Michelle também é laranja
Foto: Adriano Machado/Reuters
A repórter Constança Rezende mostrou que o vírus dos áulicos capturou R$ 7,5 milhões que o frigorífico Marfrig doou ao governo em março para a compra de 100 mil testes rápidos para detectar o coronavírus. Testaram zero, e a história dessa maluquice é uma viagem ao mundo da burocracia, da bajulação e das espertezas.
Aos fatos:
No dia 23 de março, a Marfrig ofereceu o dinheiro à Casa Civil da Presidência da República.
A primeira encrenca. Dias depois, o Itaú-Unibanco fez o certo. Anunciou a doação de R$ 1 bilhão para o combate à pandemia sem colocar um só tostão na máquina do governo. Bolsonaro dizia que “brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus”.
No dia 20 de maio, a Casa Civil informou que o dinheiro seria usado “com fim específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19”. Levaram dois meses para processar a informação. Já haviam morrido 18.959 pessoas. O ministro Paulo Guedes dizia que tinha um amigo inglês capaz de fornecer 40 milhões de testes por mês ao Brasil.
Passaram maio e junho. A 1º de julho, a Casa Civil mudou de ideia e perguntou à Marfrig se o dinheiro dos testes podia ser usado no projeto Arrecadação Solidária, vinculado ao programa Pátria Voluntária, de Michelle Bolsonaro, mulher do presidente. Diante de tantos nomes bonitos, quem seria capaz de dizer não? A essa altura já tinham morrido 60.194 pessoas.
Juntaram-se dois erros. Num, o dinheiro iria sabe-se lá para onde. No segundo, caiu na velha cumbuca das obras assistenciais da mulher do presidente. Salvo no Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, elas quase sempre foram uma fábrica de encrencas. Geridas por áulicos, aporrinharam as vidas de Maria Thereza Goulart e de Rosane Collor de Mello.
O dinheiro da Marfrig foi doado para a compra de testes, mas os çábios expandiram o alcance. Iria também para medicamentos, comida ou material de limpeza. Qualquer coisa, enfim. A Associação de Missões Transculturais Brasileiras, outro nome bonito, recebeu R$ 240 mil. No seu endereço funcionava um restaurante, mas seu presidente informa que, por ser uma associação, “só tem endereço fiscal”. Fica combinado assim.
Marquetagens e manobras burocráticas puseram Michelle Bolsonaro numa fria. Ela, como acontecia com Maria Thereza Goulart e Rosane Collor de Mello, não administra o dinheiro dos programas a que empresta seu nome. Usando-se a marca da mulher do presidente, atraem-se áulicos e espertalhões. Ao final, a conta vai para a senhora.
A Casa Civil informa que só a Fundação Banco do Brasil sabe o destino exato dos R$ 3,5 milhões da Marfrig. Se o dinheiro não serviu para testar pessoas, o caso pode servir para testar a capacidade do governo e do Banco do Brasil de dizer o que aconteceu com o ervanário. O Itaú-Unibanco sabe para onde foi cada centavo do bilhão que doou.
Acaba de sair nos Estados Unidos o livro “The man who ran Washington” ( “O homem que mandou em Washington — A vida e os tempos de James Baker III”). Ele comandou as campanhas de três presidentes republicanos. Foi chefe da Casa Civil de Ronald Reagan e George Bush I, secretário de Estado e do Tesouro. Junto com seu parceiro de duplas de tênis Bush I, administrou a diplomacia americana durante o colapso da União Soviética e a reunificação da Alemanha. Como se isso fosse pouco, articulou a equipe de advogados que garantiu a presidência dos Estados Unidos para Bush II. Nela incluiu John Roberts, atual presidente da Corte Suprema.
Nascido numa família de advogados texanos, James Baker foi criado no conforto. Para quem viu as baixarias de Donald Trump no debate de terça-feira, sua vida mostra que existem conservadores e republicanos decentes.
A única eleição que disputou mostra quem ele era. Seus marqueteiros mostraram-lhe que o adversário deixara em liberdade um criminoso que mais tarde mataria duas pessoas. Baker recusou o tema. Ele achou que a acusação seria pessoal. Perdeu a eleição.
O autor do livro é o jornalista Peter Baker, sem parentesco com o biografado.
A fábrica que produzia conservadores craques como Bush I e James Baker está temporariamente fechada. Aos 90 anos, leva a vida em Houston, caçando e pescando.
Para a crônica da indicação de Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal:
Jair Bolsonaro sinalizou há um mês que pensava num nome estranho à lista de favoritos de Brasília.
Na terça-feira, Gilmar Mendes tinha hora marcada com Bolsonaro para um encontro no Planalto. Foi o presidente quem mudou o local para a casa do ministro, levando consigo o futuro colega.
Esse minueto formalizou o beneplácito público de Gilmar Mendes à indicação.
Coisa inédita.
Eremildo é um idiota e resolveu atender ao pedido do presidente para tirá-lo da enrascada do Renda Bolsonaro. Mesmo apoiando todas as medidas de qualquer governo em qualquer época, o cretino achou que o avanço nos precatórios (e sua indústria) seria uma dose muito forte.
Com o arquivamento da tunga, o idiota resolveu mandar sua sugestão. Na conta de Eremildo o Brasil tem cerca de 500 mil pessoas presas por crimes que não envolveram violência e outras 500 mil condenadas em alguma instância, recorrendo em liberdade. Assim chega-se a um milhão de pessoas. Admitindo-se que estão sentenciadas na média a três anos de prisão, Eremildo propõe que o programa seja financiado pela Anistia Cidadã. Cada condenado paga R$ 1 mil por ano de condenação e extingue-se o processo. Seriam R$ 3 bilhões na veia do povo, como diria o doutor Paulo Guedes.
O idiota acredita que sua proposta é mais simples que as da ekipekonômika.
Os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho têm direito às suas próprias opiniões, mas não são donos dos fatos.
Como ministro da Economia, Guedes propôs a taxação do seguro-desemprego. Pegou mal e ele atribuiu a ideia a Marinho, que à época estava na sua equipe. Ele tornou-se um defensor delirante da ideia e não desmentiu a afirmação. Contudo, confidenciava que a girafa veio do circo de Guedes.
Passaram-se os meses e a ekipekonômika meteu-se em outra trombada, querendo avançar sobre os precatórios. Novamente, Guedes revelou que a ideia partiu de Marinho, atual ministro do Desenvolvimento Regional.<SW><SW>
Há dois anos, Guedes tornou-se um çupeministro incorporando atribuições e repartições. Concentrar poder já é difícil. Repassar responsabilidade é impossível.
Desde que começou a pandemia, governadores e secretários de Saúde foram apanhados com a mão na bolsa da Viúva.
A operação Monte Cristo, do Ministério Público de São Paulo, bateu em empresas e associações de distribuidoras de medicamentos. Numa casa, acharam R$ 9 milhões em moeda corrente. Noutra, R$ 200 mil em sacos de lixo.
É só juntar lé com cré: não haveria político corrupto no setor de Saúde sem empresário pagando.