Michelle deu dinheiro a ONG que assediou criança estuprada
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
O programa Pátria Voluntária, presidido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, repassou recursos para uma ONG contra aborto que atuou no caso da menina de 10 anos estuprada que teve sua identidade vazada antes de ser submetida à interrupção da gravidez, realizada em agosto deste ano. De acordo com dados divulgados pela Casa Civil via Lei de Acesso a Informação (LAI), o programa repassou R$ 14,7 mil à entidade. Procurada, a presidente da ONG, Mariângela Consoli, disse que não procurou o governo para receber os recursos e que a entidade teria sido indicada por alguém que ela não soube identificar.
O Programa Pátria Voluntária foi criado em julho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro com o intuito de incentivar ações de voluntariado. Em 2020, no início da epidemia do novo coronavírus, o governo criou o projeto Arrecadação Solidária, um braço do Pátria Voluntária para receber doações de pessoas físicas e jurídicas e repassar recursos para entidades que atuem com populações vulneráveis durante a epidemia. O dinheiro é direcionado à Fundação Banco do Brasil (FBB), responsável por fazer os repasses às entidades beneficiadas.
A Associação Virgem de Guadalupe foi uma das entidades que recebeu recursos do projeto. É uma organização católica criada em 2013 e que, em sua página na Internet, se identifica como “pró-vida”, ou seja, contra o aborto. Ainda de acordo com o site, a presidente da associação diz que a entidade “faz parte de uma rede de homens e mulheres” com “um só objetivo: proteger mães e filhos do aborto provocado”. A entidade é recomendada por redes contrárias ao aborto em casos semelhantes aos da menina do Espírito Santo.
Em agosto deste ano, Consoli, fez parte de um grupo que se reuniu com autoridades capixabas e do município de São Mateus, onde vivia a menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio. As reuniões ocorreram enquanto o destino da menina e do feto era definido pela Justiça. Mesmo com autorização judicial, a garota teve de ir a Pernambuco para realizar a interrupção da gestação.
Segundo reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, Consoli participou de uma reunião na sede da Prefeitura de São Mateus om autoridades locais que teria sido articulada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Segundo o jornal, Consoli disse que sua ida a São Mateus fez parte de uma “missão institucional”. De acordo com a Folha, a delegação enviada por Damares atuou para impedir o aborto da menina.
Ao GLOBO, ela confirmou sua participação da reunião. E disse que a entidade ofereceu serviços de acolhimento à vítima independentemente de ela ser submetida ou não ao aborto legalizado.
— O posicionamento (da entidade) é contra (o aborto legalizado), sim, esse procedimento. Mas não temos nada contra quem faz. — afirmou Consoli.
Sobre a reunião que teve em São Mateus, ela diz que sua entidade ofereceu suporte à garota, mas negou que tenha atuado para impedir o aborto.
— Ninguém nem tocou nesse assunto. Não se falou sobre ela realizar ou não o aborto. Somos uma obra social. Ela estava em situação de vulnerabilidade social. Oferecemos suporte. — disse.
Questionada, mais uma vez, sobre se sua entidade defendeu a manutenção ou a interrupção da gestação da menina, Consoli disse que não falaria mais sobre o assunto.
— Eu prefiro não tocar mais nesse assunto. A gente já fez o que tinha que ser feito. — afirmou.
Sobre as doações, Mariângela afirmou que foi procurada pela FBB e que os recursos foram utilizados na distribuição de cestas básicas às mães atendidas pela entidade.
— A gente foi indicada não sei nem por quem — afirmou ela.
Na terça-feira (29), o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu a abertura de investigações sobre o direcionamento de recursos do Pátria Voluntária. O pedido foi feito após a publicação de reportagens do jornal “Folha de S.Paulo” indicando que ONGs ligadas à ministra Damares Alves teriam recebido recursos do programa e que R$ 7,5 milhões doados pela empresa Marfrig para a compra de testes para Covid-19 foram desviados para o programa abastecendo as doações do Pátria Voluntária.
A reportagem do GLOBO enviou perguntas ao MMFDH, à Casa Civil, à Presidência da República e à FBB.
O MMFDH negou conhecer a entidade Associação Virgem de Guadalupe e disse que não a convidou para participar de reuniões sobre o caso da menina estuprada em São Mateus.
O ministério disse ainda que não possui ingerência sobre a gestão do programa Pátria Voluntária.
Procurada, a FBB disse que responderia às questões enviadas pela reportagem até as 19h30 da terça-feira, mas, no horário marcado, informou que os esclarecimentos sobre o caso seriam feitos por meio de nota a ser divulgada pelo programa Pátria Voluntária.
A Casa Civil também informou que os esclarecimentos seriam feitos por meio da nota. A Presidência da República não enviou respostas. Até o fechamento desta reportagem, a nota não havia sido divulgada.