Fragilidades das denúncias contra advogados

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Foto: Ana Paula Paiva/Valor – 6/9/2016

Alguns pontos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) na nova fase da Operação Lava-Jato, a E$quema S poderão ser questionados pelas defesas e levar a atrasos na operação, segundo advogados criminalistas. O principal deles é a competência estadual para aceitar a denúncia e conduzir o caso que está na Justiça Federal.

A Operação Sistema S surgiu com a delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente do Sesc-RJ, do Senac-Rio e da Fecomércio RJ. Segundo as investigações, escritórios de advocacia recebiam valores milionários da entidade por meio de contratos simulados e notas fiscais falsas. Para a Lava-Jato, o objetivo era tráfico de influência e obtenção de julgamentos favoráveis a Orlando Diniz nos órgãos de fiscalização e no Poder Judiciário.

Um dos pontos que pode ser questionado nessa operação é a competência da Justiça Federal para ficar com o caso. A jurisprudência para ações penais provenientes de recursos do Sistema S é que sejam julgadas pela justiça estadual, segundo o advogado e professor no IDP Ademar Borges.

No começo do ano, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou inviável a tramitação de uma ação da Confederação Nacional do Transporte (CNT) contra a jurisprudência do STF que confere à Justiça Estadual a competência para o julgamento de ações penais envolvendo recursos recebidos por entidades integrantes do Sistema S.

Para o ministro, cabe à própria Justiça Federal delimitar o alcance de sua competência e eventual divergência entre juízes deve ser resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A ação não foi acolhida por uma questão processual, mas mostra que a jurisprudência hoje é pela Justiça Estadual e que a tentativa de mudar isso no STF não foi bem-sucedida”, afirma Borges. Além disso, a súmula 516 afirma que o Sesi está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual.

A incompetência absoluta gera nulidade dos atos praticados, segundo o advogado. Assim, se for reconhecido que o juiz que decretou busca e apreensão não tinha competência para isso, por ser da Justiça Federal, o procedimento poderá ser anulado, mas as provas ainda poderão ser aproveitadas, segundo Ludmila Groch, sócia do escritório Lefosse Advogados. A discussão da competência não paralisa o processo, a menos que tenha uma decisão com efeito suspensivo, mas atrasa a operação, afirma Ludmila.

A busca e apreensão aconteceu logo após a denúncia do MPF o que parece uma violação à ampla defesa, segundo Ludmila Groch. “Primeiro você faz a busca e apreensão para buscar provas e ver se tem elementos para denunciar”, afirma Ludmila. Ainda conforme a advogada, não ficou claro se tinha um representante da OAB na busca e apreensão, o que é exigido. A alegação de violação da ampla defesa poderia anular esse procedimento, de acordo com a advogada.

A denúncia contém uma lista de clientes dos advogados e valores de honorários pagos, incluindo empresas que não são investigadas. Para alguns advogados, isso é uma possível violação de princípio fundamental, não uma nulidade de prova. “Tem que apurar se essas informações eram mesmo públicas”, afirma a advogada Ludmila Groch.

Segundo Ademar Borges, o exercício da advocacia não é uma imunidade para a prática de delitos, mas é preciso ter cuidado para não pressupor a prática de delitos com base em circunstâncias ou indícios pouco consistentes como o alto valor de honorários. “Isso [honorários elevados] é algo que eventualmente acontece e o mercado regula”, afirma.

Além da competência da Justiça Federal, a acusação de peculato também pode ser questionada, segundo Pierpaolo Cruz Bottini, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor de direito penal da USP. Essa é uma das acusações feita ao grupo, assim como tráfico de influência, estelionato, corrupção ativa e passiva, entre outros.

Segundo o advogado, o peculato é a apropriação indébita por funcionário público e, no caso, o dirigente da Fecomércio do Rio de Janeiro e os advogados não são funcionários públicos, por isso não haveria como caracterizar o crime. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que dirigente da Fecomércio RJ não se equipara a funcionário público, em caso envolvendo a unidade de Minas Gerais.

A decisão cita que para a 5ª Turma do STJ não se aplicam aos dirigentes do Sistema S previsões de crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral. No precedente, o entendimento afastou a condenação pelos crimes de peculato e corrupção passiva.

Valor Econômico