Jornal o Globo distorce pandemia na Argentina
Foto: JUAN MABROMATA / AFP
O Jornal o Globo faz ataque dissimulado ao governo de Alberto Fernandez realçando uma pequena queda de popularidade (em torno de 50%) e uma quantidade de casos de covid19 e mortes infinitamente menores que no Brasil. Confira
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Quando a pandemia chegou à América Latina, o governo argentino foi um dos mais duros na reação, implementando rapidamente uma quarentena rígida que, num primeiro momento, teve respaldo de 80% da população. Peronistas, kirchneristas e opositores aderiram à estratégia do presidente Alberto Fernández, eleito em novembro com 48% dos votos. Mas o plano não funcionou, e hoje o chefe de Estado voltou à estaca zero. Sua imagem positiva retrocedeu a níveis prévios à pandemia, oscilando entre 40% e pouco mais de 50%.
A Argentina já está entre os dez países com mais casos de Covid-19 do mundo, alcançando, até ontem, 478.792 pessoas infectadas. As mortes somam 9.859, com dias em que são registrados quase 250 óbitos, embora a taxa de mortalidade, como proporção da população, seja menor do que a da maioria dos países vizinhos. A perda do capital político acumulado nos primeiros meses da pandemia deve-se à crise sanitária, mas, também, ao colapso econômico e a uma série de medidas intervencionistas do governo que instalaram em setores da sociedade um temor ao retorno do kirchnerismo duro dos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015).
Em 17 de agosto, apesar da exigência de isolamento social, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra um projeto de reforma do Judiciário considerado uma tentativa de controle dos tribunais; a vigência de uma quarentena que poucos continuam respeitando, mas que prejudica bastante o comércio e a indústria, e a crescente intervenção do Estado na economia.
Alguns atos do presidente contribuíram para aumentar o clima de irritação social, entre eles a realização de almoços com convidados especiais na residência oficial de Olivos, depois de Fernández pedir aos jovens argentinos que evitem encontros sociais.
— Quando a pandemia acabar, tenho certeza de que todos sairemos às ruas e será um protesto dos argentinos de bem — declarou o chefe de Estado, que tem polemizado com setores de altos recursos e com sua nêmese na política argentina, o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), que acaba de retornar da Europa.
Fernández questionou a viagem do ex-presidente, a “opulência” dos que vivem na capital, enquanto seu governo estuda um novo tributo sobre fortunas acima de US$ 200 milhões. Assim, ele pretende mostrar-se próximo do povo e desviar atenção dos erros cometidos pelo governo.
— Alberto chegou a ter 60% de apoio, e hoje sua popularidade está em torno de 46%. As expectativas são negativas, espera-se que a pobreza chegue a 50% até o fim do ano — explicou Julio Burdman, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA).
Para ele, “o governo tem a favor o fato de que recebeu uma herança pesada de Macri e depois teve de enfrentar uma pandemia”. No entanto, isso não impediu que Fernández sofresse queda considerável nos últimos dois meses. Uma pesquisa da consultoria Synopsis mostrou que a imagem negativa do presidente atinge hoje 43,3%, superando os 40,6% de positiva e 15,5% de neutra.
O abandono do tom moderado que caracterizou o chefe de Estado na campanha e a promessa tácita de que o perfil mais duro de sua vice, Cristina Kirchner, não implicaria uma volta ao passado afugentaram seguidores de centro, peronistas e não peronistas.
— Com a economia em frangalhos, já não sabem como fazer um governo moderado. Partiram para intervenções em empresas, impostos para ricos, congelamento do preço de serviços de comunicação. Talvez tenhamos um governo mais parecido com os de Cristina do que pensamos — prevê Burdman.
Na visão de Hugo Haime, veterano analista político, “iniciativas como a reforma do Judiciário alimentaram a polarização. Metade do país acha que busca controlar os juízes”.
— Alberto precisa trabalhar a questão dos consensos. Hoje ele não ganhou nem perdeu. Está recomeçando. A incógnita é se, com as medidas que vem tomando, perderá mais apoio ou pode voltar a crescer — disse Haime.
O governo argentino tem pela frente uma negociação com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para reestruturar um acordo que rendeu ao país um crédito de US$ 44 bilhões. Fernández se mostra confiante, mas ainda não estão claras as condições que o organismo vai impor em matéria, por exemplo, de ajuste fiscal.
Na frente externa, o governo aposta na derrota do presidente dos EUA, Donald Trump, e em que sua saída do poder abra espaço para um reequilíbrio de forças na região. Hoje, o grande aliado do argentino é o mexicano Andrés Manuel López Obrador. Fernández já admitiu sentir-se sozinho e, apesar de uma suposta trégua em agosto, a relação com o Brasil de Jair Bolsonaro voltou a ficar tensa devido à aplicação pela Argentina de medidas protecionistas no comércio. Também voltaram os ataques pessoais, com tuítes do deputado Eduardo Bolsonaro contra o governo “socialista” argentino.
Mas a principal preocupação do chefe de Estado é a economia, que este ano pode despencar mais de 10%. Ao contrário de Cristina e seu marido e antecessor, Fernández enfrenta uma oposição relativamente forte, com presença expressiva no Parlamento. Se a perda de apoio popular não for contida, essa oposição terá espaço para recuperar terreno perdido. Nesse cenário, coincidem os analistas, a tendência do peronismo será, fiel a sua história, à radicalização.