Bolsonaro não fala sobre aumento de mortes

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Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo (05/04/2019)

A 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta um crescimento de 7,1% das mortes violentas intencionais em 2020 no Brasil. O aumento foi registrado mesmo num período em que todo o país reduziu a circulação de pessoas nas ruas e seguiu regras de quarentena em função da pandemia de coronavírus.

Dados que serão divulgados nesta segunda mostram que houve 25.712 mortes no primeiro semestre de 2020 contra 24.012 no mesmo período de 2019.

Estão incluídos na categoria de mortes violentas intencionais os crimes de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e mortes decorrentes de intervenção policial (auto de resistência).

Para especialista, os números frustram as expectativas não apenas por conta de haver menos gente circulando as ruas, mas porque o índice vinha baixando nos últimos anos: em 2019, as mortes violentas intencionais tiveram uma redução de 17,7% em relação a 2018: caindo de 57.574 casos para 47.773.

— Esse aumento é a maior tradução de que o Brasil perdeu uma enorme oportunidade de continuar com o movimento de queda nos homicídios. Não fizemos a lição de casa, de estudar o que teria motivado a queda e colocar ações em prática — avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para o especialista, o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), projeto unificado de compartilhamento de dados da segurança, poderia ter ajudado a evitar a escalada nos números da violência. Aprovado em junho de 2018, ele ainda não entrou em vigor efetivamente, diz Lima, por questões “políticas e ideológicas”.

— Tem uma nova dinâmica do crime organizado (por causa da pandemia), o que gera conflito entre as facções e, além disso, as políticas públicas ficam patinando. Não surpreende esse crescimento em 2020, infelizmente. Ficamos muito no discurso.

O estado que registrou maior alta no período analisado foi o Ceará, com um aumento de 96,6% dos casos (veja ao lado o ranking dos estados que ficaram acima da média nacional).

O Rio de Janeiro foi na direção contrária, anotando uma redução de 10,9% dos casos. O recorte de 2019 aponta que o perfil da maioria das vítimas é homem entre 20 e 24 e com ensino fundamental incompleto. Em segundo lugar, estão os jovens de 25 a 29 anos.

As mortes decorrentes de intervenção policial aumentaram 6%, levando-se em conta a mesma base de comparação semestral: saíram de 3.002 registros (2019) para 3.181 (2020).

— A letalidade policial é um dos maiores problemas do Brasil. Muitos acham essa informação positiva, mas revela a completa falência da ação pública frente ao crime. Os dados da violência crescem, e o padrão de enfrentamento é sempre o mesmo, colocando o policial na ponta, tendo que decidir entre a vida e a morte diante do confronto. É um padrão que estimula a busca pelo inimigo — critica Lima.

Recentemente, um caso de violência policial na Zona Leste de São Paulo repercutiu em todo o país. Um PM foi preso após atirar nas costas de um motociclista de 23 anos bem em frente a um batalhão da corporação. A vítima, que segundo a Secretaria de Segurança Pública havia roubado a moto horas antes, morreu logo depois de dar entrada num hospital.

Diferentemente dos registros de homicídio doloso, que entre 2018 e 2019 apresentaram recuo de 19,5%, os casos de violência policial seguem crescendo: no mesmo período, o número de pessoas mortas pela polícia aumentou 2,9%. Em 2019, a cada cem mortes violentas no país, 13 foram cometidas por policiais.

Registros de armas sobem 120%
Outro dado do 14º Anuário de Segurança Pública que chama a atenção é o aumento do número de registros de armas de fogo no país. Até 2019 haviam 225.276 equipamentos catalogados no Exército na categoria chamada CAC (Caçadores, Atiradores e Colecionadores); em agosto deste ano já eram 496.172: uma diferença de 120%.

— É resultado dos inúmeros decretos do governo Bolsonaro de facilitação do porte de armas e munição. O governo fez uma opção política. Enquanto flexibiliza e não consegue mudar o estatuto do desarmamento, uma das opções é deixar que as pessoas sejam colecionadoras — avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No entanto, ressalta o especialista, quanto mais armas nas ruas, maior o saldo da violência:

— Não é uma causalidade, é uma correlação. Se eu tenho mais disponibilidade de armas, no médio e longo prazo, os casos de violência que acabavam em agressão vão ter chances de acabar em morte.

O anuário afirma ainda que os dados oficiais disponíveis não permitem saber exatamente quantas pessoas têm legalmente armas de fogo no Brasil.

Diz ainda que a “instabilidade jurídica promovida pelo sem-fim de decretos e alterações de portarias publicadas pelo governo federal a partir de janeiro de 2019” impede hoje comparações. No caso dos registros feitos pelo Exército, só foi possível comparar os da categoria CAC.

No sistema da Polícia Federal, só foi possível fazer comparação do número total de registros ativos de armas de fogo: em 2017 haviam 637.972 anotações contra 1.056.670 em 2019 — um aumento de 65,6%.

O Globo