Imprensa deve bater boca com Bolsonaro?

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Foto: Carvall/Reprodução

Após dois anos de governo, cobrir o presidente da República e seu entorno ainda é, para a imprensa como um todo, percorrer um caminho sinuoso.

No domingo (13), diante da desorganização do governo em torno de um plano consistente de vacinação contra a Covid-19, a Folha publicou um editorial na primeira página do impresso cuja linguagem estava muitos tons acima do adotado nesse tipo de recurso.

Discorrendo sobre a “estupidez assassina de Jair Bolsonaro diante da pandemia”, o texto chama o presidente de “sabotador de primeira hora das medidas sanitárias” e diz que é hora de deixar de lado a irresponsabilidade delinquente e ao menos fingir capacidade e maturidade.

Se isso não acontecer, alerta de que não faltarão meios jurídicos e políticos de obrigar o presidente e seu “círculo de patifes” a adquirir, produzir e distribuir vacinas eficazes.

Foram mais de 400 comentários no site da Folha, boa parte deles de aprovação. “Contundente e necessário editorial, Folha” disse um leitor. “Bravo, Folha!”, afirmou outro. “Maravilha de editorial. Agora falta um similar para Paulo Guedes”, disse um terceiro.

Entre os que desaprovaram o texto, destacaram-se as menções à linguagem “desrespeitosa” e “desnecessária” adotada.

Como já sabemos, quando lhe cobram explicações ou quando se sente pressionado por algum acontecimento, Bolsonaro busca se eximir de responsabilidade, promovendo barulho em torno de outra questão, que logo ganha eco na imprensa e se sobrepõe a qualquer debate razoável sobre o que, de fato, interessa.

No entanto, tenho dúvidas sobre quão produtivo é para a imprensa lançar mão das mesmas armas: o bate-boca vazio.

Na quinta (17), Bolsonaro não só disse que não vai tomar a vacina como advertiu de que “nem vacina tem”—como se não fosse responsabilidade dele e de seu governo providenciá-la.

Na sexta (18), ao discursar para soldados formandos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Bolsonaro subiu mais alguns tons no discurso e jogou policiais contra jornalistas.

Disse que a imprensa sempre estará contra os policiais e chegou a recomendar, em atitude que merece mais explicações, que policiais pensem dessa forma antes de agir.

“Em uma fração de segundos está em risco a sua vida, [a] do cidadão de bem ou [a] de um canalha defendido pela imprensa brasileira. Não se esqueçam disso. Essa imprensa jamais estará ao lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma para poderem agir”, disse Bolsonaro em relato feito pela Folha.

As palavras foram ditas duas semanas após a morte a tiros de duas meninas, Emily, 4, e Rebeca, 7, em caso investigado pela Polícia Civil do Rio, e apenas três dias depois de a Folha publicar reportagem que indica que policiais mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes no país em três anos.

Mesmo diante de um presidente, como diz o texto da Folha, incapaz de fingir capacidade ou maturidade, editoriais com linguajar agressivo correm o risco de terem destino semelhante às notas de repúdio feitas aos montes ao longo de 2020: o esquecimento.

Além disso, em oposição à indignação demonstrada, chama a atenção a condescendência reservada pela imprensa a parte do entorno do presidente, sendo o ministro da Economia, Paulo Guedes, como apontou o leitor, o exemplo mais reluzente.

Em balanço feito na sexta-feira, Guedes responsabilizou o mundo político (e a imprensa) por promessas não cumpridas e, na falta de cobranças mais firmes dos jornais, sentiu-se à vontade para dizer que não promete mais nada.

No mesmo dia, ganhou chamada de capa do jornal Valor Econômico, que lhe atribuía o “golaço” da reforma da Previdência, além de uma capa marqueteira de Veja em que volta a fazer promessas grandiosas. ​

No mais, voltando ao editorial da Folha, chamar de “descaso homicida”, a postura de alguém cujas promessas de destruição e morte se acumulam há décadas, mais do que desrespeitoso ou desnecessário, é tardio e inócuo.

O editorial parece querer intimidar Bolsonaro com xingamentos, mas corre o risco de ser esquecido porque, nesses termos, o presidente é imbatível.

Melhor fez reportagem do UOL publicada na mesma sexta. Ao situar os ataques feitos à imprensa no evento com a PM do Rio, lembrou que eles ocorreram no dia em que duas revistas semanais—Época e Crusoé— trouxeram novas informações sobre a suposta ajuda da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) à defesa do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”.

Em resumo, se não houve reação do governo em relação ao editorial destemperado da Folha, após as reportagens que vêm apontando os rumos de uma suposta ajuda da Abin à defesa do filho Flávio, disse o presidente: “A maior fábrica de fake news está na grande parte da imprensa brasileira. Isso é uma vergonha para o mundo”.

O incômodo parece deixar claro que jornalismo investigativo é um tiro mais certeiro que a exibição de superioridade intelectual, travestida em palavrório agressivamente rebuscado.

Folha  

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