Rede e PSB pedem afastamento de Ramagem
Foto: Adriano Machado / Reuters
A Rede Sustentabilidade e o PSB pediram nesta sexta-feira (18) ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento de Alexandre Ramagem do cargo de diretor-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Segundo os partidos, “o temor da existência de uma Abin paralela efetivamente está se concretizando no mundo real”.
“Fazem-se relatórios paralelos, não oficiais, não registrados, fora de qualquer rastro de controle de juridicidade e constitucionalidade, mas utilizando-se de servidores públicos e dos sistemas da Abin, com o aparente único fito de promover fins pessoais do Sr. presidente, que deveria ser da República, e de seus familiares”, afirmam as siglas.
O pedido dos partidos foi enviado à ministra Cármen Lúcia. Nesta sexta-feira, Cármen determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue as acusações de que Ramagem orientou a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das rachadinhas. A ministra também fixou um prazo de 30 dias para que a PGR informe ao Supremo as “ações efetivamente adotadas para a elucidação dos fatos”.
Em entrevista à revista Época publicada nesta sexta-feira, 18, a advogada do parlamentar, Luciana Pires, admite ter recebido relatório informal de Ramagem dando coordenadas de como agir para tentar inocentar Flávio no caso.
Para a Rede Sustentabilidade e o PSB, a Abin “não é um órgão que serve a quaisquer tipos de fins, mas somente aos públicos”.
“Se autoridades querem promover uma espécie de contra-investigação para apurar eventuais nulidades, que isso se dê de forma particular, com a contratação de perícias particulares, serviços advocatícios especializados e outros. E frise-se que isso até poderia ser legítimo, justamente para resguardar a mais ampla defesa. Não se pode, contudo, utilizar a estrutura pública para tal finalidade”, sustentam os partidos.
A Abin informou em nota que a imputação por qualquer pessoa de vinculação dos supostos relatórios à agência ou ao diretor-geral é “equivocada ou deliberadamente realizada com objetivo de desacreditar uma instituição de Estado e os servidores que compõem seus quadros”.
Em sua decisão, Cármen determinou que a PGR seja notificada “para investigar os fatos descritos, os quais, pelo menos em tese, podem configurar atos penal e administrativamente relevantes (prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa)”.
“Não se pode desconhecer a seriedade do quadro. Os fatos descritos precisam ser investigados e sobre eles há de exigir conclusão dos órgãos competentes em sede jurídica própria. Podem estar presentes, como parece ao menos em tese, indícios que podem indicar prática de delito praticado por autoridade com foro por prerrogativa de função, pelo que o encaminhamento dos documentos trazidos aos autos à Procuradoria-Geral da República é medida que se impõe para a adequada e célere apuração dos fatos expostos e conclusão”, escreveu a ministra.
“O plenário deste Supremo Tribunal Federal foi expresso ao afirmar que somente o interesse público formalmente demonstrado pode constituir elemento legitimador do desempenho administrativo. Ficou cravado não ser admissível abuso de direito e desvio de finalidade, caracterizado pelo uso do espaço e dos órgãos e instrumentos públicos para atender interesses particulares.”
A orientação da Abin à defesa do Flávio foi revelada na semana passada, também pela Época, e confirmada pelo Estadão. Em dois documentos enviadas à advogada, há detalhes do funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo a defesa do senador, teria feito uma devassa nos dados fiscais do filho do presidente. Em um dos documentos, a finalidade descrita é ‘Defender FB no caso Alerj’.
Após Cármen cobrar informações, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão a qual a agência é vinculada, e a Abin negaram terem produzido qualquer relatório oficial para auxiliar a defesa do senador.
Segundo a Abin, não existe “relatório produzido institucionalmente” pela agência a favor de Flávio Bolsonaro. “Há que se esclarecer, pelos órgãos competentes, se ‘não institucionalmente’ também não foi produzido algum documento daquela natureza e quais os interesses e interessados”, ressaltou a ministra.
O filho do presidente é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de comandar um esquema que desviava salários de funcionários do seu gabinete no período em que era deputado estadual – a chamada “rachadinha”. Flávio nega irregularidades.
Entre as sugestões listadas pela agência à defesa do senador estão a demissão de servidores do Fisco e da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pela fiscalização da administração pública.
Na terça-feira, 15, ao comentar o caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que são “graves” as acusações de que a Abin passou orientações para auxiliar a defesa de Flávio, mas ressaltou na ocasião que ainda faltavam provas para confirmar o episódio. Aras também cobrou informações do GSI e da Abin sobre o caso. “O fato em si narrado é grave, o que não temos são provas desses fatos, nós não trabalhamos com narrativas. Trabalhamos com fatos e provas”, disse o procurador-geral na ocasião.
Nos bastidores do MPF, Aras tem sido criticado por demorar a tomar medidas no caso. Primeiro, após a primeira reportagem sobre o tema, em outubro, o procurador recebeu representações de parlamentares da oposição, mas não chegou a pedir informações à Abin e ao GSI. Somente com novas informações, indicando a produção de um relatório, ainda que informal, é que o órgão decidiu pedir informações.
Reportagem da revista Crusoé também publicada nesta sexta-feira afirma que Bolsonaro montou uma espécie de “Abin paralela” dentro do órgão de inteligência, que é subordinado ao GSI do general Augusto Heleno. Além de Ramagem, outros dois agentes da PF foram levados para integrar a agência e coordenar esse núcleo responsável por levantar informações sensíveis ao presidente.
São eles Marcelo Bormevet, chefe da Coordenação-geral de Credenciamento de Segurança e Análise de Segurança Corporativa, e Flávio Antônio Gomes, superintendente da Abin em São Paulo. Um quarto nome, o papiloscopista da PF João Paulo Dondelli, foi contratado no Ministério das Comunicações e também faz parte do grupo, segundo a revista.
Todos eles fizeram parte da equipe que fez a segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral e se aproximaram da família, em especial do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), o “Zero Dois”.
Como mostrou o Estadão, a revelação de que a Abin estava sendo usada para orientar a defesa do Flávio provocou reações de insatisfação entre associações de servidores da Abin. A ala dos oficiais e agentes de carreira vive um desconforto com ações supostamente atribuídas a servidores de fora, nomeados por Ramagem.
Após chefiar a equipe de segurança da campanha de Bolsonaro, Ramagem ganhou intimidade com os filhos do presidente, com quem costuma confraternizar. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferência para influenciar nas investigações contra filhos do presidente.
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