Boulos vêm convulsão em 2021 e quer unir esquerda
Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
Ao receber 2,16 milhões de votos no segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo (40,62% dos votos válidos), Guilherme Boulos (Psol) declarou: “É o início de um ciclo que se inicia”. Aos 38 anos, o jovem líder do MTST projetou-se como uma das principais lideranças da esquerda no país, apesar de ter sido derrotado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). Agora, tenta capitalizar a força conquistada nas urnas para 2022. A principal missão, diz, é tentar construir a unidade na esquerda.
Assim que se recuperar da covid-19, diagnosticada dois dias antes do segundo turno, Boulos pretende começar a viajar pelo país, para dialogar com lideranças da oposição ao presidente Jair Bolsonaro. O primeiro destino será Belém, capital conquistada pelo Psol, com Edmilson Rodrigues. Se possível, irá ainda nesta semana. Com amplo apoio dos jovens na disputa eleitoral, o ex-candidato do Psol usará a estrutura das redes sociais fortalecida durante a campanha para mobilizar seus apoiadores. No sábado, marcou um grande encontro virtual pelo Zoom.
Como saldo destas eleições, Boulos avalia que a esquerda começou a refazer as pontes com a periferia, se reconectou com a juventude e tirou as redes sociais do monopólio dos bolsonaristas. Sobre 2022, descarta candidatar-se para um cargo no Legislativo e dá indicações de que seus planos são nacionais. Ex-candidato presidencial do Psol em 2018, fala a todo momento na luta contra Bolsonaro e contra o governador paulista e presidenciável, João Doria (PSDB).
O desafio de reproduzir em 2022 no plano nacional a aliança com Psol, PT, PCdoB, PSB, PDT e Rede montada por sua candidatura no segundo turno não será fácil. Boulos diz que a construção de uma frente tem que começar desde já e não pode ter como ponto de partida a discussão por nomes para a Presidência. Cobra consciência e responsabilidade da oposição a Bolsonaro. Apesar de ser um dos principais quadros do Psol, descarta ter um cargo na direção do partido.
Boulos prevê um 2021 marcado por dificuldades e protestos, sobretudo depois do fim do auxílio emergencial, previsto para acabar este mês, e do aumento do desemprego em meio à pandemia. “É um cenário explosivo, um barril de pólvora”.
Vítima da covid-19, Boulos relata ter sentido sintomas moderados. Nos dias seguintes à eleição, diz ter ficado “baqueado”, com febre, dores e cansaço. Na sexta-feira, ainda em recuperação, falou com o Valor. A seguir, trechos da entrevista.
Valor: Qual o balanço sobre esta eleição em São Paulo? O que faltou para a sua campanha vencer?
Guilherme Boulos: Uma eleição não se mede apenas pelo resultado, mas também pelo o que sinaliza para o futuro. Nosso projeto saiu muito forte e o maior derrotado foi o bolsonarismo. Dissemos não ao Bolsonaro, ao travar embate com [Celso] Russomanno e tirá-lo do segundo turno. Ao mesmo tempo, apontamos para um projeto de renovação da esquerda. Destacaria três pontos. O primeiro, foi reconectar a esquerda com a juventude. Pesquisa do Datafolha a poucos dias das eleições nos mostrou com apoio de 65% dos jovens. Segundo, foi de reaproximar a esquerda com a periferia, reconectar e refazer pontes. Tivemos o melhor resultado das esquerdas na periferia desde 2012. Em terceiro, quebramos a hegemonia do bolsonarismo nas redes sociais. Em 2018, o bolsonarismo deitou e rolou nas redes. A vitória deles teve a ver, em parte, com isso. Eles souberam se valer de ferramentas de rede social. Desta vez, o maior fenômeno de redes do Brasil foi nossa campanha.
Valor: Apesar de a esquerda ter um desempenho melhor na periferia do que em 2016, ainda foi aquém de outras eleições. O que explica essa mudança do eleitor?
