Bolsonaro começa a rifar Trump
Foto: AFP / EVARISTO SA
Depois de reiteradas declarações de apoio à reeleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro adotou o tom de derrota do candidato republicano e parece conformado com a provável eleição de Joe Biden à Casa Branca. Mesmo aconselhado por assessores a aguardar a confirmação oficial das urnas para se manifestar, o chefe do Executivo deu a entender que o Palácio do Planalto não deve se opor ao diálogo com o democrata e que pode romper com a linha ideológica que vinha adotando com o governo de Trump.
Ontem, durante cerimônia em Florianópolis, que marcou a formatura de 650 novos agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Bolsonaro disse que “Trump não é a pessoa mais importante do mundo”. Ele comentou que “o momento do Brasil ainda é difícil” e que acompanha a política internacional porque “temos nossas preferências, e o que acontece lá fora interessa para cada um de nós aqui dentro”.
“Assim sendo, em certos momentos, somente uma coisa nos encoraja e nos fortalece: é Deus sempre acima de tudo. Eu não sou a pessoa mais importante do Brasil, assim como Trump não é a pessoa mais importante do mundo, como ele bem mesmo disse. A pessoa mais importante é Deus. A humildade tem de se fazer presente entre nós”, afirmou.
Foi a primeira vez, desde a época da sua campanha para o Planalto, que Bolsonaro demonstrou um comportamento alheio a Trump. De 2018 para cá, o presidente se revelou um aliado inquestionável do norte-americano e fez de tudo para a política externa brasileira se acomodar aos ideais conservadores do republicano, marcados, principalmente, por uma postura protecionista que fez os Estados Unidos priorizarem medidas unilaterais. Ao tentar repetir isso, Bolsonaro acabou isolando o Brasil de organismos multilaterais e criando conflitos que mancharam a imagem do país perante a comunidade internacional.
Agora, ciente de que não pode perder o relacionamento institucional com a maior potência do mundo só por causa de uma eventual derrota de Trump, ele tenta sinalizar que está disposto a esquecer o seu principal aliado internacional para iniciar uma conversa com Biden, que, caso eleito, promete fazer de tudo para tirar Bolsonaro da “zona de conforto” que criou com o republicano.
“O principal impacto para a política brasileira, caso Biden vença, é que o presidente Bolsonaro vai ter de realinhar a sua política externa. E esse realinhamento significa dizer que ele não terá mais Trump para ser uma espécie de apoiador e referencial. A vitória do democrata vai gerar a necessidade de Bolsonaro mudar alguns elementos de discurso”, analisou o especialista em relações internacionais Creomar de Souza, fundador da Consultoria Política Dharma.
Para Günther Richter Mros, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), será importante que Bolsonaro tente se descolar do histórico com Trump para não comprometer as relações governamentais com uma possível administração Biden.
“Caso o ‘trumpismo’ continue existindo dentro do governo, a relação do Brasil com os Estados Unidos vai ficar cada vez mais desgastada. Então, Bolsonaro terá de dar cada vez menos voz para a ala ideológica da sua gestão. Será fundamental que ele não alimente as narrativas de Trump, caso contrário, certamente, o governo brasileiro sofrerá reprimendas”, alertou.