Estudo explica por que as pessoas escolhem direita e esquerda
Foto: Reprodução/ Veja
O presidente Jair Bolsonaro passou por graves crises desde o início do seu governo e não foram poucos os que cogitaram que ele poderia não terminar o seu mandato. Mas ele não só resistiu – em parte porque abandonou o estilo belicoso que adotou em boa parte do tempo -, como vive o seu melhor momento em termos de popularidade (37% de ótimo ou bom, segundo o Datafolha de agosto) e lidera todos os cenários especulados para a disputa presidencial para 2022. Parte do bom momento é atribuído ao impacto positivo do auxílio emergencial sobre uma parcela expressiva da população. Outros atribuem sua resistência à polarização política, alimentada pela possibilidade, ainda que remota, de volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral. Mas mesmo nos piores momentos, ele sempre teve ao menos um terço da população a apoiá-lo, um núcleo duro disposto até a ir às ruas em defesa de seu nome, de seu governo e de suas ideias. Não são poucos os adjetivos usados para qualificar esse contingente, principalmente no vale-tudo que se trava hoje nas redes sociais. Há desde expressões que tentam enquadrá-los com algum carimbo ideológico reducionista, como “fascistas”, a ofensas puras e simples, como chamá-los de “gado” – ou de sua derivação, “bolsominion”, uma inovação no vocábulo nacional usada para descrever seguidores fiéis do presidente supostamente despossuídos de senso crítico.
Mas pode existir um alicerce mais sólido a mobilizar o público que se identifica com Bolsonaro. Um estudo inédito conduzido pelo pesquisador Alberto Carlos Almeida, colunista do site de VEJA e autor de livros sobre o comportamento político da sociedade, como A Cabeça do Eleitor (2008), mostra que está havendo algum simplismo na hora de entender o que levou quase 58 milhões de pessoas a eleger o atual ocupante do Palácio do Planalto. Parafraseando a célebre sentença cunhada em 1992 por James Carville, marqueteiro de Bill Clinton em 1992 – “é a economia, estúpido -, é possível dizer algo como “é a moral, estúpido”. O trabalho de Almeida usa como base cinco valores caros à humanidade ao longo do tempo e, a partir deles, mostra como o peso que cada um dá a esses fundamentos define a sua escolha política. E uma das principais conclusões é que o eleitor do atual presidente – e do apoiador da direita em geral – é mais multifacetado e mais complexo do que faz supor as adjetivações. Ele é capaz de valorizar de forma mais equilibrada todos os princípios — “justiça e reciprocidade”, “cuidado com os fracos”, “respeito à autoridade”, “lealdade ao grupo” e “pureza e santidade” — do que simpatizantes de candidatos à esquerda como Lula ou Guilherme Boulos (PSOL), que tendem a valorizar mais os dois primeiros fundamentos (veja quadro abaixo). “O leque de sabores morais do eleitor de direita é mais amplo”, afirma Almeida.
A pesquisa brasileira é baseada no trabalho de Jonathan Haidt, professor de filosofia e psicologia social na Universidade de Nova York que ganhou prestígio com o livro The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion (“A Mente Justa: Por que Boas Pessoas são Divididas pela Política e pela Religião”. Na obra, o pesquisador, que é progressista e simpatizante do Partido Democrata, esmiúça a sua ideia de que, mais do que pela razão, somos movidos por processos intuitivos baseados nessas cinco questões fundamentais. O sucesso de sua tese o colocou em 2012, ano do lançamento da publicação, como um dos cem pensadores mais influentes do mundo na tradicional lista anual da revista americana Foreign Policy.
O estudo de Almeida foi feito entre 14 e 23 de julho, com 1.162 pessoas, que responderam questionários por meio das redes sociais e do site de VEJA, nos quais atribuíram peso de 0 a 30 a afirmações como “Nunca pode ser correto matar um ser humano”, “É mais importante trabalhar em grupo do que agir individualmente” ou “O respeito por autoridade é algo que todas as crianças precisam aprender”. Eles também declararam a sua orientação política (extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita ou extrema-direita), e, por fim, avaliaram um grupo de políticos e personalidades (Bolsonaro, Lula, João Doria, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Marina Silva, Boulos e Sergio Moro). As conclusões vieram do cruzamento dessas três informações: a régua moral (revelada pelo questionário), a posição ideológica que o entrevistado se atribuiu e a avaliação que faz dos políticos. As constatações não são muito diferentes das detectadas no estudo com os americanos e em outros países. “São consistentes com todas as pesquisas feitas com essa mesma teoria, com esses mesmos pilares morais, no mundo inteiro, como Estados Unidos, Japão e Reino Unido. O Brasil não é exceção”, diz Almeida.
Uma das conclusões do estudo, tanto do de Haidt quanto do de Almeida, é que esses cinco valores morais guiam não só as escolhas do eleitor como também as estratégias dos políticos em busca de apoio. “Se você, agora, passar a olhar o mundo baseado nesses pilares morais, vai conseguir ver as mensagens que os políticos de direita e de esquerda mandam para os seus eleitores”, afirma Almeida. Uma constatação do estudo, por exemplo, é que quanto mas uma pessoa valoriza “autoridade e respeito”, mais ela se identifica com a direita, o que explica por, exemplo, o fato de Bolsonaro mobilizar os símbolos militares. Ou quando o presidente lança mão da religião e suas representações em busca do eleitor que valoriza “pureza e santidade”. Já ao se valer de conceitos como pátria e nação ou de símbolos nacionais, como a bandeira, ele toca o eleitor que valoriza a “lealdade ao grupo”. Já quando a pessoa valoriza “reciprocidade e justiça”, mais simpatia ela tem pela esquerda, o que explica quando políticos como Haddad ou Boulos colocam em primeiro plano temas como direitos sociais, tratamento igualitário, inclusão e ampliação do acesso à cidadania. Assim, conclui Almeida em sua pesquisa, tanto o voto e o apoio a políticos de esquerda e de direita têm fundamentos morais, mas cada lado tem uma moralidade diferente. “Toda escolha eleitoral é também fruto de um cálculo moral, ainda que as pessoas não saibam que estão calculando”, concorda o filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mas qual seria a diferença básica entre o eleitor de direita e o de esquerda? Ambos valorizam o chamado “capital social” (cuidar dos mais fracos, lutar por justiça e reciprocidade), que cria o necessário espírito comunitário e de solidariedade, mas o eleitor de direita também coloca no balaio o chamado “capital moral”, que inclui questões como autoridade, hierarquia, pureza e santidade e a lealdade ao grupo. “O que o eleitor de direita costuma valorizar é a ideia de capital moral. Em cima do capital social, ele imagina regras que diferenciam o certo e o errado e que todos deveriam seguir. Não precisa ser nada exagerado, mas é preciso manter as regras tradicionais do que você considera natural, ao passo que o eleitor de esquerda vai questionar tudo, vai tentar subverter, vai dizer que nada é natural, que tudo foi construído”, afirma Almeida.
A constatação do estudo aponta para uma provável encruzilhada para a esquerda na tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência na disputa eleitoral de 2022: como atrair um eleitor, que a julgar pelo burburinho dos ringues nas redes sociais, é quase um desconhecido? “O simpatizante de Bolsonaro, de forma geral, não é fascista. Ele é apenas conservador”, afirma Almeida, que avalia que o presidente conseguiu representar aspectos morais que sempre tiveram importância para uma parcela importante da população, que não era capitalizada por ninguém e que foi sintetizada pelo bolsonarismo em um momento de extrema insatisfação da sociedade com o petismo.