Boulos: Existe um processo de recuperação da referência da esquerda com a periferia. E no segundo turno teve o uso da máquina, com a distribuição de cestas básicas e com o caso de creches conveniadas. Entramos com duas denúncias no Ministério Público Eleitoral de casos gritantes. Teve distribuição de cesta básica com jingle de campanha na Brasilândia. E teve o secretário municipal de Educação mandando mensagens, áudios para diretores de ensino, para creches conveniadas, repassados para 300 mil pais e mães de alunos dessas creches, dizendo que eu iria fechá-las, que iria acabar com o emprego de professores. Isso incide nas periferias. Teve uso escandaloso da máquina pública na reta final. [Nota da redação: Tanto a prefeitura quanto o secretário de Educação negam irregularidades].
Valor: O senhor falou do novo ciclo que se inicia e que a união da esquerda em São Paulo deve ser exemplo para o Brasil. O que vislumbra?
Boulos: Resgatamos a esperança na forma de fazer política. Tanto na direita quanto na esquerda, a esperança estava fora do vocabulário nos últimos anos. O debate ficou restrito ao pragmatismo, a interesses imediatos. A política pautada por sentimentos de ódio e medo. Em 2018, não havia espaço para discutir projeto, futuro, sonho. Deixamos a solidariedade como mensagem. Essa foi a grande potência, isso me levou para o segundo turno, a ter mais de dois milhões de votos contra todas as previsões, tendo 17 segundos na televisão. Isso não se perde com o fim de uma eleição. Uma vez que se mexe com esse sentimento, faz renascer, reacender essa brasas, vira uma potência. Essa potência que queremos continuar mobilizando.
Valor: E como pretende articular a unidade da centro-esquerda?
Boulos: Em 2022 vai ser uma batalha para derrotar tanto o bolsonarismo quanto o projeto elitista dos tucanos nas urnas. Sair de uma eleição pensando em outra é apropriado. Me preocupa saber como vai ser 2021. Se o corte do auxílio emergencial for confirmado por Bolsonaro, se não tiver políticas municipal e estadual de transferência de renda, podemos viver um caos social no país em 2021. Não sabemos como estará a pandemia, se vai ter segunda onda [de covid-19]. Na economia, o cenário não é alentador. Podemos ter uma epidemia de desemprego e cenário de convulsão social em 2021 se não houver políticas para garantir emprego e renda. Meu papel como uma liderança política da esquerda, como militante do movimento social é muito mais do que ficar só pensando planos para 2022. É pensar em como organizar a luta diante desse cenário tão difícil.
Valor: A despeito da pandemia, vê um cenário de pressão popular, protestos nas ruas? Articulará isso?
Boulos: É difícil falar porque não sabemos como estará a pandemia. Espero que não tenha segunda onda, que tenha vacina o mais rápido possível e que não tenhamos problemas por conta da pandemia. É evidente que vai ter movimentações da sociedade. É um cenário explosivo, um barril de pólvora. Mais de 50 milhões de brasileiros dependem do auxílio emergencial e isso vai acabar em 31 de dezembro, sem que seja dada alternativa de renda e oportunidade de emprego. O que essas pessoas vão fazer? Muito possivelmente teremos um cenário de luta social por direitos, por emprego e renda em 2021.
Valor: Quais serão as pontes para construir esse processo de unidade? Sua campanha teve apoio de Lula, Marina, Ciro, Dino. Serão eles ou buscará outros interlocutores?
Boulos: Sempre mantive contato com essas lideranças e o diálogo vai continuar. Uma das lições desta eleição é que para derrotar o bolsonarismo e a velha direita neoliberal, a esquerda precisa construir mais pontes, mais unidade. Vou trabalhar por isso. O Psol saiu forte, apontando para a unidade da esquerda. Ganhou em Belém e foi através de uma frente. Em São Paulo, fizemos uma frente no segundo turno, de maneira inédita, e colocamos no programa de TV referências políticas que não se falam há muitos anos. Foi muito além de mostrar quem estava com a gente. Sinalizamos a importância da unidade no futuro pós-eleições. Como uma liderança política desse campo, vou contribuir para fortalecer tanto as lutas sociais como a unidade no campo progressista para enfrentar o bolsonarismo.
Valor: Partidos de centro-esquerda já lançaram nomes para 2022. Como viabilizar esse frente?
