Candidatos que fizeram campanha na rua perdem apoio
Foto: Reprodução/TSE
O eleitor brasileiro viu com maus olhos a campanha de rua durante a pandemia de coronavírus e avalia os candidatos que adotaram essa estratégia como menos honestos e comprometidos com as demandas da população do que aqueles que respeitaram o distanciamento social e optaram pela divulgação online.
É o que aponta os primeiros resultados de uma pesquisa com 2.025 pessoas conduzida por duas cientistas políticas brasileiras que atuam em universidades do Reino Unido: Malu Gatto, professora da University College London, e Mariana Borges, pesquisadora da Universidade de Oxford.
Para elas, embora a pesquisa não permita concluir que essa avaliação tenha tido peso determinante na escolha dos candidatos, já que os eleitores costumam avaliar múltiplos fatores ao decidir seu voto, o resultado indica que a campanha de rua em meio à pandemia pode ser mais um fator a contribuir para o descrédito da política entre os eleitores brasileiros, que já têm um nível baixo de confiança em partidos na comparação internacional.
A pesquisa foi aplicada online pela empresa especializada Opinion Box entre 6 e 13 de novembro, poucos dias antes do primeiro turno da eleição municipal (15/11), e tem margem de erro de 2,2 pontos percentuais.
Entre os entrevistados, 35,5% viram as campanhas de rua como inaceitáveis ou totalmente inaceitáveis, enquanto outros 34.5% indicaram que esse modo de fazer campanha no contexto da pandemia é “compreensível, mas inaceitável”.
Já no caso da campanha que respeitou o distanciamento social e usou as redes sociais como forma de divulgar seu nome e propostas, mais de 80% dos entrevistados considerou a estratégia aceitável ou totalmente aceitável.
Mariana Borges ressalta que foi comum nas semanas anteriores ao primeiro turno da eleição municipal ver atos de campanha reunindo aglomerações principalmente nas eleições pelo interior do Brasil. Isso levou à Justiça Eleitoral de alguns Estados — como Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais e Amazonas — a proibir ou restringir atos nas ruas em algumas cidades.
Com o acirramento das disputas na campanha de segundo turno, candidatos também têm provocado aglomerações nessa reta final, mesmo com o aumento do contágio da covid-19 registrado nos últimos dias no país.
“É mais um episódio que reforça na cabeça do eleitor a ideia de que os políticos têm suas regras próprias, que vão fazer de tudo para se elegerem, e que atuam com hipocrisia. Sobretudo no caso dos prefeitos, que meses antes da campanha estavam pedindo para as pessoas ficarem em casa, sendo rígidos, fechando bares, para depois na eleição se engajarem em comícios e carreatas”, analisa Borges, que têm estudos focados em práticas de clientelismo.
O levantamento também investigou as ferramentas usadas pelos eleitores para se informar sobre candidatos a vereador, disputa que exige maior esforço de pesquisa devido ao alto número de candidatos. A maior parte dos entrevistados disseram usar internet (47%) e mídias sociais (40%). Apenas 16% citaram o WhatsApp, enquanto 29% disseram se informar através de materiais de campanha oficiais na TV e na rádio.
A pesquisa indicou ainda que os candidatos que optaram pela campanha de rua são vistos como mais propensos à prática de compra de voto e menos comprometidos a atender as demanda da população após eleitos, principalmente no caso de políticos homens.
Segundo a pesquisa, 26% dos eleitores disseram acreditar que candidaturas masculinas com campanha de rua distribuiriam benefícios materiais durante a eleição, enquanto para candidatas mulheres esse número cai para 18%.
Esses percentuais recuam para ambos os sexos no caso de candidaturas que optaram pela campanha online: 21% dos entrevistados responderam que esses candidatos homens seriam propensos a distribuir favores e benefícios materiais durante a campanha, enquanto 12% disseram ter essa expectativa para as mulheres.
O desempenho melhor para mulheres se repete quando a pesquisa questiona a percepção do eleitor sobre o compromisso dos candidatos e candidatas com as demandas da população.
De acordo com o levantamento, 45% dos entrevistados consideram que candidatos homens que fizeram campanha de rua não serão responsivos aos eleitores. No caso das candidatas mulheres, o índice cai para 35%.
Quando são avaliadas as candidaturas que fizeram campanha online, essa desconfiança cai para ambos os sexos, mas também é menor entre as candidaturas femininas: apenas 17% dos entrevistados disseram que seria improvável que uma candidata que respeitou o distanciamento social respondesse às demandas dos eleitores, enquanto o índice sobre para 31% no caso de homens que fizeram campanhas online.
Apesar do levantamento indicar uma percepção mais positiva do eleitor brasileiro sobre candidatas do que candidatos, isso não se refletiu em um melhor desempenho delas nas urnas. Dentre todos os prefeitos eleitos em primeiro turno nesta eleição, apenas 12,2% são mulheres, resultado levemente menor do que o de 2016 (11,6%).
“Essa pesquisa corrobora outros estudos, tantos meus quanto de outras pessoas, que mostram que, na verdade, a baixa representação da mulher na política não se dá por conta de estereótipos negativos do eleitor (sobre elas)”, nota Gatto.
“Esse desempenho ruim perpassa outros processos, principalmente de distribuição desigual de recursos e de apoio partidário. A baixa representação da mulher na política se dá porque quem está dentro do sistema político quer se manter ali dentro. É muito difícil essas pessoas, os homens, abrirem espaço para as mulheres e as colocarem em condição de igualdade na disputa”, acrescenta ela.
Para Gatto, que é especialista em questões de gênero na política, a avaliação mais positiva sobre o desempenho das candidatas no contexto de pandemia detectado na pesquisa reflete dois elementos: o fato de as mulheres estarem de forma estereotipada mais associados ao cuidado com o outro e também porque o eleitor não associa as mulheres com a política tradicional.
“As mulheres ainda são muito vistas como outsiders da política. Os homens são mais punidos (na avaliação detectada na pesquisa) até porque é quem o eleitor vê como o político tradicional”, explica.
“É possível que, conforme a política se transforme e a mulher seja cada vez mais visível na política, o eleitor passe a ver a mulher como um político tradicional também e ela ganhe menos esses estereótipos positivos”, acrescenta.
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