Terraplanistas se perdem no Mediterrâneo buscando “borda do mundo”

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Foto: Christian Marquardt / NurPhoto via Getty Images

Salvatore Zichichi é o médico responsável pelo departamento sanitário marítimo do Ministério italiano da Saúde. Em plena pandemia, o profissional teve seu nome reproduzido em publicações por todo o mundo. A razão desta visibilidade, no entanto, não tem a ver diretamente com a propagação da Covid-19 naquele país.

Zichichi acabou sendo destacado para acompanhar o estado de saúde de um casal que negava o fato de a Terra ser redonda e acabou à deriva em alto-mar na tentativa de chegar à borda do planeta pelo Mediterrâneo.

O resgate do casal terraplanista pela guarda costeira italiana ocorreu em abril. Mas a história foi revelada só no início deste mês de setembro em uma reportagem do jornal italiano La Stampa.

Em entrevista a ÉPOCA, Zichichi afirmou que, após ser socorrido em alto-mar, o casal tentou fugir por duas vezes da quarentena de 14 dias imposta pelas autoridades italianas, em um momento crítico da propagação da Covid-19 no país. “Além de achar que a Terra era plana, o casal também acreditava que o coronavírus era uma mentira criada por um complô internacional”.

Não se sabe ao certo quanto tempo os venezianos ficaram perdidos em alto-mar. Resgatados, sem água e comida na embarcação, foram levados para a costa de Palermo, capital da região da Sicília para cumprir o isolamento.

“Na primeira vez, nossos navegadores de primeira viagem fugiram em um barquinho e foram novamente resgatados em alto-mar”, conta o médico italiano. Dias depois, veio a segunda tentativa. “Eles escaparam e acamparam no quintal de uma casa da região, mas acabaram novamente localizados.”

Ele, com seus quarenta e poucos anos, nasceu em Veneza. Ela, de 35 anos, era de Motta di Livenza, província de Treviso.

A aventura do casal começou em Vêneto, no norte do país, de onde eles seguem de carro para a Sicília, no extremo sul da Itália, região que já ano passado, recebeu dezenas de terraplanistas para um encontro nacional.

Para os integrantes do grupo Flat Earthers o mundo acaba nos pólos Norte e Sul. Já para os terraplanistas italianos, a ilha de Lampedusa, no Mediterrâneo (situada entre a Sicília e a Tunísia), delimita o fim do planeta.

No trajeto rumo à borda da Terra, eles seguiram por um percurso de 1.500 km, mais de quatorze horas de viagem por rodovias italianas. A primeira parada na Sicília ocorreu em Termini Imerese, perto de Palermo, onde decidiram vender o carro e comprar um barco.

“O destino final era Lampedusa, onde provariam que a Terra era plana. Mas o plano de navegação não saiu como esperado”, lembra Zichichi.

A viagem não poderia dar certo mesmo. Além do barco precário adquirido, a dupla de não tinha habilitação náutica e ainda confiou em uma bússola que funciona de acordo com o magnetismo da Terra, um conceito que eles, pela crença na Terra plana, deveriam rejeitar.

“Imerese fica ao norte. Lampedusa ao sul. Eles teriam de contornar parte da ilha. Acabaram seguindo em frente e por sorte foram resgatados pela Guarda Costeira perto da ilha de Ústica, no mar Tirreno, 60 km a noroeste de Palermo”, conta o médico, que foi chamado então para atender ao casal. “Quando me ligaram, pensei fosse uma brincadeira. Mas não era. Como sou responsável pelo departamento sanitário e estávamos enfrentando um surto de coronavírus, fui acionado”.

Em maio, quando a pandemia parecia ter dado uma trégua no país, o casal foi liberado e regressou à Veneza, deixando para trás a embarcação apreendida e uma denunciada por navegar sem habilitação. “Ainda hoje, sinto como se tivesse participado a uma cena de uma comédia cinematográfica. Foram dias surreais. E há terraplanistas, que depois da matéria no La Stampa, me ligam e tentam me convencer de que a terra é plana”, diz Zichichi.

Época