Candidata que tentou se passar por negra diz não saber sua cor
Foto: Reprodução/O Globo
Catarinense de 46 anos, Cleusa Maria Bertolo Glienke é uma dos 46.908 candidatos que mudaram a declaração de sua cor nos registros das eleições municipais de 2020 em relação à corrida de 2016 — o equivalente a 27% dos que concorreram em ambas as eleições. Ela se autodenominava branca no último pleito. Agora, passou a parda. Aspirante a vereadora de São Miguel da Boa Vista (SC) pelo MDB, Cleusa nega qualquer motivação para a troca, fala da dificuldade de se encaixar num determinado critério e mostra indiferença sobre a questão:
— Eu não sei nem a cor que eu sou. É verdade. Para mim, tanto faz. Não tem diferença.
A troca feita por Cleusa é o movimento mais frequente verificado: 16.859 políticos que se declaravam brancos passaram a se dizer pardos. A eleição deste ano tem recorde de candidatos pretos e pardos da história: 49,8% do total até esta segunda-feira. Alterações na cor em sentido contrário também ocorreram em volume parecido, com 14.304 que passaram de pardos para brancos entre os dois pleitos, segundo dados tabulados pelo GLOBO sobre a base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na lista de justificativas para a troca, sobrou até para a Covid-19. Em tom de brincadeira, após dizer que nem tinha se dado conta da mudança, Walklandia da Silva Freitas, mais conhecida como pastora Wal, afirmou que deve ter ficado mais branca em razão do isolamento imposto pela doença. Na última eleição, a candidata de 41 anos declarou que era parda.
—Eu moro numa região nordestina, o lugar é muito quente. A Covid embranqueceu todo mundo — brincou a candidata pelo PSL a vereadora de São José de Ribamar, no Maranhão.
— Nem me dei conta disso (alteração na cor declarada). Tô ficando é velha.
Com a possibilidade de o fundo eleitoral ser distribuído de maneira igual entre candidatos brancos e negros, conforme decisão recente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que antecipou a aplicação da regra já para a eleição deste ano, as alterações na cor declarada passaram a ser vistas com alguma desconfiança. A questão está em julgamento no plenário do STF.
Candidatos ouvidos pelo GLOBO negam a intenção de garantir verbas. Glauber Eduardo Glowascki Fagundes (PT), candidato pela segunda vez a vereador de Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul, passou de branco para preto. Questionado sobre a mudança, disse que vai procurar o partido, responsável pelos registros, para verificar o que ocorreu, uma vez que na sua documentação pessoal tem a cor branca. O nome na urna, Glauber Negão, deve-se a um apelido e não à tonalidade da pele, explica o candidato de 29 anos:
— Negão é um apelido de infância, de família. Todo mundo me conhece assim. Vou procurar saber com o partido o que aconteceu. Mas não faz diferença se fosse preto também.
Já Gabriel Verli, candidato a vereador de Joinville (SC) pelo PT, afirmou que o erro ocorreu na eleição passada, quando o partido o registrou como branco. Ele diz que reclamou, ao identificar a informação na época no site do TSE, mas foi avisado de que não poderia mais alterar.
Desta vez, diz Verli, fez questão de alertar o “jurídico” da sigla para que o engano não se repetisse. Segundo ele, a identificação como negro veio desde o fim da adolescência, após estudar a “questão do colorismo”. A declaração da cor preta é vista como uma “atitude política” pelo candidato de 27 anos, na tentativa de romper um padrão de parlamentares brancos na cidade.
—Há um grupo em Joinville que gosta de reforçar uma ideia de que aqui é só terra de descendentes de europeus. Eu sou natural da cidade, meu pai é negro, eu me identifico como negro, embora minha pele não seja tão escura — diz Verli.
Juliene Neves tenta a reeleição para vereador de Malhadas, na Bahia, pelo PT. Em 2016, declarou ser preto. Agora, seu registro é de indígena. Ele diz que a mudança “foi sem pensar”, relatando o procedimento de preenchimento de fichas durante convenção do partido.
— Na verdade, a raça é negra. Nada de preconceito sobre isso. Mas também sou fã da classe indígena, que no Brasil de hoje sofre um grande preconceito territorial, sem liberdade de ter seu pedaço de terra — afirma o vereador de 43 anos.