Bolsonaro é cobrado por indicado “terrivelmente evangélico”

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Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Líderes evangélicos influentes no Congresso e no governo receberam com desconfiança a possibilidade de o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ser o primeiro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Favorito para suceder ao ministro Celso de Mello, que se aposenta no próximo dia 13, Marques é um “desconhecido” das lideranças cristãs com trânsito e apoio ao bolsonarismo. Apesar de terem sido preteridos, a maioria mostra resignação e indica que vai trabalhar para emplacar um nome alinhado ao segmento na segunda vaga, a ser aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, em julho do ano que vem.

Considerado azarão por estar fora das listas de mais cotados, o piauiense Kassio Marques fez carreira como advogado em Teresina e chegou ao TRF-1 indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Ele desbancou nomes que tiveram mais adesão entre apoiadores conservadores e cristãos de Bolsonaro, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, o juiz federal da 4.ª Vara de Niterói, William Douglas, e o juiz federal da 7.ª Vara Criminal do Rio, Marcelo Bretas. Os três são evangélicos.

O presidente afirmou publicamente, reiteradas vezes, que indicaria um nome “terrivelmente evangélico” e conservador para o Supremo. Chegou a prometer que seria na primeira vaga, segundo deputados, mas depois avisou nos bastidores que mudou de ideia e que pretendia usar a sucessão de Celso de Mello para garantir um nome de sua confiança. O nome escolhido, porém, surpreendeu aliados.

“Bolsonaro já tinha dito para mim que a primeira vaga não teria nada a ver com evangélico. A outra vaga é que será de um terrivelmente evangélico. Eu não conheço o desembargador, não sei quem é. Fazer juízo de valor de quem não se conhece é meio chato. E Bolsonaro só me disse que estava vendo alguém do mundo jurídico, foi a única coisa que ele tinha me dito”, disse ao Estadão o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. “Se na outra vaga ele não escolher um cara terrivelmente evangélico, aí sim vai gerar frustração e indignação no mundo evangélico. Para agora não.”

Na prática, o presidente agradou a políticos do Centrão, e o núcleo ideológico seguidor do escritor Olavo de Carvalho já faz campanha contra o desembargador Kassio Marques. Reservadamente, um líder religioso relatou que a escolha foi péssima e caiu como um “tiro de canhão” na base bolsonarista. Desde o ano passado, um dos caciques do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do Progressistas, defendia seu conterrâneo e o tratava como “nosso Kassio”. Ciro é réu na Operação Lava Jato.

O presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), o advogado Uziel Santana, criticou a escolha pela falta de valores alinhados ao segmento, apesar do preparo técnico jurídico do desembargador. A entidade, representante das igrejas protestantes históricas, segue em apoio formal ao ministro André Mendonça, pastor presbiteriano.

“Não cremos, neste momento, ser a melhor opção porque não se enquadra no perfil de um magistrado conservador, com histórico de afirmação de valores pró-vida e pró-família. Do mesmo modo, o firme combate a corrupção não parece ser um valor presente no histórico de atuação dele”, disse Santana. “Seguimos acreditando que o presidente deve cumprir a promessa feita a sua base e nomear um magistrado conservador, evangélico, que seja equilibrado.”

Um dos mais próximos aliados do presidente, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) procurou contemporizar a indicação e debelar desconfianças. “Confio no ‘feeling’ do presidente Bolsonaro. Ele sabe o que faz”, disse Feliciano, que é pastor da Catedral do Avivamento.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), ligado a Malafaia, disse que o desembargador Kassio Marques não atende ao anseio da bancada evangélica. Pondera, no entanto, que o presidente “certamente” usará a segunda vaga para contemplar os evangélicos. “Essa primeira vaga o presidente já tinha sinalizado que seria alguém ligado a ele. A segunda com certeza será um evangélico”, afirmou Sóstenes, para quem a relação não deve ser abalada no Congresso. “Nenhum abalo. Só desconhecemos quem (Kassio Marques) é.”

Para Cezinha de Madureira (PSD-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, a bancada não deve interferir na escolha. Ele disse que, independentemente de terem perdido a primeira indicação, os deputados seguem fiéis ao governo. “O presidente tem o meu apoio e da bancada que lidero. Com relação ao STF, nós temos mais uma vaga, e eu tenho certeza que o presidente manterá a palavra dele”, disse o deputado e pastor da Assembleia de Deus Ministério Madureira, conhecida em São Paulo como AD-Brás.

Estadão