TCU suspeita de multas aplicadas a empresas da Lava Jato
Foto: Adriano Machado/Reuters
O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga se multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foram mais baixas do que determina a legislação. Foi aberto um processo para apurar irregularidades especialmente em acordos firmados com empresas investigadas na Operação Lava Jato, como Odebrecht, OAS, Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez. Conselheiros do órgão apontam que as vantagens obtidas pelas corporações com atos ilícitos foram muito maiores do que as punições sofridas.
Em despacho ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, o ministro do TCU Augusto Sherman acolhe pedido do Ministério Público de Contas da União e determina a realização de uma diligência no Cade. Na última sexta-feira, 11, foi enviado um ofício dando 15 dias para o conselho mandar informações ao TCU.
Na representação, o procurador do Ministério Público junto à União Júlio Marcelo de Oliveira alega que, ao firmar os acordos que encerram as investigações contra as empresas, chamados de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), o Cade estaria “estipulando contribuições pecuniárias em valor aquém ao da vantagem auferida, prática que daria margem à subpunição das empresas”.
O procurador cita o julgamento de 16 TCCS relacionados à Lava Jato em novembro de 2018, quando os acordos levaram ao pagamento de um total de R$ 897,932 milhões. Ele também menciona reportagens e estudos que apontaram que as empresas pagaram, no caso, valores abaixo do esperado. No julgamento, foi definido que a Odebrecht pagaria R$ 578,1 milhões, em seis processos diferentes. A construtora OAS propôs o pagamento de R$ 175,1 milhões, a Andrade Gutierrez, R$ 75 milhões, e a Carioca Engenharia, de R$ 68,9 milhões.
Como mostrou reportagem do Broadcast/Estadão da época, dois conselheiros do Cade criticaram o valor das multas. O então conselheiro João Paulo Rezende afirmou que as quatro construtoras ganharam R$ 25 bilhões com as obras superfaturadas e que o valor pago deveria ter sido pelo menos três vezes maior. A então conselheira Cristiane Alkmin, hoje secretária de Fazenda de Goiás, disse na ocasião que as multas deveriam ser de cerca de R$ 4 bilhões para ter efeito dissuasório.
O Cade é uma autarquia, vinculada ao Ministério da Justiça, responsável por coibir a formação de cartéis e estimular a concorrência entre empresas. As punições aplicadas pelo conselho têm caráter administrativo. Os crimes cometidos pelas empresas são investigados pelo Ministério Público Federal, que também define multas a serem pagas em caso de condenação.
A lei da concorrência prevê que a multa aplicada pelo Cade seja de até 20% do faturamento da empresa e que nunca pode ser “inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação”. Essa discussão de como calcular a vantagem que a empresa levou com a formação de um ilícito como um cartel, por exemplo, é travada entre integrantes do próprio conselho há anos e ocorreu também durante o julgamento dos processos da Lava Jato citados pelo procurador. A maioria do conselho, no entanto, votou pelo pagamento de valores calculados apenas sobre o faturamento das empresas.
Na representação, o Ministério Público de Contas afirma ainda que o Cade “recorre extensivamente ao uso de TCCs para concluir suas investigações”. Nenhum caso relacionado à Lava Jato, que teve início em 2014, foi a julgamento até hoje no conselho. Todos os encerrados até agora foram por acordo de leniência (quando a empresa colabora com as investigações, muitas vezes em troca de perdão total do conselho) e TCCs.
“Há desvantagens para o uso extensivo de TCCs. Existe o potencial de se ter um efeito negativo à prevenção, uma vez que os descontos fornecidos são generosos e as empresas sabem que podem celebrar acordos até o momento anterior à decisão do tribunal”, completa o procurador.
Procurado, o Cade disse que a representação do procurador é “falha tecnicamente, baseada em jurisprudência vencida, e denota pouco conhecimento da legislação concorrencial”. O órgão afirmou que apresentará todas as informações solicitadas pelo TCU e “tem a convicção que o tribunal tomará a decisão mais correta”.
O Cade acrescentou que a metodologia para a definição de multas pelo conselho é “baseada em jurisprudência do órgão” e que, nos últimos cinco anos, aplicou um total de R$ 1,7 bilhão em multas e R$ 3,6 bilhões em contribuições pecuniárias, pagas em acordos. “No âmbito da Operação Lava Jato, o Cade homologou acordos que totalizam R$ 1,205 bilhão.”
O TCU informou que o processo que apura “possíveis irregularidades na atuação do Cade” está em andamento no tribunal e não possui deliberações sobre o assunto.