Delegada critica “comportamento masculino patriarcal”

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O feminicídio da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, do Tribunal de Justiça do Rio, assassinada a golpes de faca pelo ex-marido na véspera do Natal e diante das três filhas do casal, não é um caso isolado. Durante as comemorações natalinas, pelo menos outras seis mulheres entraram para as estatísticas do crime no Brasil.

Além do gênero das vítimas, os assassinatos tiveram outra característica em comum: foram cometidos por seus companheiros ou ex-parceiros. A combinação dos dois fatores configura um padrão que se repete na maioria dos casos de feminicídio – o assassinato de uma mulher em contexto de violência doméstica e familiar ou em decorrência do menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Dados reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Atlas da Violência 2020 apontam que entre 2013 e 2018 a taxa de homicídios de mulheres fora de casa diminuiu 11,5% enquanto as mortes dentro de casa aumentaram 8,3%. “Um indicativo do crescimento de feminicídios”, diz o documento.

O Estadão conversou com a subsecretária de Políticas para Mulheres do Rio de Janeiro, Cristiana Onorato Miguel Bento, para saber sobre os projetos de combate à violência de gênero a serem ampliados pela pasta no próximo ano. Entre eles, o auxílio moradia para vítimas de violência doméstica, a reserva de vagas para mulheres em concursos públicos e a abertura de canais de sugestão para ouvir a população feminino sobre políticas públicas.

“Em um longo espaço de anos percebemos que muito pouco se avançou. É necessária uma mudança radical em paradigmas claros”, defende.

Delegada, Cristiana assumiu o cargo no início deste mês e ficou famosa pela condução do caso ’30 contra todas’, que investigou o estupro coletivo contra uma adolescente após um baile funk no Rio. O abuso foi filmado e compartilhado nas redes sociais. Ao liderar o caso, mudou o foco da investigação, antes voltada para a vida pregressa da vítima, para a participação de cada homem no crime.

“Como mulher sempre me colocava na ótica da estrutura machista que é encontrada em qualquer lugar da sociedade civil”, lembra.

Após o assassinato da juíza Viviane, a subsecretária defendeu ‘tolerância zero’ em casos de feminicídio. “Não podemos mais permitir esse tipo de comportamento masculino patriarcal”, afirma.

Leia a entrevista completa:

ESTADÃO: O que nós como sociedade poderíamos ter feito para que casos como o da juíza Viviane não tivessem o fim que tiveram? Onde nós falhamos?

Cristiana Onorato Miguel Bento: O endurecimento de leis por si só não garante o desaparecimento de atitudes como essa. A reeducação nos lares e políticas públicas são os fatores principais para uma mudança de paradigmas no que se refere as relações entre homens e mulheres.

ESTADÃO: Estudos mostram que a maioria dos feminicídios é cometida por ex-companheiros depois de uma separação recente, tem os filhos do casal como vítimas secundárias e tira a vida de mulheres que não contavam com medidas protetivas. Como era ser mulher e conviver concretamente com esse padrão durante sua carreira como delegada investigando casos semelhantes de crimes de gênero?

Cristiana Bento: A isenção técnica é fundamental mesmo porque a ideologia deve encarada fora do processo, pois o delegado é o primeiro a garantir os direitos fundamentais. No entanto, como mulher sempre me colocava na ótica da estrutura machista que é encontrada em qualquer lugar da sociedade civil. A ótica feminina permite uma leitura mais sensível e mais exata do sentimento da vítima sem dúvida alguma.

ESTADÃO: A senhora defendeu ‘tolerância zero’ em casos de feminicídio. Pode explicar em que sentido e como?

Cristiana Bento: Leis mais duras não impedem novos acontecimentos, mas o simbolismo é fundamental. Tolerância zero é não permitir mais o mesmo tratamento como brincadeiras, músicas, desigualdade no ambiente de trabalho e etc. Não podemos mais permitir esse tipo de comportamento masculino patriarcal.

ESTADÃO: Na sua avaliação, ainda há dificuldade de enquadrar assassinatos contra mulheres em razão do gênero não como homicídios dolosos, mas como feminicídios? Se sim, por quê?

Cristiana Bento: Na minha ótica fica muito fácil de enxergar, não aplica quem não quer. Basta uma análise simples se existia ali (diante do caso concreto) ou não um vínculo mínimo afetivo.

ESTADÃO: A senhora conduziu o caso ’30 contra todas’ e mudou o foco da investigação, antes voltada para a vida pregressa da vítima. Essa é uma dinâmica muito comum em crimes de gênero: tentar deslegitimar a mulher. A gente viu isso no assassinato da Ângela Diniz, lá na década de 1970, viu neste ano na audiência do julgamento da influenciadora Mari Ferrer. São dois exemplos separados por décadas, mas sabemos que não são casos isolados. A senhora acha que a gente avançou nessa mudança de parâmetro?

Cristiana Bento: Em um longo espaço de anos percebemos que muito pouco se avançou. É necessário uma mudança radical em paradigmas claros. A mudança começa daqueles que formam opinião e que fazem da mulher um ‘objeto’. De Ângela a Mariana muito pouco mudou, sobretudo no interiores de cidades pequenas e em comunidades carentes, evidente que a classe não traduz uma maior conscientização ou não, mas esconde números claríssimos de violência contra mulheres negras e pobres.

ESTADÃO: Na avaliação da senhora, os órgãos de investigação e a Justiça estão preparados para lidar com os crimes de gênero?

Cristiana Bento: Mudanças são necessárias ainda hoje é possível ver uma relativização com a palavra da vítima e a análise de sua vida para garantir a fidelidade em sua palavra. Muitos tribunais brasileiros ainda não estão preparados para essa demanda que necessita de auxílio multidisciplinar.

ESTADÃO: Concorda com a declaração da promotora Nathalie Malveiro, do Ministério Público de São Paulo, de que ‘para cada mulher que morre vítima de feminicídio, falharam um juiz e um promotor de justiça que não deram importância para a situação’?

Cristiana Bento: A expressão parece buscar um responsável para um dado estatístico, mesmo porque por trás de cada juiz, promotor e qualquer outro operador do direito existe um ‘homem’ formado por sociedade patriarcal que nos oferece como herança um sentimento de desigualdade entre mulheres e homens. Diria que a responsabilidade é de todos nós, até mesmo de nós mães que temos o grande desafio de educarmos nossas filhas atentas para o subjugo masculino.

ESTADÃO: A senhora é subsecretária de Políticas para Mulheres no Rio. A existência do cargo já indica um ganho na luta pelos direitos dessa população. Na avaliação da senhora e com a sua experiência, quais são os eixos mais urgentes na luta contra o machismo que precisam ser enfrentados com políticas públicas? O que está em discussão na pasta?

Cristiana Bento: O reconhecimento desta pasta e secretária é sem dúvida um espaço importantíssimo, não só pela luta por políticas públicas para mulheres, mas também por identificar que somente uma mulher pode ter esse lugar de fala. Existem inúmeros programas que a subsecretaria pretende dar maior ênfase para o ano de 2021, como o auxílio social, auxílio moradia para vítimas de violência doméstica, bem como a equidade de vagas em concursos públicos cuja predominância é masculina, respeito aos espaços públicos em trens e vagões, entre outros. A subsecretaria terá um canal de comunicação com toda e qualquer mulher que queira de alguma forma sugerir ideias. A minha própria profissão possui esmagadoramente homens em sua administração. O século 21 será o século da vitória feminina e isso só será possível com a mobilização social e não diante de paliativos anuais e não eficazes, o tema é de debate permanente.

Estadão 

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