“Salinhas cor-de-rosa” de Damares eram papo-furado

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: WILLIAN MEIRA/MMFDH

As “salas cor-de-rosa” prometidas pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, para atendimento da mulher em todas as delegacias do país a partir de janeiro ficaram apenas em seu discurso inflamado ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em novembro do ano passado, no Palácio do Planalto.

Nove meses depois da data prometida por Damares, para que todas as delegacias passassem a fazer o atendimento, nenhuma unidade do denominado Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher (Nuiam) ficou pronta.

De acordo com informações prestadas pelo ministério, o projeto “está em fase de conclusão”, e a primeira instalação ocorrerá em Rio Branco (AC). A pasta não respondeu, no entanto, quando esse primeiro núcleo será instalado e projetou a efetivação do projeto para outras delegacias somente para 2021 – a depender das demandas apresentadas pelos estados.

“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), por meio da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), trabalha para que outras unidades sejam instaladas no próximo ano, conforme as demandas dos estados interessados”.

A cerimônia no Planalto ocorreu no dia 25 de novembro de 2019, com direito a peças publicitárias estreladas pela cantoras sertanejas Simone e Simaria. Tudo foi especialmente preparado para que a ministra lançasse uma campanha da pasta, marcando o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, comemorado no dia 25 de novembro.

Damares prometeu que mesmo que fosse numa “salinha pequetitica”, em janeiro de 2020 todas as delegacias do país funcionariam como Delegacia da Mulher. Marcando bem sua intenção de descentralizar o atendimento especializado, a ministra ainda evocou a cor que considera adequada às meninas.

“A partir de janeiro, preste atenção, todas as delegacias do Brasil também serão Delegacias da Mulher. Pronto! Vamos capacitar todos os agentes de delegacias do Brasil, todos os delegados. Nem que seja uma salinha desse tamanho, nem que seja uma salinha ‘pequetitica’, todas as salinhas desses país estarão capacitadas para receber mulheres. Detalhe: eu vou pintar as salinhas de cor de rosa. Yes!”, disse, ao lado de Bolsonaro, arrancando aplausos da plateia.

No dia do lançamento, a ministra ainda surpreendeu os presentes afirmando ter recebido dois navios. Segundo ela, ambos seriam também pintados de rosa e seriam destinados à proteção das mulheres ribeirinhas, na Amazônia e na Ilha do Marajó.

Os planos de se ter os navios atendendo as mulheres no inicio do ano, no entanto, também naufragaram. De acordo com o MMFDH, “o projeto da Casa da Mulher Brasileira (CMB) itinerante está em fase de estruturação e avaliação de viabilidade técnica e econômica”, respondeu a pasta. “No entanto, estamos, paralelamente, avaliando a instalação de CMBs de pequeno porte para atender as regiões”, informou a assessoria de Damares.

Os dois navios seriam batizados como “Casa da Mulher Brasileira Itinerante”. Na época, a ministra disse que havia ganhado os navios, sem dar detalhes de quem havia doado as embarcações para sua pasta. “Temos ainda dois navios que nós ganhamos, que estavam parados, e que nós vamos pintar de cor de rosa e vão ficar na Ilha do Marajó e na Amazônia, e esses dois navios serão a Casa da Mulher Brasileira itinerante, e nós vamos proteger as mulheres ribeirinhas, mulheres que estavam esquecidas, mulheres que não tinham voz”, ressaltou a ministra.

Foi neste mesmo dia que a ministra fez uma performance, convocando uma coletiva com os jornalistas presentes, não falando uma só palavra, e encenando um breve e sentido choro – para, segundo ela, demonstrar como se sentem as mulheres que não têm voz.

Meia hora após o silêncio da entrevista, Damares postou o vídeo do que seria a entrevista em suas redes sociais.

 

Na época, ao explicar o silêncio, a ministra gravou um vídeo explicando o motivo do silêncio. “Para que vocês sintam como é difícil uma mulher ficar em silêncio. Quando eu queria falar tanto para vocês hoje, dizer para vocês dessa campanha belíssima, eu preferi o silêncio. É muito ruim tirar a voz de uma mulher. Era esse o recado que eu queria dar, e muito obrigada por terem participado voluntariamente ou involuntariamente da campanha”, explicou.

Damares tem se notabilizado como uma das ministras mais influentes junto ao presidente Jair Bolsonaro e com uma grande capacidade de articulação em uma rede que inclui igrejas, conselhos tutelares, polícia, militantes e toda a chamada ala ideológica do governo. Apesar de seu destaque midiático e seu prestígio junto aos bolsonaristas, a pasta que conduz apresenta desempenho baixo de execução dos projetos para assegurar direitos.

Dados colhidos pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) na sexta-feira (25/9) demonstram que, dos R$ 63,9 milhões destinados à construção de unidades da “Casa da Mulher Brasileira e de centros de atendimento às mulheres nas regiões de fronteira seca” do Brasil, foram executados somente R$ 11 mil, o equivalente a 0,015% da verba prevista para o programa.

Houve um empenho nesta ação, no valor de R$ 35,6 milhões (55%). No entanto, de acordo com a metodologia utilizada pelo Inesc, esse valor ainda não pode ser considerado como executado, já que pode ser cancelado pela pasta. O empenho é o compromisso assumido pelo órgão, mas não significa que as compras ou serviços já foram feitos, ou mesmo obrigatoriamente serão.

Para as políticas de igualdade e enfrentamento à violência contra as mulheres foram autorizados R$ 24,7 milhões no Orçamento deste ano. O recurso executado (pago + restos a pagar pagos), no entanto, totaliza R$ 1,5 milhão, ou seja, 6% de execução.

A pasta ainda não gastou os R$ 176,6 milhões autorizados neste ano para ações de “promoção e defesa de direitos para todos”, na qual políticas para mulheres podem também ser inseridas. Nesse caso, foram executados R$ 9,1 milhões (5%).

Houve empenho de R$ 53,6 milhões (30%), dos quais R$ 20,7 milhões para a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (Despesas Diversas), mas nada foi pago ainda.

Dos R$ 566,9 milhões autorizados para a pasta em 2020, foram executados apenas R$ 128,4 milhões. A pasta tem até o dia 31 de dezembro para executar o recurso. Neste ano, devido a pandemia do coronavírus, não houve contingenciamento de recursos que justificasse a costumeira economia feita pelos governos nos primeiros seis meses de cada ano. Além disso, houve flexibilização de contratos e licitações, bem como a suspensão de parte das restrições fiscais.

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, é urgente que o recurso seja executado com celeridade, “para garantir que cheguem às mulheres nos municípios e territórios vulneráveis”.

Metrópoles