Heleno está pilotando o gabinete do ódio
Foto: Adriano Machado/Reuters
Depois de dois anos de governo, Jair Bolsonaro criou uma base no Congresso. Parece ter compreendido como lidar com o Supremo Tribunal Federal, depois de integrantes do bolsonarismo terem defendido um putsch, que seus expoentes designavam como “intervenção militar”, para fechar o tribunal e o Parlamento, silenciar a oposição e defender as boquinhas no governo. Se o presidente pôs cera nos ouvidos para não ouvir o canto dos blogueiros inconformados, só o tempo dirá. Só o tempo dirá se trocou a uso da força pela força da cooptação de adversários.
Bolsonaro pode obter sua détente, mas não significa que tenha abandonado sua guerra fria. Como diz Spinoza em seu Tratado Político, “a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia”. Esta o bolsonarismo parece ser incapaz de construir. A começar dentro do próprio governo, como mostram Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro, Luiz Mandetta, Santos Cruz etc. O problema é anterior à paz armada com as outras instituições da República. Ele surge não apenas quando há desorganização e ausência de etiqueta no Planalto, mas também quando não se compreende a liberdade.
Bolsonaro já esbravejou em reuniões contra a falta de unidade de princípios e atropelos de ministros. Em governos organizados, somente o presidente da República manifesta-se sobre os mais variados temas. Mas alguns dos generais do Planalto parecem desconhecer a subordinação ao presidente ou acham suas estrelas mais reluzentes do que as do capitão. Isso já foi percebido por oficiais ouvidos pela coluna. Não se trata aqui apenas daquele que não pode ser demitido, por ser o vice-presidente da República.
Para esses militares, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como assessor do presidente não deveria expressar opiniões sobre temas que não são de sua responsabilidade no governo, como o Meio Ambiente. Ou será que Ricardo Salles – goste-se ou não dele – não é o responsável pela área, ainda que sob a vigilância de outro general, Hamilton Mourão, e seu Conselho da Amazônia? Ora, qualquer general chamaria de desleal a ação de um hipotético comandante militar da Amazônia que resolvesse dar palpites públicos sobre o Comando Militar do Sul.
Por que então Heleno se comporta de forma diferente no governo? Por que deixou os padrões militares para trás para adotar os da política? Ou será que Heleno ocupará o papel de ideólogo de seu grupo, antes reservado a Olavo de Carvalho? Foi para o canal do YouTube de Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente que acredita que sua propaganda substitui o jornalismo independente, que ministro do GSI resolveu dizer que o governo ainda não teve tempo para executar a sua política para a Amazônia. E as pessoas de bom senso podem imaginar o que isso significa, quando o general afirma que a floresta tropical suporta “maus tratos”.
“Nós sabemos exatamente o que temos de fazer na Amazônia brasileira e no Pantanal, só que não houve tempo ainda de colocar em prática, de colocar gente para fazer isso”, diz Heleno. Mas o governo não mudou normas e regulamentos na área, impediu a queima de máquinas de garimpeiros, passou quase dois anos afastando fiscais e punindo quem tentava coibir a desordem e foi acusado de leniência com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros, enfim, com desmatadores e incendiários de toda ordem para pôr a culpa do que acontece na floresta e no pantanal em ONGs, índios e caboclos? Quem planta ideologia colhe incêndios.
Mas não é isso o que pensa Heleno. Ele prefere pôr a culpa nos governos da Nova República, os tais 40 anos de intervalo entre o reino dos militares e a redenção bolsonarista. O sorridente Heleno se transforma no Bandarra do bolsonarismo, levando aos seus compatriotas a miragem de um Quinto Império. Em vez de d. Sebastião, oferece ao povo a figura de Jair Bolsonaro. Diz o ministro: “Nós temos 80% da cobertura florestal da Amazônia preservada. A Europa tinha 7%, hoje tem 0,1%. Mas agora ganharam a condição de nos criticar diariamente, nós somos os ‘grandes vilões’ do meio ambiente no mundo.”
Às ameaças dos anos 1970, o Movimento Comunista Internacional e as ONGs a serviço de poderes estrangeiros, Heleno acrescenta potências europeias que cobiçam nossas riquezas. O Bandarra do governo, que já foi o tradutor-mór de Bolsonaro, adverte que a Amazônia é “o destino manifesto do Brasil” e afirma que “integrar a região é a prioridade nacional”. A professora Adriana Barreto de Souza, da Universidade Federal Rural do Rio, mostra em A Defesa Militar da Amazônia, entre história e memória, como a defesa da região se articula com a batalha de Guararapes nas representações militares. E como a doutrina da resistência ao agressor externo vincula a luta contra o invasor holandês ao presente da floresta.
É o passado que não passa na floresta. Heleno ainda afirma: “Agora, gente fora do Brasil que não tem moral para nos criticar, que acabou com suas florestas, criticar com a veemência que critica, querer nos colocar como vilões do meio ambiente, não dá para aceitar”. E conclui, reclamando da imprensa, pois “notícias ruins trazem prejuízo”. Ou seja: culpa o carteiro pelo aviso de cobrança. Por fim, diz que pretende convidar embaixadores estrangeiros para sobrevoar a Amazônia e, assim, pararem de “falar bobagens”. Eis o que o Brasil precisaria saber…
Há duas semanas, Heleno defendeu sanções contra produtos da Alemanha e da Suécia em caso de boicote a produtos brasileiros. Depois, disse que não queria citar países, pois poderia ser injusto e até causar um problema diplomático. Ainda bem que se tratava apenas de entrevista para uma rádio e, certamente, nenhum representante desses países escuta o que o ministro diz a jornalistas. Por fim, se Salles pode ser tratorado, por que Ernesto Araújo iria reclamar sobre os pitacos de Heleno na diplomacia brasileira? Por achar que os defensores do meio ambiente eram gente mal-intencionada, o governo teve de fazer as Operações Verde Brasil 1 e 2.
Para ser justo, Heleno não é o único oficial general a pensar assim. Um importante brigadeiro consultado pela coluna sobre as declarações do ministro e suas consequências para a diplomacia e a economia brasileiras, disse: “Acho muito mimimi por parte de países, ONG’s , intelectuais e artistas estrangeiros sobre um assunto interno do Brasil. Isso é antigo e extremamente suspeito. A soberania brasileira tem que ser respeitada. Nenhum desses organismos tem que se intrometer nisso. Como brasileiro de bem, é o que penso!” Do jeito que o governo vai, alguém ainda vai sugerir a prisão de índios e caboclos para, enfim, pacificar a floresta.