Boulos: Se o debate da unidade começa pela discussão de nomes, vai mal. A unidade tem que se construir a partir de projetos. As diferenças que existem na esquerda estão no varejo. As diferenças que nos separam do bolsonarismo estão no atacado. Não tem pensamento único no campo progressista. O que nos une contra o bolsonarismo é maior do que aquilo que nos separa. Isso tem que dar consciência de responsabilidade, para buscar pontes e caminhos de unidade. Vou trabalhar para isso.
Valor: Como avalia a construção de uma espécie de federação por partidos de esquerda que podem ser afetados pela cláusula de barreira?
Boulos: Hoje não vejo condições para isso. A unidade, tanto do ponto de vista político quanto eleitoral, passa também pelo reconhecimento das diferenças de projeto.
Valor: O senhor descarta concorrer a um cargo no Legislativo?
Boulos: O Legislativo não está nos meus planos. E não está na minha agenda, neste momento, discutir caminhos eleitorais para 2022, ainda. Isso não quer dizer que eu não vá ser candidato em 2022, evidentemente. Não penso política de dois em dois anos, sair de uma eleição e começar outra. O desafio de agora é organizar esse sentimento e o saldo das eleições de 2020, transformar esperança em mobilização, em organização das pessoas e, ao mesmo tempo, enfrentar o cenário duro que teremos em 2021. Meu foco é esse, mais do que qualquer cargo que eu possa disputar em 2022. Embora isso, evidentemente, não exclua estar na corrida eleitoral de 2022.
Valor: De forma prática, como pretende fazer a mobilização? Vai filiar mais gente ao Psol? Usar a organização da campanha nas redes?
Boulos: Assim que tiver possibilidade, vou viajar pelo país. O saldo dessa campanha não foi apenas em São Paulo. Se tiver liberado, pretendo ir [nesta semana] a Belém conversar com Edmilson [Rodrigues] e seu grupo. Chamamos atividade virtual, no dia 12, com pessoas que se engajaram na campanha. Dois dias depois de lançada, tinha mais de 10 mil inscrições. Vamos criar núcleos, organizar as pessoas, pensar formas de mobilização, de atuação virtual. O caldo que se criou não acaba com o fim das eleições. Os grupos de Whatsapp cresceram bastante e vamos mantê-los ativos. Quando puder, teremos atividades presenciais.
Valor: A esquerda encolheu nesta eleição. O PT não ganhou nas capitais. O antipetismo ainda prejudica a esquerda ou vê outros fatores?
Boulos: É importante ver a tendência. O grande derrotado foi Bolsonaro. A esquerda está num processo de voltar a ter um impulso e de ter renovação política e geracional. Retomou a capacidade de ter hegemonia nas redes sociais, de dialogar com a juventude, de quebrar barreiras com as periferias. O que ficou claro é que é preciso ter mais unidade. Ninguém sozinho vai ser capaz de derrotar o projeto do bolsonarismo e dos tucanos.
Valor: Vê a possibilidade de diálogo com o centro, centro-direita?
Boulos: O Centrão está com Bolsonaro. O presidente discute se vai para o PP. O Centrão já se acomodou no governo. A parte mais orgânica está muito envolvida para tomar a máquina pública e tentar a reeleição em 2022. Sempre defendi construir pontes para defender a democracia e contra o autoritarismo de Bolsonaro, seja com quem for. Isso não significa identidade de projeto político. Projeto de Luciano Huck, de Doria, de Sergio Moro é bem diferente do nosso. Ver o Doria, que tem a caneta na mão, falar de combate à desigualdade social é uma piada de péssimo gosto. Doria representa a política mais elitista, que reproduz a desigualdade social. O governo anunciou um dia depois da eleição o corte de jantar em restaurante popular. É um nível de crueldade, de falta de empatia… É uma materialização da elite paulista e brasileira que se ergue e se mantém com a desigualdade social.
Valor: Pretende fazer oposição no dia a dia contra Covas?
Boulos: A bancada na Câmara, não só do Psol, mas da esquerda, vai fiscalizar e fazer oposição. Tenho responsabilidade de cobrar, fiscalizar, ajudar a organizar a oposição em São Paulo, onde moro e tive dois milhões de votos. Mas não estarei só em São Paulo. Pretendo viajar pelo país, ajudar a organizar lutas e movimentos.
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