SP tem cada vez menos fiscalização de rua

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Foto: Rivaldo Gomes/Folhapress

Marcada por um dos maiores escândalos de corrupção da história da Prefeitura, a fiscalização de rua em São Paulo sofre há anos com o desmonte de estrutura e queda no número de agentes vistores em atividade nas 32 subprefeituras. A capital tem hoje 352 fiscais (eram 543 em 2013) para uma área de 1,5 mil km² e mais de 700 itens de legislação para vistoriar, desde regras do Código de Obras a comércio ambulante, lei do silêncio e até crime ambiental.

Dados obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI) entre 2017 e 2020 mostram que a queda de 35% se deu de forma contínua ao longo dos últimos anos. Em 2016, por exemplo, o total de fiscais era de 467. Como consequência direta, o número de multas também caiu no período, de 26.941 para 20.949, ou seja, um decréscimo de 22%. Este ano, em função da pandemia de covid-19, o balanço deve ser ainda menor, já que 182 agentes estão trabalhando de casa.

Segundo fiscais ouvidos pela reportagem, a precarização da atividade se dá ainda pela ausência de frota própria de veículos (os agentes usam carros de aplicativos) e pela distribuição das equipes pela cidade. Enquanto o centro tem 30 agentes – e bairros nobres, como Vila Mariana, na zona sul, somam 17 –, áreas mais afastadas chegam a ter somente 4. É o caso de Cidade Tiradentes, no extremo leste. Lá, não por acaso, foram lavradas só 16 multas em 2019.

Ali, por exemplo, a cem metros da subprefeitura a reportagem constatou lixo na rua e o muro de terreno caído. “Eles (fiscais) dizem que o problema não é deles”, diz o comerciante Edmilson Geraldo, que trabalha ali. Basta virar a esquina na Estrada de Iguatemi para achar montes de lixo nas calçadas.

“Estou aqui há um ano e dois meses e só me lembro de ter conversado com um fiscal uma vez, no começo do ano. Ele me orientou a colocar o cavalete de promoção na loja e não me multou”, afirma o vendedor Iuri da Silva, de 22 anos, que trabalha na Avenida Doutor Sylvio de Campos, em Perus, na zona norte.

Na quarta-feira, propagandas em desacordo com a Lei Cidade Limpa, como anúncios de promoção nas fachadas dos comércios, eram facilmente observados. Situação idêntica à da Rua Parapuã, na Brasilândia, também zona norte. Comerciantes disputam a clientela com ambulantes que ocupam as calçadas vendendo de tudo, de tapetes a comida. Nas Subprefeituras de Perus e de Brasilândia, o número de fiscais caiu de 8 para 5 e de 13 para 10, respectivamente.

Já na Lapa, na zona oeste, são 18 agentes (eram 25 em 2013). Segundo dados da Fundação Seade, a taxa de desocupação cresceu de 13,2% para 15,3% no segundo trimestre deste ano. O resultado se vê nas ruas próximas ao mercado municipal. Dezenas de novos ambulantes vendendo, em sua maioria, máscaras contra o coronavírus.

Inexperientes, alguns não conseguem correr dos fiscais e têm a mercadoria apreendida. Ali, diferentemente de bairros afastados, a fiscalização segue intensa, segundo relato dos ambulantes. Há fases, afirmam, em que o “rapa” (a ação dos fiscais) ocorre duas a três vezes ao dia. “Quem não tem permissão soma prejuízo. Mesmo para a gente, que tem o TPU (Termo de Permissão de Uso), e pode trabalhar, o movimento caiu demais”, diz a vendedora de bijuterias Michele dos Santos, de 34 anos.

Para o coordenador do Laboratório Arq.futuro de Cidades do Insper, Tomas Alvim, a queda nos indicadores de fiscalização preocupa, pois essa é a forma mais direta do combate às irregularidades urbanas. “E o que preocupa ainda mais é verificar que a dinâmica recorrente de abandono dos bairros de maior vulnerabilidade social neste caso também se aplica. Repetimos aqui, historicamente, a priorização da fiscalização das áreas mais favorecidas.”

Se a máfia dos fiscais de rua marcou a gestão de Celso Pitta, entre 1997 e 2000, a máfia dos fiscais do Imposto Sobre Serviços (ISS) foi destaque no governo de Fernando Haddad (2013-2016), mas também por ter sido descoberta pela Controladoria-Geral do Município. O ex-prefeito, aliás, faz questão de citar o caso para justificar o fato de não ter promovido concurso público para substituir os agentes vistores que se aposentavam.

Ao Estadão, Haddad disse que achou melhor contratar auditores para a controladoria do que fiscais, o que, além de ajudar a desbaratar a máfia desse tipo de fiscalização, ainda fez com que a arrecadação aumentasse.

O petista também argumentou que apenas 10% das multas aplicadas eram de fato pagas. “Não compensava. O município gastava mais para cobrar as multas, que acabavam virando divida ativa, do que recebia. Daí a aposta no ISS.” Ainda segundo Haddad, “não há como cobrar postura municipal”. “É preciso cobrar do imóvel, mas a lei não permite, você tem de cobrar da pessoa física. Para mudar isso, precisamos de um Código Nacional de Posturas Urbanas.”

A Secretaria das Subprefeituras informou que “prioriza eficiência e desburocratização dos processos fiscalizatórios e de regulação”. “Para isso, em 2017, implantou nas 32 subprefeituras da cidade, o Sistema de Gerenciamento da Fiscalização, um sistema unificado que otimiza os processos, substituindo o uso de papéis/talões por tablets nas vistorias, e envia as informações para uma única plataforma.”

A secretaria reconhece a queda de autuações na cidade, entre 2013 e 2020. “Recentemente, por meio da Lei 17.480, o município modernizou a legislação para combater descarte irregular de lixo ao permitir a fiscalização e aplicação de multas por meio de imagens gravadas por circuitos de câmeras.” Antes, a punição era possível só mediante flagrante dos fiscais.

Segundo a secretaria, havia 351 agentes vistores em 2013. “Atualmente, há 375 servidores.” O número é diferente do informado ao Estadão por meio de Lei de Acesso durante os anos de 2017 até 2020 e confirmado pela gestão anterior. A respeito dos valores de multas aplicados, ela informou que foram R$ 163 milhões em 2013 e R$ 572 milhões em 2020. Mas não informou quanto foi pago.

Estadão