Maioria da indústria não encontra matéria-prima

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Foto: Thomas Mukoya/Reuters/VEJA

Quem ainda está em home office em grandes cidades como São Paulo, já deve ter notado o barulho crescente de bate estacas, de martelos, de serras e a volta da poeira. O setor de construção civil parece ter voltado a funcionar a todo vapor. E aí volta o consumo de cimento, ferro, aço, alumínio, vidros, plástico. São tantos insumos para erguer um prédio que o setor de construção civil acaba sendo o exemplo perfeito para contar sobre uma distorção causada pela pandemia: está faltando material. E por que foi uma distorção? Porque houve uma queima geral de estoque e agora, na retomada, as indústrias não estão dando conta. Se um construtor quiser preencher seus prédios com janelas de alumínio, vai ter que esperar por pelo menos uns dois meses.

Uma pesquisa divulgada hoje pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) transforma esta realidade em números. Ao todo, 68% das empresas pesquisadas relataram dificuldades para comprar insumos no mercado doméstico. Ou seja, cerca de dois terços das indústrias. Pouco mais de 55%, que usam insumos importados, estão com dificuldades de comprá-los no mercado internacional. E, para piorar, mais de 80% das indústrias perceberam que os preços subiram. Cerca de 30%, inclusive, disseram que a alta foi acentuada. Está aí a prévia do IPCA15 de outubro do IBGE que não deixa mentir. A sondagem especial da CNI mostrou ainda que 44% das empresas estão com dificuldades de atender os pedidos dos clientes e as principais razões apontadas são falta de estoque (47%), demanda maior que a capacidade (41%) e incapacidade de aumentar a produção (38%). Sendo que a incapacidade de produzir mais vem por conta da falta de insumo e a falta de insumo vem por conta de que ninguém tem estoque, e assim vai num círculo vicioso. Nas previsões da CNI, a falta de produtos pode durar três meses ainda.

Nesta roda da economia distorcida, algumas indústrias registram recorde histórico atrás de recorde de produção, frutos de uma bolha temporária. Quando, em abril e maio, o cenário era de uma super retração mundial, as cadeias de fornecimento começaram a parar, os pedidos deixaram de ser feitos e os empresários começaram a fazer caixa queimando os estoques. Quando a economia voltou a rodar com mais vigor a partir de agosto e setembro os pedidos começaram a voltar, mas as indústrias têm um tempo de produção. Elas não conseguem responder em tempo real. É o caso da cadeia produtiva de janelas de alumínio, mencionada no início desta reportagem. A construção civil está a todo vapor, mas é algo sentido somente nos últimos 30 dias, segundo o presidente da Associação do Alumínio, Milton Rego. Ele conta que a produção do alumínio vai até crescer neste ano porque os altos fornos desta indústria não podem parar, a não ser que seja por manutenção. Isto significa que tem estoque de alumínio suficiente. Mas para um alumínio metal virar uma janela são necessários pelo menos dois meses. E o problema é que o restante da cadeia que faz chegar a janela até um obra de um prédio não tem estoque porque precisou fazer caixa quando a economia estava no fundo do V. Ou seja, existe a retomada, mas não o crescimento. A demanda geral do alumínio, por exemplo, segundo a Abal, vai cair 7% neste ano.

O comportamento do comércio internacional também está afetando os preços e causando distorções. A China, por exemplo, sempre foi um exportador de plástico PVC. Mas, a exemplo do que acontece no Brasil, a indústria chinesa também queimou seus estoques no momento mais crítico da pandemia. Só que a China viveu este período muito antes de todo mundo e por isso foi a primeira a recompor estoques. E de uma hora para outra o país que era exportador de PVC passou a comprar o material de todo o mundo. Isso afeta a produção mundial e o Brasil, não podia ser diferente, está também batendo recordes de produção de plástico PVC.

Apesar dos recordes, a indústria está cautelosa nos seus prognósticos para 2021. No setor de alumínio, o melhor cenário traçado é o de terminar o ano de 2021 no mesmo patamar de 2019. O que já é melhor do que se pensava no auge do isolamento social, quando o setor estimava que levaria 4 anos para se recuperar. Já o setor de eletroeletrônicos, que está virando o mês com três turnos de produção usando 100% da capacidade, nem quer fazer previsões para 2021. O presidente da Eletros, a associação do setor, José Jorge do Nascimento, diz que o varejo está puxando a retomada e que espera vendas expressivas na BlackFriday e no Natal, mas que estão cautelosos em relação a 2021, especialmente por conta do fim do auxílio emergencial. A indústria eletroeletrônica deve terminar 2020 vendendo menos do que no ano passado e para 2021 também pretende voltar aos níveis de 2019.

Já a pressão sobre os preços é explicada em boa parte pela alta do dólar. As cadeias produtivas queimaram os estoques que tinham sido feitos com um dólar a 4 reais. A recomposição se dará a um dólar de 5,60 reais, ou seja, houve uma maxidesvalorização do real e boa parte das indústrias tem em sua cadeia alguma matéria-prima importada ou que possui preços balizados pelo dólar no mercado internacional. Isto significa que o Brasil deverá enfrentar uma retomada com os preços pressionados e causando inflação. Além disso, não há clareza sobre como a economia vai ficar com o fim do auxílio emergencial, que nada mais é do que injeção na veia da economia. Alguns já se perguntam: a recuperação será somente um vôo de galinha?

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