Filha de Roberto Jefferson denuncia sistema carcerário

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Foto: Reprodução

Em casa após 33 dias na prisão, Cristiane Brasil interrompe a entrevista e consulta com atenção um pedaço de papel, rindo. É o que chama de “dicionário de cadeiês”.

Acusada pelo MP fluminense de receber propinas, a ex-deputada federal que estava prestes a concorrer à Prefeitura carioca avalia abandonar a política. Diz que está pobre e planeja trabalhar em prol das presas.

“Fiquei perplexa com o entendimento do Judiciário de que prender todo mundo é bom. Vai preso à toa, sim”.

Em entrevista à coluna, a filha de Roberto Jefferson conta do esgoto na cela, das aulas de academia que improvisou, do ambiente triste e do que aprendeu com os sete pecados capitais ao estudar a Bíblia.

Leia os principais trechos:

Como foi o período na prisão, decretada dias antes de a senhora se oficializar como candidata ou vice à Prefeitura do Rio?

É terror e pânico. Na cela em que fiquei confinada 14 dias, caía esgoto da galeria de cima. O prédio está caindo aos pedaços, cheio de barata, rato e cupim. Eu fiquei num confinamento dentro do confinamento. As presas novas têm de passar esse tempo separadas por causa da Covid. A alimentação é ruim. Eu sou vegetariana. Só vinha uma carne, arroz, feijão e farofa. Então eu comia arroz e feijão todo dia, além de pão. Não tem café. É uma mistura de cevada com um pouco de pó de café com sei lá o quê, vem melado… Não tem como as pessoas ficarem com saúde ali, entendeu? É bizarro. Às vezes vinha pedra de sal no arroz e feijão. Você pensa: ‘Meu Deus, querem matar os presos’. Mas dentro do possível a administração fazia o melhor.

Qual foi o pior momento?

Um dia horrível foi o aniversário do meu filho. Ele não pôde me visitar porque sua carteira de visitante não ficou pronta. Sofri muito, chorei, fiquei triste. Para piorar, nos cinco dias anteriores nenhum advogado entrou no presídio. Então não pude mandar um recado de parabéns. Todo o sistema carcerário é pior para a mulher, é feito para que ela tenha dificuldade em ver a família. Em Bangu 8, onde fica o Sergio Cabral, é outro esquema. Tem tudo: lavanderia, cantina. Na verdade, deveríamos ficar lá também.

A senhora passou a ter uma visão menos punitivista?

Sim. Fiquei perplexa com o entendimento do Judiciário de que prender todo mundo é bom, de que precisa prender em massa. Fizeram um espetáculo no meu prédio em Copacabana. Sorte que eu tinha dormido na casa de uma pessoa naquela noite. A sociedade incrimina, bota o dedo na cara, na ferida, diz: ‘Se ela foi acusada, tem alguma coisa a ver com isso, ninguém vai preso à toa’. Vai, vai preso à toa, sim. E isso é irreparável. Juízes se transformam em justiceiros. Num dia você está livre, no outro está presa por uma canetada, baseada em uma delação, sem provas. Você vai ficando presa, especialmente se for mulher.

A senhora também faz uma crítica à Lava Jato?

Exato. A Lava Jato começou muito bem, mas estamos vivendo um novo período de inquisidores. E aí vidas inocentes se perdem, famílias inteiras são dilaceradas.

O MP fluminense afirma que a senhora recebeu propina de três formas: em dinheiro, em contas bancárias de outras pessoas, e com pagamentos de despesas pessoais. A senhora recebeu propina?

É incrível. O MP tem de arrumar provas disso. Sou inocente. As provas no inquérito são a palavra de um delator contra mim. E o MP usou essas palavras para me chamar de política corrupta, mafiosa, quadrilheira, calculista. Só que de prova material eles têm um e-mail que uma pessoa enviou por engano e depósitos numa conta de uma pessoa que eu não conheço. Não conheço, nunca teve relação comigo. Como essa pessoa pode ter recebido por mim? E onde estão as minhas contas pagas? Nunca tive nenhuma. Eu queria tanto, pô. Inclusive, no momento estou precisando muito de alguém que pague as minhas contas. O MP inicialmente pediu que eu não pudesse ocupar cargo público algum. Eu dediquei os últimos 20 anos da minha vida à atividade pública. É por isso que as pessoas não querem mais ser políticas ou ocuparem cargos no Executivo. Ganha-se mal, qualquer assinatura que você der em processo pode te sentenciar.

Desistiu da carreira política?

Estou reavaliando minha vida como um todo. Tenho quatro gerações de políticos na minha família. Meus bisavós fundaram o PTB. Mas eu me questiono hoje se a política me quer nela, ou pode ter minha dedicação daqui para frente. O preço de vida que se paga é muito alto. Minha filha ficou aqui em casa sozinha, ela é minha dependente financeira e estava com uma parcela atrasada da faculdade. Eu tinha tirado dinheiro para colocar no impulsionamento das minhas redes sociais para ser candidata. Eu não tenho mais carro, tenho dívida no banco, de cartão de crédito. Saindo hoje da política, terei tido mais prejuízo do que vantagem. Sou pobre. Os advogados que advogam para mim trabalham de graça. Não tenho fortuna.

Quais são seus planos?

