Além de Boulos, MTST lança várias candidaturas em SP
A candidatura a prefeito de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo é apenas a parte mais visível de uma estratégia mais ambiciosa do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
A organização, conhecida por ocupar terrenos e fazer protestos com o bloqueio de vias públicas, definiu que a atual eleição municipal marca sua entrada para valer na política, após 23 anos de história.
A candidatura de Boulos à Presidência em 2018, deflagrada de forma um tanto apressada, é vista como uma espécie de ensaio geral dessa articulação. Em 2020, o movimento se planejou melhor e espera obter os primeiros ganhos eleitorais na Grande São Paulo.
“Para avançar na luta pelos direitos do povo mais pobre é importante ocupar não apenas terrenos vazios e improdutivos, mas também a política institucional”, disse o movimento, ao lançar uma ação que batizou de “Ocupar a Política”, no último dia 7 de outubro.
Além de Boulos, a entidade lançou integrantes de sua cúpula para disputas a vereador em São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e Guarulhos. Todos foram aprovados por núcleos e acampamentos e se apresentam como candidatos do MTST, em alguns casos mais até que dos partidos que os abrigam, PSOL e PT.
“É um passo necessário. Fazemos pressão sobre os governos, mas temos consciência de que no final é a caneta do governante que vai decidir o nosso futuro. A gente enxergou que também tem que ter essa caneta”, diz Dalecio Feliciano, 37, que concorre a vereador pelo PT em São Bernardo, sua primeira disputa eleitoral.
Metalúrgico, Dalecio se aproximou em 2017 da Ocupação Povo Sem Medo, a maior já feita pelo movimento, que chegou a reunir 8.000 famílias na cidade do ABC. Em 2018, o acampamento foi desfeito com a promessa de construção de conjuntos habitacionais em quatro terrenos.
Integrante da coordenação estadual, ele diz que o movimento manterá suas estratégias de ação independentemente de abraçar a via política. “Uma coisa não vai interromper a outra. O MTST vai continuar sendo MTST”, diz.
Segundo Dalecio, caso eleito vereador, permanecerá leal aos ideais do movimento. “Se eu for para um caminho diferente que o do movimento, pode apostar que vai ter 3.000 pessoas na porta do meu gabinete no dia seguinte. É a elas que a gente serve”, diz.
Em Santo André, a bandeira do movimento é empunhada por Andreia Barbosa, 37, candidata a vereadora pelo PSOL e também estreante nas urnas.
A ex-auxiliar de limpeza e ex-vigilante juntou-se à Ocupação Copa do Povo em 2014, criada na zona leste da capital para protestar contra os gastos exorbitantes na organização do Mundial de futebol. Em três anos, já havia sido promovida à coordenação estadual do MTST responsável pela estratégica região do ABC.
“Minha candidatura foi uma decisão coletiva do movimento. Eu estava sempre na linha de frente”, afirma.
Além da moradia, ela apresenta a defesa das mulheres como bandeira. “A gente tem que fazer pressão dentro da Câmara e nas ruas. As duas coisas têm de convergir”.
Em Santo André, dois conjuntos habitacionais, parte do programa Minha Casa Minha Vida, foram destinados a famílias que estavam em acampamentos do MTST: o Novo Pinheiro e o Santo Dias. Juntos, somam 910 unidades.
A candidata diz que espera ter votação expressiva nesses locais, apregoados pelo movimento como resultado concreto de suas ações.
“Ninguém tem a obrigatoriedade de votar em candidatos do movimento, mas claro que a gente conta com o apoio das pessoas que participam da luta”, diz ela, que se diz otimista sobre suas chances eleitorais. “Mesmo que a gente não ganhe, fortalece o movimento”, afirma.
Também têm o selo do MTST as candidaturas a vereador de Zelídio Barbosa (PT), em Guarulhos, e uma chapa coletiva de três mulheres da Ocupação Vila Nova Palestina, na zona sul de São Paulo, batizada de Juntas (PSOL).
O movimento anunciou que distribuiria uma cartilha de princípios e deveres para os candidatos, embora os consultados pela Folha tenham dito que ainda não receberam nada do tipo.
Em muitas situações, o movimento e a candidatura se confundem. A campanha de Boulos, por exemplo, é coordenada por Josué Rocha, 31, que também é membro da coordenação nacional do MTST.
O próprio candidato também segue na coordenação da organização, embora esteja afastado durante a campanha.
Caso se eleja prefeito, a expectativa é que ele se desligue formalmente da entidade, na qual milita há 20 anos, embora ninguém duvide que seguirá bastante próximo dela.
“A gente tem muita confiança de que uma prefeitura do Boulos vai avançar na construção de moradias e que haverá uma disposição de diálogo com o conjunto dos movimentos sociais”, afirma Rocha.
Uma questão em aberto é como o MTST agiria tendo um aliado na prefeitura —se manteria bloqueios de avenidas e estradas na capital, que, embora tenham diminuído com relação ao pico de 2016 e 2017, não acabaram.
“O MTST como movimento social continuará existindo, em qualquer conjuntura. A demanda por moradia é permanente do povo brasileiro”, diz.
Mesmo os bloqueios, que costumam provocar enormes congestionamentos, não são uma estratégia de que o movimento pretende abrir mão.
“As pessoas em manifestações têm poucas formas de chamar a atenção do poder público”, diz Rocha.
Em um texto que detalha suas linhas de ação, em seu site oficial, o MTST é explícito na importância que dá a essas ações.
“Ao bloquearmos uma via importante estamos gerando um imenso prejuízo aos capitalistas”, diz o documento. “Agora, imaginem todas as principais vias da cidade paradas! E paradas não por horas, mas por dias!”.
Fundado em 1997, o MTST diz ter cerca de 50 mil integrantes espalhados pelo Brasil, dos quais 10 mil na cidade de São Paulo.
A maioria segue esperando habitação, embora haja núcleos também em conjuntos populares.
Ao longo de grande parte de sua história, o movimento foi ofuscado, e muitas vezes confundido, com o quase homônimo MST, representante dos sem-terra. Sua maior projeção ocorreu apenas nesta década, e muito em razão da figura do próprio Boulos.
O MTST também expandiu seu escopo de atuação. Hoje, não se define apenas como um movimento de moradia, mas um grupo de pressão anticapitalista.
“Ficaremos satisfeitos se, daqui a 10 ou 20 anos, olharmos para trás e virmos apenas um monte de conjuntos habitacionais? De nada adianta conseguirmos moradias se a vida continuar do mesmo jeito, com o capitalismo impondo suas regras”, afirma o site do movimento, ao descrever seus objetivos estratégicos.
Até agora, o MTST buscou esses objetivos sem ter de dar expediente em cargos públicos. Em breve, poderá ter de se adaptar a uma nova fase, a de vidraça.
Folha de SP