Covas e Boulos disputam apoio da Cultura
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Na semana passada o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), pré-candidato à reeleição, aderiu ao movimento Bloco da Cultura que congrega artistas e agentes culturais (alguns deles com passagem pela própria administração Covas) com o objetivo de “colocar a cultura na centralidade dos debates sociais e econômicos do país”. Nas próximas semanas ele deve receber o apoio de vários representantes do setor a exemplo do que já aconteceu com seu adversários Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT).
Relegada por décadas ao segundo plano do debate eleitoral, a cultura ascendeu de patamar durante o governo Jair Bolsonaro graças a situações que tornaram manifestações culturais alvo preferencial do bolsonarismo e os artistas e intelectuais em objeto de disputa entre setores políticos.
“O Bolsonaro criou um clima de demonização da cultura e perseguição aos artistas”, disse Boulos.
Além disso, em tempos de prevalência eleitoral das redes sociais, a importância de cantores e atores famosos no meio digital se tornou um ativo político. Muitos deles têm centenas de milhares de seguidores e exercem influência mesmo não votando em São Paulo.
Em uma cidade que se orgulha de sua vida cultural, como é o caso de São Paulo, estrategistas das campanhas avaliam que o peso dos artistas é ainda maior. Não é à toa que Covas deu destaque especial para a área, investindo e propagandeando o sucesso de eventos como a Virada Cultural e o Carnaval que levaram às ruas 5 milhões e 15 milhões de pessoas, respectivamente, em suas últimas edições.
O pré-candidato do PSOL largou na frente ao receber apoio de centenas de personalidades do meio das artes e da academia como Caetano Veloso, Chico Buarque, Emicida, Criolo, Fernando Morais, Camila Pitanga, Ernesto Neto, Marilena Chauí. Muitos deles tiveram as imagens vinculadas ao PT por décadas como José de Abreu, Osmar Prado, Paulo Betti, Frei Betto, André Singer e os próprios Chico, Morais e Marilena.
Petistas tentaram minimizar a importância das adesões a Boulos, disseram que a maioria nem sequer vota em São Paulo, mas a perda do apoio em um setor que foi monopolizado pelo PT desde a redemocratização feriu os brios do partido.
Na semana seguinte ao manifesto pró-Boulos, o PT promoveu um evento on-line com Tatto sobre cultura. O pré-candidato prometeu aumentar de 0,58% (cerca de R$ 470 milhões) para 3% do orçamento a verba da Secretaria de Cultura. Na sequência o PT lançou seu próprio manifesto de apoio de artistas a Tatto. O mais conhecidos eram os atores Celso Frateschi e Sergio Mamberti. Os demais signatários são gestores, ativistas, representantes classistas ou desconhecidos do grande público.
Apesar de representar pouco na contabilidade eleitoral, o êxodo de artistas para a campanha de Boulos acendeu a luz amarela no QG petista. Além de manter Tatto na defensiva, depois de um processo de escolha contestado internamente, o movimento poderia gerar uma onda. Foi cogitado antecipar a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha, o que não aconteceu.
Para estrategistas da campanha de Bruno Covas, a aproximação com a classe artística na campanha é resultado da política de valorização da cultura na gestão do tucano que teve nos carnavais e na Virada Cultural (os maiores já realizados na cidade) momentos de grande visibilidade.
“A adesão ao Bloco da Cultura reforça compromissos de Bruno que já haviam ficado evidentes em sua gestão: ampla agenda de ocupação cultural da cidade, contraponto claro ao governo federal, cultura no eixo de desenvolvimento e no centro do debate político”, disse o secretário-executivo da Prefeitura Alexandre Youssef, ex-secretário de Cultura e responsável pelo programa de governo de Covas para o setor.
Participam do movimento a cineasta Laís Bodanzky, o ator Hugo Possolo e o rapper Xis (todos com passagem pela gestão Covas) entre outros.
Aliados do prefeito, no entanto, apontam outro motivo. Covas quer o voto útil de petistas e psolistas em um eventual segundo turno contra um candidato apoiado por Bolsonaro. A campanha do tucano avalia que eleitores de esquerda, escaldados pela derrota em 2018, votarão de forma “estratégica” este ano.
O Estadão falou com vários artistas sobre os motivos que os levaram a escolher Boulos em vez de Tatto. A maioria disse desconhecer o pré-candidato petista ou, no mínimo, suas propostas para o país ao contrário de Boulos, que foi candidato a presidente em 2018, e sua companheira de chapa, a veterana deputada Luiza Erundina.
“Gosto muito da Erundina, que conheci quando ela era prefeita e eu secretário estadual de Educação, e também do Boulos. Eu iria estar com problema de consciência se tivesse saído pelo PT o (Alexandre) Padilha ou o (Eduardo) Suplicy. Aí acabou saindo esse rapaz, o Tatto, que eu nem conheço”, disse o escritor Fernando Morais, atualmente dedicado a escrever uma biografia de Lula.
Ele acrescentou à lista de motivos outro ponto citado por vários artistas, a necessidade de nacionalizar a disputa em São Paulo como ponto de partida para uma ampla frente capaz de enfrentar Bolsonaro em 2022. E Tatto, que ocupou secretarias importantes na cidade, não tem um discurso nacional. “Esta eleição tem que ser politizada nacionalmente e radicalizada no sentido literal, de ir na raiz dos problemas”, disse Morais.
O ator José de Abreu, um dos maiores influenciadores de esquerda nas redes digitais com quase 500 mil seguidores no Twitter, também destacou a importância nacional da eleição em São Paulo. “O Guilherme tem dimensão nacional, ele cria pontes. O fato de o PT ter escolhido o Tatto não influenciou. Mas se fosse o (Fernando) Haddad eu ia pensar”, disse Abreu.
Paulo Betti, um dos rostos da primeira campanha de Lula à Presidência em 1989, disse que hoje se sente mais representado pelo PSOL e lembrou os escândalos recentes do PT. “Hoje me sinto mais à vontade para apoiar quem eu quero sem ser do PT. Tem mais opções. O PSOL me representa melhor em algumas circunstâncias. Isso tem a ver com as coisas que aconteceram e que foram marcantes”, explicou.
Osmar Prado, que durante décadas emprestou sua popularidade a candidatos petistas, disse que Boulos representa a renovação. “Boulos é o novo”, justificou.
Embora tenham escolhido o pré-candidato do PSOL em São Paulo, Morais, Abreu, Betti e Prado disseram que vão apoiar a petista Benedita da Silva no Rio.