Vou me dedicar a estudar. De repente fazer alguns cursos, ou até voltar a advogar, entendeu? Me aprimorar em direito penal. Quem sabe eu não abra um projeto social para ajudar os familiares dos presos, principalmente das presas? Para que as famílias saibam o que fazer quando têm um familiar preso. A quem recorrer? Como são as regras do presídio tal? Como levar alimentos e bens duráveis? É infernal.

A realidade do sistema carcerário lhe surpreendeu?

As pessoas não têm ideia do universo paralelo que é o confinamento humano, o quanto isso é degradante. Não sabem o quanto eu me senti mal, abandonada. É tão difícil para a família entrar na prisão… Você sente que seu CPF foi desligado temporariamente. Você vira uma sombra que não existe. Morre em vida. E a estrutura do presídio é feia, é inóspita. Te dá tristeza. É tudo cinza, branco, preto, com cimento. Não existe ressocializar ninguém ali. Um dia eu caí no chão ao subir para a cama de cima. Fez até barulho. Sorte que sou faixa preta de caratê. A parede estava forrada de cupim. Enchi tanto o saco que colocaram remédio. Foi um absurdo de barata morta no dia seguinte. Tiravam pás de baratas. Minha galeria era para pessoas com diploma. Era o inferno. As sem diploma ficavam no inferno do inferno. Ou falta água ou vaza água. Eu tirava água do meu banheiro quatro vezes ao dia porque pingava esgoto. Estou com quiquita de cadeia. Sabe o que é quiquita? A pereba. Estou toda me coçando. Eu fiz um dicionário de cadeiês.

A senhora anotou essas palavras novas?

Sim! Anotei tudo o que não sabia. Fui abduzida do planeta, né? São 30 expressões. Presa quilingueira é quem furta de outros presos. Corporal é a revista corporal. Brilhar a brilhosa é quando você vê o fundo da quentinha, come bastante e raspa a comida da marmita. Tereza, marimba ou liga: uma amarra feita com tiras de lençol para as detentas passarem de cela em cela cigarros, peças de roupa. É uma forma de escambo. É vedada, mas acontece no coletivo. Isso nas galerias, não na minha ala. Talvez eu escreva sobre isso.

Houve algum momento bom?

Quando a gente se reunia à noite para rezar. Confesso que acredito em Deus mas não sou frequentadora de igreja nenhuma. Estudei a Bíblia. Quando você foca no exemplo de Jesus Cristo, pode parecer piegas, mas você se anima. Uma detenta médica conseguiu a liberdade porque era vítima de uma acusação falsa. Eu e outras internas nos identificamos muito. Cada uma tem seus pecados, quem não tem pecados que atire a primeira pedra. Quando você olha em volta, você pensa: ‘Meu Deus, essa pessoa não era para estar aqui’. Tem gente que está há 20 anos lá dentro, não tem advogado, não tem família.

O que fazia para permanecer em paz?

Eu vi ali uma experiência espiritual. Eu inventava aulas de academia. Sempre malhei minha vida inteira. No fim das contas, sete meninas malhavam comigo porque eu as incentivava. Se você deixar pessoas sedentárias confinadas só comendo carboidrato… Imagina eu, comendo só arroz, feijão e pão todo dia. Tinha de fazer alguma coisa para o meu sangue circular, concorda? Senão eu sairia de lá roliça, com diabetes e hipertensa. Então comecei a sentar e levantar da cadeira, usar garrafa PET como peso, colocar a coluna no lugar com alongamentos.

Quem será seu candidato à Prefeitura?

Não tenho candidato. Não me vejo representada por nenhum deles.

Nem Luiz Lima (PSL), de quem a senhora seria vice?

Nem o Luiz Lima. Ele está no partido errado. Deveria ir para o PSDB, onde o pessoal fica em cima do muro. Ele é tucanaço, vai para onde a onda leva.

A senhora havia dito que pediria apoio a Jair Bolsonaro e aos filhos para se eleger. Bolsonaro ou interlocutores fizeram contato após a soltura?

Não. E não consegui encontrar meu pai ainda. Ele está em São Paulo. Não tenho dinheiro para ficar me locomovendo, e não falo mais por telefone.

Tem medo de ser grampeada?

Não tem mais condição de falar ao telefone. O Judiciário hoje acha que pode grampear e-mails de prefeitos, como no caso do Crivella. Não parece algo de uma democracia. As pessoas querem pegar o seu celular para gerar provas contra você.

O que seu pai lhe disse antes da prisão?

Falei: ‘Pai, estou indo lá me apresentar’. Eu não fui me entregar, porque se entrega quem tem culpa. E ele respondeu: ‘Aguenta firme, porque eu estarei do lado de fora lutando para que você esteja livre. Sei que você é forte’. Quando eu saí, ele chorou um dia todo. Minha mãe chorou três.

Qual foi o episódio mais marcante da prisão?

A sororidade das mulheres no culto, pela noite. Estudei a palavra de Deus, descobri quais são os sete pecados capitais, vi que a vaidade não pode superar a Justiça. Poxa, o que eu fiz foi pensando no bem comum. Só que a régua que as pessoas usam é muito diferente da minha. Eu me esforcei para fazer direito, Deus viu. Então, que Deus tocasse no coração dos juízes, promotores e advogados e desse luz ali, para me soltar. Quem tem um dedo apontado para mim, precisa perceber que contra ele tem quatro.

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