Indicado de Bolsonaro tende a votar pró Lula no STF
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Novato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Nunes Marques deve selar o destino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no habeas corpus que discute se o ex-juiz federal Sérgio Moro agiu com parcialidade ao condenar o petista no processo do triplex do Guarujá. O julgamento é acompanhado de perto por aliados de Jair Bolsonaro, responsável por indicar o magistrado à Corte, pois uma vitória de Lula pode abrir caminho para que ele volte ao páreo da disputa eleitoral de 2022. Segundo o Estadão apurou, a Segunda Turma deve retomar a análise da ação ainda neste semestre.
A discussão, iniciada em dezembro de 2018, ganhou força após hackers divulgarem mensagens privadas trocadas por Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Na semana passada, uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, também integrante da Segunda Turma, garantiu à defesa de Lula acesso à íntegra do material obtido pelo grupo de criminosos virtuais.
O objetivo do petista é fazer um pente-fino nas mensagens para tentar reforçar as acusações de que o ex-juiz o encarava como um “inimigo” ao condená-lo a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Foi com base nessa condenação, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Inelegível, ele teve o registro de candidatura negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, o que obrigou o PT a substituí-lo por Fernando Haddad na cabeça da chapa.
A defesa do ex-presidente acredita que uma decisão favorável no Supremo – e a consequente anulação da condenação – pode tornar o ex-presidente elegível novamente, afastando empecilhos jurídicos a uma eventual candidatura à Presidência em 2022.
Essa possibilidade de uma disputa contra Lula no ano que vem agrada a aliados de Bolsonaro, que deve tentar a reeleição. Ao longo das últimas semanas, o presidente tem reforçado a polarização política com o PT, um adversário considerado pelo Planalto mais previsível e frágil – e já derrotado nas urnas.
A estratégia eleitoral da “nova direita” tem sido apostar no antipetismo, aponta o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Então ter o Lula num segundo turno, mantidas as demais condições atuais constantes, pode favorecer, sim, o Bolsonaro em função da rejeição atual a Lula e ao PT. Nesse sentido, um nome alternativo, de centro ou centro-direita, que aglutinasse diversas forças, teria, atualmente, mais chance”, diz.
“Mas o problema com esse raciocínio é que ele é estático e descarta os efeitos da campanha eleitoral. O fato de hoje estar alta (a rejeição), não quer dizer que permaneça nesse patamar depois da campanha eleitoral.”
O julgamento do habeas corpus que trata da sua suspeição é um dos duelos que Moro deve travar no Supremo nos próximos meses. Além da “disputa” com Lula envolvendo a sua atuação como juiz federal da Lava Jato em Curitiba, o ex-ministro da Justiça rivaliza com o próprio Bolsonaro no inquérito que investiga se houve interferência indevida do chefe do Executivo na Polícia Federal. O plenário da Corte vai decidir em fevereiro como deve ser o depoimento do presidente da República à PF – se presencial ou por escrito.
Se a Segunda Turma, formada por cinco dos 11 ministros do STF, concordar com a tese de que Moro se comportou como um opositor de Lula no caso do tríplex, a condenação deve ser derrubada, fazendo o processo voltar à estaca zero. Uma decisão nesse sentido também poderia respingar em outro caso, o do sítio de Atibaia, no qual Lula também já foi condenado em segunda instância.
A atuação de Moro na ação do sítio foi menor: coube ao ex-juiz da Lava Jato aceitar a denúncia e colocar o ex-presidente no banco dos réus mais uma vez. A condenação, no entanto, foi assinada pela juíza Gabriela Hardt, depois que o ex-juiz já tinha abandonado a magistratura para assumir um cargo no primeiro escalão do governo Bolsonaro.
“(O recebimento da denúncia) É um ato processual importante. A suspeição não se dá em um processo apenas, mas na relação com o réu. A questão da parcialidade não é em qual processo, mas com qual réu, no caso o ex-presidente Lula. Há uma contaminação (na ação do sítio), porque atos processuais importantes foram proferidos por Moro”, avalia a advogada criminalista Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da FGV São Paulo.
A defesa de Lula já pediu ao ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma do STF, “prioridade” na conclusão do julgamento sobre a suspeição de Moro. Em dezembro de 2018, foi Gilmar quem pediu vista (mais tempo para análise), interrompendo o exame do caso depois que dois colegas já tinham votado contra as pretensões do petista.
O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia, rejeitaram o habeas corpus – nos bastidores da Corte, é considerado pouco provável que os dois alterem o voto proferido há mais de dois anos. As mensagens obtidas pelos hackers foram divulgadas pelo site “The Intercept Brasil” meses depois do início do julgamento. Ainda faltam três votos: de Gilmar, Lewandowski e Nunes Marques.
Gilmar e Lewandowski são dois dos principais expoentes da ala garantista do STF, críticos ferozes aos métodos de investigação da Lava Jato – e mais inclinados a ficar ao lado dos direitos de réus. Em um julgamento em agosto do ano passado, os dois atacaram Moro e indicaram que votarão pela suspeição do ex-juiz.
Naquela ocasião, a Segunda Turma analisou um outro pedido da defesa de Lula, para que a delação do ex-ministro Antonio Palocci fosse excluída da ação penal que mira o Instituto Lula. Gilmar e Lewandowski afirmaram que há indicativos de que Moro quebrou a imparcialidade e violou o sistema acusatório ao incluir a delação de Palocci na investigação e torná-la pública a seis dias da disputa eleitoral de 2018.
Para Lewandowski, a inclusão da delação de Palocci na ação, por iniciativa do próprio Moro, e o levantamento do sigilo na reta final do primeiro turno, mostram “inequívoca quebra da imparcialidade”. Esse é justamente um dos principais pontos que a defesa de Lula também levantou no caso da suspeição de Moro.
Como Gilmar e Lewandowski já sinalizaram o voto pela suspeição de Moro, a definição do placar deve ficar com Kassio Nunes Marques. O ministro assumiu uma cadeira na Corte em novembro do ano passado, por indicação de Bolsonaro – e com o aval do Centrão. Em julgamentos e decisões individuais, Nunes Marques tem tomado decisões e proferido votos alinhados aos interesses do Palácio do Planalto e da classe política. De um lado, recebe críticas reservadas dos colegas no STF, mas de outro vem ganhando afagos públicos do presidente da República.
Nunes Marques também já se alinhou a Gilmar e Lewandowski para impor reveses à Operação Lava Jato na Segunda Turma. Com o apoio dele, o colegiado arquivou inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), determinou a soltura de um promotor denunciado por corrupção e manteve a decisão de retirar a delação de Palocci da ação penal sobre o Instituto Lula.
Moro afirmou ao Estadão que o TRF-4 e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram, “sempre por unanimidade”, a condenação criminal imposta a Lula no caso do triplex do Guarujá, “não havendo qualquer vício nela”. O gabinete de Nunes Marques e a assessoria de Lula também foram procurados pela reportagem, mas não se manifestaram.
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