Entenda o que está em jogo na eleição na Câmara
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
A retomada dos trabalhos no Congresso Nacional na próxima segunda-feira (1º) será marcada pela eleição dos comandos da Câmara dos Deputados e do Senado.
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) deixará o cargo exercido por ele desde julho de 2016. Já o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) encerra o período iniciado em fevereiro de 2019 à frente da Casa.
Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional a reeleição de presidentes da Câmara e do Senado na mesma legislatura, como prevê a Constituição e o regimento das duas Casas. Com isso, haverá mudança no comando do Congresso.
Entenda como funciona a eleição.
A primeira etapa é a definição dos pré-candidatos, com início para a negociação de votos. Com a indefinição sobre a possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre, esse processo só ganhou força em janeiro, após o veto do Supremo.
Na Câmara, os principais nomes são os deputados Arthur Lira (PP-AL), que lançou a candidatura dias após a decisão do STF e tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia, anunciado em 23 de dezembro.
Com a oficialização do apoio do Solidariedade na última segunda-feira (18), o número de partidos em torno de Baleia chegou a 12. Essas siglas somam 292 deputados. Já Lira tem 10 legendas ao seu lado, com 206 parlamentares. O voto, porém, é secreto, e traições são esperadas de ambos os lados.
Para ser eleito presidente da Câmara em primeiro turno, o deputado precisa de 257 votos.
Também estão na disputa Alexandre Frota (PSDB-SP), André Janones (Avante-MG), Capitão Augusto (PL-SP), Fábio Ramalho (MDB-MG), Luiza Erundina (PSOL-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS).
Especialistas ouvidos pela Folha apontam que, apesar do apoio de Bolsonaro, não é possível assegurar que Lira, se eleito, será de fato um presidente alinhado ao governo.
A professora Graziella Testa, da Escola de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas do Distrito Federal, afirma que o fato de Bolsonaro não estar filiado a nenhum partido torna a relação mais frágil.
“[A falta de um partido] pode gerar um problema para ele [Bolsonaro] e frustrar a capacidade de construção de coalizão do presidente da República”, diz ela, lembrando que o processo de construção de governabilidade no Congresso desafiou todos os presidentes.
Para Arnaldo Maurberg, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), não há como prever quanto tempo irá durar a boa relação de Lira e Bolsonaro.
“Com o Arthur Lira, acredito que num primeiro momento você talvez vá ter um relacionamento mais harmonioso com o Executivo, que não sei te dizer até quando vai durar.”
No Senado, Alcolumbre oficializou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como candidato, que recebeu o apoio de Bolsonaro e também do PT.
A principal oponente é a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Simone Tebet (MDB-MS). O partido dela tem a maior bancada da Casa, com 15 senadores, e a emedebista já soma 27 votos de três partidos, enquanto Pacheco tem o apoio de nove legendas que somam 41 senadores, justamente o número necessário para vencer a disputa.
Na Câmara dos Deputados, cabe ao presidente o controle da pauta do plenário, que, até o final de 2020, tinha mais de mil projetos na fila. Em sua gestão, Maia priorizou pautas da área econômica, como a reforma da Previdência, e deixou de lado projetos conservadores.
A professora Graziella Testa afirma que diante da fragmentação partidária, que coloca o presidente como um articulador, e do trabalho remoto, que impede o funcionamento das comissões centralizando o poder nos líderes, o papel do presidente “nunca foi tão importante”.
Maurberg, da UnB, acrescenta que cabe ao Executivo negociar um nome, mas também buscar pontes caso outro candidato seja eleito, uma vez que além do controle da agenda, o chefe da Casa também é quem autoriza ou não a abertura do processo de impeachment do presidente da República.
“É muito importante que o Executivo tenha um papel não muito ativo, mas não muito omisso”, diz, citando os atritos de Fernando Collor com Ibsen Pinheiro e de Dilma Rousseff com Eduardo Cunha.
Além disso, o presidente da Câmara também é o segundo na linha sucessória da Presidência da República, seguido pelo presidente do Senado, que tem entre suas atribuições presidir as sessões conjuntas do Congresso, além de ter controle da pauta da Casa. A professora Testa, porém, destaca que a agenda no Senado costuma ser menos conflituosa.
Os membros da Mesa Diretora têm mandato de dois anos e a reeleição é vedada pela Constituição.
Na Câmara dos Deputados e no Senado, a mesa e a comissão diretora são compostas por sete integrantes titulares, incluso o presidente, dois vice-presidentes e quatro secretários, além de quatro suplentes.
Na Câmara, os cargos da Mesa Diretora são distribuídos entre os partidos com base na representação partidária e por acordo entre as bancadas. Além dos candidatos escolhidos pelos partidos ou blocos partidários, pode haver candidatura avulsa, desde que seja da mesma bancada ou bloco.
O secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira, explica que na Casa o regimento prevê quatro etapas de votação para definição da comissão diretora, porém, por acordo entre os partidos, que já fazem a divisão por proporcionalidade, a formação costuma ser feita com duas votações.
“Depois de eleito e empossado o presidente, ele abre a eleição dos secretários, vice-presidentes e dos suplentes, que geralmente se faz por chapa. É raro ver no Senado disputas para cargos que não o de presidente, diferente do que acontece na Câmara”, diz.
Nas duas Casas, o processo de votação é secreto, o que significa que mesmo com a formação de blocos de apoio, não há como garantir que todos os parlamentares respeitarão a orientação encaminhada pelo comando de seus partidos.
“Eles podem inclusive fazer um acordo com o partido e com o governo e votar diferente se considerarem que podem ter maior visibilidade”, afirma Testa.
A sessão para eleição da presidência só é aberta após o quórum necessário ser atingido, 257 votantes na Câmara e 41 no Senado. A primeira etapa de votação é para a presidência. Se nenhum candidato atingir a maioria absoluta, a disputa vai para o segundo turno, entre os dois mais votados.
O professor Mauberg destaca que no meio da legislatura uma diferença é que os parlamentares iniciantes já estão habituados aos ritos e não há o estranhamento comum no dia da posse.
Bandeira, secretário-geral da Mesa do Senado, acrescenta que outra diferença é que, no início da legislatura, a eleição precisa ser feita obrigatoriamente no dia 1º de fevereiro, porque o mandato anterior foi concluído e não há Congresso, o que explica o fato de eleições já terem ocorrido em finais de semana.
O regimento da Câmara prevê eleição por urna eletrônica, enquanto o do Senado estabelece a votação por cédulas de papel. Apesar disso, Bandeira lembra que, em 2017, o senador Eunício Oliveira (MDB-CE) foi eleito de forma eletrônica, mas em 2019 os senadores pediram que o regimento fosse seguido. “A questão do voto em papel nos pegou de surpresa. Não estávamos prevendo”, afirmou.
A eleição foi marcada por confusão e a primeira etapa de votação precisou ser refeita após a constatação de que havia 82 cédulas na urna, sendo que só há 81 senadores.
O PSDB decidiu abrir seus votos para Alcolumbre, movimento seguido por Flávio Bolsonaro (então no PSL, hoje no Republicanos-RJ) e que levou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) a retirar sua candidatura.
“A votação deverá seguir os tramites regimentais e o regimento prevê a votação em papel, então estaremos prontos para fazer a votação em papel, salvo se o plenário, na hora da votação, quiser fazer eletrônico. Não vamos querer inovar”, afirma Bandeira, secretário-geral da Mesa do Senado.
Para Testa, as principais diferenças entre as votações das duas Casas são o número de votantes e a influência dos partidos. Diferentemente do que acontece na Câmara, afirma, no Senado as siglas têm menos peso no processo, em que também é considerada a representação regional.
Apesar da pandemia de Covid-19, as duas Casas informaram que irão realizar a votação de forma presencial.
As assessorias da Câmara e do Senado afirmaram que ainda não há definição sobre alterações adicionais na sessão de votação.
Para evitar aglomeração no plenário, deputados estudam colocar urnas no Salão Verde e em outras salas da Câmara, além de promover uma votação com horários pré-estabelecidos e também pelo esquema “drive-thru”.
Bandeira afirma que seguramente haverá uma série de cuidados novos em relação aos já adotados nas sessões presenciais, como o uso de máscaras. “Estamos avaliando se é o caso de usar luvas, mas por enquanto a ideia é a desinfecção da cabine a cada usuário.”
Além dos poderes políticos, os presidentes das Casas têm direito a uma série de regalias, como residir em mansões vizinhas na Península dos Ministros, área nobre de Brasília, com despesas de pessoal e manutenção pagas pelo Congresso.
O imóvel da Câmara tem 894 m² de área construída e conta com piscina, churrasqueira, quatro quartos, jardim e varanda, estrutura semelhante à residência de três quartos do Senado, com área construída de 979 m².
Os presidentes também mantêm seus gabinetes no Congresso e ainda ocupam o destinado à presidência, muito mais amplo, com uma grande sala de reunião e vista para a Praça dos Três Poderes.
O chefe da Câmara ainda ganha o direito de nomear mais 46 pessoas para cargos comissionados. O do Senado pode nomear até 42 funcionários.
Além de carro com dois motoristas, os presidentes também têm o direito de usar livremente aviões da FAB (Força Aérea Brasileira), fugindo de saguões de aeroportos, benefício que consideram mais importante. O uso é ilimitado, bastando aviso com poucas horas de antecedência para a preparação.
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