Bolsonaro afronta Celso de Mello com nomeação prematura

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Foto: Marcos Corrêa/PR

Ao anunciar o desembargador Kassio Nunes Marques como seu escolhido para o Supremo Tribunal Federal (STF) antes mesmo que o ministro Celso de Mello efetivamente se aposente, o presidente Jair Bolsonaro quebrou uma tradição que vinha sendo respeitada pelo menos desde 1989.

Todos os ministros da composição atual da Corte só foram indicados pelos presidentes da República após a saída de seus respectivos antecessores. Diante do arsenal de liturgias e formalidades que fazem parte da rotina de um tribunal constitucional, a iniciativa de Bolsonaro não pegou bem para a maioria deles.

Fontes do STF, ligadas a diferentes ministros, relataram ao Valor haver no ar uma sensação de constrangimento, já que o decano ainda deve participar das sessões de julgamento na semana que vem, após mais de 30 anos ajudando a construir a jurisprudência do tribunal.

Uma delas, lembrando que Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga Bolsonaro por interferência na autonomia da Polícia Federal (PF), chegou a dizer que o presidente parece ter agido estrategicamente, como forma de “reduzir o brilho” da saída do decano.

“Não custava anunciar o novo daqui a 15 dias”, disse essa fonte. Outros ministros, em conversas com assessores e colegas, demonstraram incômodo com o fato de não terem sido ouvidos ou consultados por Bolsonaro sobre seus nomes preferidos para o cargo.

Entre eles, o próprio presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que disse a interlocutores ter ficado desapontado com a falta de prestígio em um momento histórico do tribunal. A esses auxiliares, ele afirmou desconhecer o currículo do desembargador, apesar de considerá-lo uma “boa pessoa”.

Até semana passada, Marques era cotado para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas Bolsonaro decidiu pular etapas e indicá-lo diretamente ao STF. Comunicou inicialmente os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, na terça-feira, durante jantar na casa do primeiro, mas não contatou os demais.

Para esses, foi uma “surpresa geral”, como definiu o ministro Marco Aurélio Mello. “Não o conheço como colega, nem o seu trabalho, nem em termos de desempenho. Me disseram que estive com ele uma vez, em um aniversário, e que conversamos, mas eu não me recordo”, disse ao Valor.

Os dois devem conversar amanhã por telefone – o desembargador combinou de telefonar ao futuro decano para se apresentar, aos moldes do que fez nesta quinta-feira com o ministro Ricardo Lewandowski, com quem travou um diálogo protocolar.

Apesar da impressão geral ter sido de estranheza, há uma ala no Supremo que relativiza a precipitação do presidente – adiar a indicação poderia atrasar a análise pelo Senado, a quem cabe sabatinar e aprovar o escolhido, diante da proximidade das eleições municipais.

Valor Econômico