Crivella e Paes usam perfis falsos e vídeos apócrifos
Foto: Editoria de arte
Vídeos apócrifos com ataques a candidatos à Prefeitura do Rio foram enviados por perfis nas redes sociais de apoiadores dos três principais adversários desta eleição. Eles saíram de grupos de Facebook que defendem a candidatura de Eduardo Paes (DEM), de contas pessoais de servidores públicos lotados na administração do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e de um funcionário do gabinete da deputada estadual Martha Rocha (PDT).
Os vídeos obtidos pelo GLOBO, que não têm identificação de autoria, trazem críticas e ofensas relacionadas a episódios da vida pública de candidatos. Para especialistas, a conduta pode infringir a legislação eleitoral e gera preocupação a respeito do controle de notícias falsas veiculadas nas redes, questão que já veio à tona na eleição de 2018.
A divulgação de um vídeo apócrifo contra Martha Rocha, na segunda-feira, ocorreu em pelo menos dois dos 25 grupos divulgados no site oficial do candidato do DEM — dois perfis falsos participaram da disseminação. Nas imagens, dados da gestão da pedetista como chefe da Polícia Civil do Rio foram citados junto à afirmação de que, naquela época, “o Rio nunca viu tantos crimes sem solução”. Procurada pelo GLOBO, a campanha de Paes disse que afastou os responsáveis pelos compartilhamentos, feitos por contas identificadas com os nomes “Sérgio Lima” e “Carla Silveira”, cujos perfis começaram a fazer publicações na mesma data, 18 de setembro, quatro dias antes de os 25 grupos da campanha serem criados.
“Sérgio”, que gerenciava todos os grupos até anteontem, chegou a se identificar com uma foto que, na verdade, pertence a um professor universitário residente em Ferrara, na Itália. “Carla”, que também dificultou o próprio reconhecimento através de imagens, fez três publicações no Facebook afirmando fazer parte da equipe do candidato do DEM. A dupla, no entanto, não existe na vida real.
Segundo a campanha de Paes, as contas de “Sérgio” e “Carla” foram criadas “à revelia da coordenação de campanha”, com o objetivo de resguardar a identidade dos usuários originais diante de eventuais ataques de ódio de candidaturas adversárias. A nota afirma ainda que os ataques a concorrentes não são autorizados.
Na semana passada, a campanha de Martha Rocha obteve liminar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) determinando que fosse apagado um vídeo apócrifo compartilhado por quatro páginas de apoio a Paes no Facebook e no Instagram. Dois dias depois, a defesa do ex-prefeito ingressou com uma ação contra a deputada e seu chefe de gabinete na Alerj, Guilherme de Jesus Nanni. A defesa de Paes alega que, a serviço da campanha de Martha, Nanni compartilhou com contatos no WhatsApp uma série de mensagens em imagem e vídeo com ataques ao candidato do DEM. O pedido é para que ele seja impedido de fazer novos envios do tipo.
A campanha de Martha informou que Nanni contribui de forma voluntária em suas horas de folga e nega que tenha realizado disparos em massa de mensagens contra Paes. A candidata do PDT disse ainda que “causa estranheza” a ação de Paes ter sido apresentada após a decisão recente em favor de Martha.
No caso de Crivella, ao menos quatro funcionários da prefeitura do Rio coordenam grupos de Facebook, com até 13 mil membros, destinados a promover a candidatura do prefeito e a atacar oponentes. Eles não se identificam publicamente como funcionários no grupo nem em seus perfis. O grupo “Apoiadores e guardiões do Crivella” tem entre seus administradores Eduardo Gil dos Santos Duarte, lotado em cargo especial na prefeitura do Rio, com salário de R$ 7,8 mil. Em setembro, ele foi flagrado pela TV Globo como um dos funcionários da prefeitura que abordavam jornalistas e pacientes na porta de hospitais.
Nos grupos, os funcionários convocam mutirões virtuais, inclusive em páginas de adversários, e também divulgam vídeos apócrifos contra outros candidatos. No último dia 8, por exemplo, Jaym Eduardo Mello, comissionado na Secretaria de Assistência Social, compartilhou uma versão adulterada da propaganda eleitoral de Eduardo Paes substituindo o número do candidato por 171, e com o slogan: “É mais que corrupção, é amor ao dinheiro”. O vídeo, publicado no grupo “Prefeito Marcelo Crivella”, foi compartilhado no dia seguinte no “Apoiadores e Guardiões de Crivella”, por Tatiane Gonçalves Terto Barbosa, funcionária da Secretaria de Educação.
Em nota, o município disse que “nenhuma das pessoas citadas é administradora de perfis oficiais da prefeitura”, e que “é garantido aos cidadãos o livre direito de manifestação”. A campanha do prefeito disse que os funcionários “não fazem parte da equipe responsável pelos perfis de Crivella”.
A pesquisadora Luiza Bandeira, do Digital Forensic Reaserch Lab (DRFLab, órgão da Atlantic Council), que auxiliou na identificação da rede coordenada de grupos e das contas falsas, destacou a falta de clareza na descrição dos grupos no Facebook, de sua ligação com a campanha, explicitada apenas no site oficial de Paes. Segundo ela, a existência de grupos criados em série não viola os termos de uso da rede social, mas o uso de contas com informações falsas, sim:
— As candidaturas podem achar que sairão perdendo se não adotarem essas condutas, mas há um risco de que as artimanhas sejam descobertas.
Integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Andréa Ribeiro Gouvêa explica, sem se referir a casos concretos, que as campanhas podem ser multadas em até R$ 30 mil por propaganda irregular nas redes, ainda que a divulgação não seja feita pelo próprio candidato:
— Propaganda anônima é vedada pela legislação. O candidato teria que arcar com a responsabilidade. Se a campanha faz alusão ao grupo de apoiadores (que produz ataques ou fake news), não há como dizer que não sabe.