Supremo e Bolsonaro estão em “guerra fria”
Foto: Marcos Correa
Dia desses, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, disse à coluna que “a relação da Corte com o Palácio do Planalto é hoje de independência e harmonia”. Ok, vamos partir desse princípio. De fato, há tempos o presidente Jair Bolsonaro não compara o tribunal a uma hiena (sim, teve isso em 2019), nem critica nominalmente um ministro (quem não se lembra de que Alexandre de Moraes foi alvo de ataques do mandatário no ano passado?). Mas a conjuntura atual está longe de ser sinônimo de paz na Praça dos Três Poderes.
Ultimamente, Bolsonaro vem dando alfinetadas no Supremo. Reclamou que o tribunal interferiu na tributação sobre armas. De fato, o presidente tinha criado alíquota zero para a importação de revólveres e pistolas e a Corte devolveu a taxa de 20%. Em seguida, o presidente reclamou de ter sido “castrado” pelo Supremo em relação à crise sanitária em Manaus, porque o tribunal teria proibido o governo federal de agir para combater a pandemia nos estados.
Foi a gota d’água para que a linha tênue entre a paz e a crise fosse rompida na melindrada relação entre o STF e o governo. Fux, que seguia em silêncio diante de recentes provocações de Bolsonaro, acabou se manifestando publicamente. Em uma nota curta, fez o que seu antecessor, Dias Toffoli, deixou de fazer nos dois anos anteriores no comando do tribunal. A nota desmentiu o presidente e explicou que, no início da pandemia, a Corte fixou que União, estados e municípios têm a obrigação de adotar medidas no combate à pandemia.
A ideia da nota, no entanto, não partiu somente de Fux. Diante da repercussão da narrativa de Bolsonaro nas redes, o ministro Gilmar Mendes sugeriu que o tribunal desse uma explicação à sociedade e uma resposta às investidas do presidente. Fux, que estava no clima de “independência e harmonia”, quebrou o silêncio e comprou a ideia. Considerou que a imagem da Corte ficaria manchada se a inverdade continuasse sendo propagada.
Curioso, mas não menos importante, é como se movimentam as forças dentro do tribunal em momentos de crise com outros Poderes. É como na sua família: você briga com o seu irmão, fala mal do seu pai. Mas experimenta ver alguém de fora concordar com os seus comentários. A relação entre Fux e Mendes estava bastante estremecida. Entre ambos, construiu-se um muro desde o julgamento que proibiu Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) de concorrerem à reeleição no Congresso Nacional. Mendes ficou no grupo vencido, que votou pela reeleição. Fux acabou arrebanhando a maioria para vetar a possibilidade.
Na sequência desse julgamento, Mendes chegou a confidenciar a interlocutores que não mediria esforços para prejudicar a gestão de Fux. Inclusive agora, durante o recesso do Supremo, quando o presidente do tribunal costuma ficar responsável pelas decisões urgentes, Mendes declarou, junto com outros ministros, que cuidaria dos seus próprios processos e não tiraria férias. Claramente, uma iniciativa para tentar esvaziar a administração do colega.
Mas quando o calo aperta, quando o adversário é externo, os ministros acabam se unindo em defesa do Supremo. E, no meio do fogo cruzado, Fux e Mendes conseguiram passar por cima das diferenças. No jogo de forças entre o STF e o Planalto, haverá sempre um placar potencial de 11 ministros contra um mandatário.
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