% após o início das transferências de renda.

Foi no Nordeste que Bolsonaro teve seu maior salto de popularidade nos últimos meses. Sua aprovação, medida pelo PoderData, alcançou 48% em 17 a 19 de agosto, 21 pontos percentuais acima da aferida em 8 a 10 de junho. Na última rodada da pesquisa, de 31 de agosto a 2 de setembro, a aprovação do presidente diminuiu para 40%.

O cientista político Adriano Codato, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma à DW Brasil que, na prática, Bolsonaro começou sua campanha à reeleição no segundo semestre do segundo ano de governo.

Ele lembra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também começou a agir como candidato à reeleição já no terceiro ano do governo, em 2005, após o escândalo do mensalão, mas que Bolsonaro adiantou o calendário ainda mais.

“O Bolsonaro repete esse padrão, mas se antecipando”, diz Codato. Outra diferença, afirma, é que Lula tinha uma máquina partidária, enquanto Bolsonaro não tem partido, mas “só o personalismo”.

Pressionado pelas acusações de corrupção em seu entorno, como as investigações contra Fabrício Queiroz, que incluem pagamentos para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, e o caso das “rachadinhas” de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, o modo campanha de Bolsonaro serve também para tentar pautar a agenda pública.

“Bolsonaro não está nem aí para a administração, ele dá diretrizes gerais e delega tudo para os ministros. O que ele faz é agitação e propaganda, o tempo todo”, diz Codato.

A pandemia do coronavírus, que inicialmente trouxe o risco de causar um desastre político ao presidente, acabou criando oportunidades para ele a partir da criação do auxílio emergencial, avalia Glauco Peres, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP).

O programa de transferência de renda “mudou um pouco” o presidente, que percebeu que políticas públicas do Estado poderiam dar a ele um retorno maior do que vinha recebendo até então.

Esse Bolsonaro em campanha, diz Peres, está em busca do “eleitor governista”, conceito da ciência política para descrever o eleitor que depende muito do governo, e que portanto apoia o mandatário da vez “não importa quem esteja lá”. Essa nova base viria para se somar às camadas médias e conservadoras que apoiaram Bolsonaro em 2018.

Para Flávia Bozza Martins, professora de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a renda básica emergencial é o “grande sustentáculo” da ascensão da popularidade do presidente.

Como a avaliação positiva é uma variável com grande capacidade de antecipar o comportamento do eleitor na urna, “manter-se bem avaliado não é apenas uma necessidade dos governos, mas particularmente de Bolsonaro, pela forma ‘pouco política’ de ele se relacionar com a política institucional”, diz.

Uma consequência do início antecipado da campanha é o aumento da pressão para manter as despesas do governo em nível elevado.

Essa posição é limitada pelo teto de gastos, que proíbe o governo de elevar as despesas acima da inflação. O teto foi suspenso em 2020 pelo estado de calamidade, mas estará em vigor novamente a partir do próximo ano.

Há discussão dentro e fora do governo sobre flexibilizar o teto , e o prestígio do ministro da Economia, Paulo Guedes, guardião da faceta liberal e austera do programa bolsonarista, está em declínio.

“O compromisso com o liberalismo de Bolsonaro sempre foi um compromisso de ocasião. Se ele tiver que rifar a agenda liberal, creio que ele vá fazer isso”, afirma Peres. “O presidente já está caminhando nessa direção”, diz.

Outro impacto do modo campanha do presidente é uma menor disposição de usar o peso do Palácio do Planalto para fazer avançar reformas no Congresso Nacional.

O histórico de Bolsonaro já é o de não se envolver diretamente na aprovação de temas com potencial de desgaste, como foi a Reforma da Previdência — cuja condução principal é atribuída ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Nesta quarta-feira (03/09), o governo enviou ao Congresso sua proposta de reforma administrativa, que altera regras de contratação, promoção e remuneração de servidores públicos que venham a ser admitidos no futuro.

O texto deixa de fora das mudanças integrantes do Judiciário, do Legislativo e das Forças Armadas, mas, apesar de ser brando, não deve receber o apoio entusiasmado de Bolsonaro, na avaliação de Codato.

Outra reforma prometida para este ano, mas ainda não enviada ao Legislativo, é a tributária — com ainda menos chance de ser liderada pelo presidente. “Essa é muito difícil. Guedes propõe tirar benefícios da classe média, vai bombardear um setor que apoia Bolsonaro”, diz o professor da UFPR.

Um terceiro elemento afetado pelo clima de campanha é a relação do presidente com os governadores. “Ao assumir o lugar de candidato, Bolsonaro coloca os outros políticos como adversários, e aniquilar inimigos políticos é uma prática constante dele”, diz Martins, da UERJ.

Esse aspecto se tornou evidente na relação do presidente com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio, Wilson Witzel, afastado do governo pelo Superior Tribunal de Justiça por indícios de envolvimento em esquema de corrupção.

“Possíveis parcerias entre os estados do Rio e de São Paulo e o governo federal foram queimadas já no segundo ano de mandato do presidente”, afirma Martins.

Peres, da USP, alerta para o risco de que outros governadores que se tornem competitivos para 2022 sofram procedimentos jurídicos como o que ocorreu com Witzel, cujo afastamento é cercado por debates sobre sua legalidade.

Apesar do clima positivo durante os encontros com apoiadores nos últimos meses, Bolsonaro terá que tomar decisões difíceis em breve. O auxílio emergencial dura apenas até o final do ano, e será de R$ 300, metade do valor inicial, a partir de outubro. A proposta de Orçamento de 2021 enviada pelo governo ao Congresso não reserva verbas para a criação de um novo programa de transferência muito mais robusto que o atual Bolsa Família.

“Ele está numa sinuca de bico. Se quiser agradar a essa parcela da população com políticas de redistribuição e manter sua popularidade, terá que estourar o teto de gastos. Ao fazer isso, deve desagradar boa parte da base no Congresso com quem ele dialoga e perder o apoio do mercado financeiro, um dos seus sustentáculos”, diz Martins.

Ela projeta que o efeito da redução do auxílio emergencial será sentido já em outubro, quando a parcela passa a ser de R$ 300, mas que o maior impacto será em janeiro, quando será interrompido.

“Junto virá a crise econômica, com pessoas sem emprego e debilitadas financeiramente. Assim como a popularidade do presidente subiu por conta disso, tem grande chance de cair pelo mesmo motivo”, afirma.

DW