Trump pode sofrer impeachment até deixar o cargo

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Foto: Tasos Katopodis/Getty Images

Pode um presidente ser submetido a julgamento político mesmo depois de deixar de ser presidente?

Essa é uma das opções na mesa de Nancy Pelosi – devidamente recuperada, depois que o folgado Richard Barnett, o homem que pôs os pés na escrivaninha do gabinete da presidente da Câmara, foi identificado e preso.

A Câmara dos Representantes deve aprovar hoje ou amanhã, em rito sumaríssimo, o segundo impeachment de Donald Trump com o voto unânime dos 222 democratas e possivelmente alguns republicanos que consideram criminoso o comportamento do presidente ao incentivar seus partidários a “marchar” até o Capitólio, desencadeando os estonteantes acontecimentos de quarta-feira passada.

Pelo procedimento normal, o processo seria enviado ao Senado para ser julgado. Acontece que o Senado está em recesso. Mesmo se voltasse à ativa, não teria tempo: o início do julgamento coincidiria com o dia da posse de Joe Biden ou no dia seguinte.

O novo presidente assumiria, assim, ofuscado pelo clima certamente incendiário envolvendo seu antecessor.

Alternativa: dar um tempo para Biden lançar todas as iniciativas com as quais quer marcar o novo governo, possivelmente os famosos cem dias que todo presidente americano almeja ter para se posicionar no jogo, e só mandar o processo de impeachment ao Senado depois desse prazo.

Haveria, nessa hipótese, um caso sem precedentes de ex-presidente sendo julgado como foram os três presidentes, inclusive ele próprio, submetidos a impeachment. Nenhum deles, até hoje, afastado da presidência, inclusive Richard Nixon, convencido a renunciar pouco antes do inevitável.

O perdão a Nixon, dado por seu substituto, Gerald Ford, e o recolhimento do ex-presidente acalmaram a exaltação produzida pelo caso Watergate.

Por que não procurar uma acomodação parecida no caso de Trump?

Primeiro, para impedi-lo de ressurgir das chamas e voltar a concorrer a presidente, possivelmente por um partido próprio. A sede de vingança de Nancy Pelosi (“Crazy Nancy”, apelidou-a Trump) e de todo o establishment democrata não deve ser subestimada.

Segundo, pela exemplaridade. Nunca mais um adversário político poderá forçar a mão nas regras do jogo democrático.

Terceiro, para manter os republicanos na defensiva. Embora alguns senadores do partido tenham declarado que favorecem o impeachment ou a renúncia, os que se vissem impossibilitados de votar pela punição, por convicção ou pressão das bases, ficariam numa posição de extremo desconforto, para dizer o mínimo.

O julgamento de Trump transforma-se assim numa arma adicional na trifeta já poderosa dos democratas: Casa Branca, maioria na Câmara e maioria no Senado (com o voto de desempate da próxima vice-presidente, Kamala Harris).

Joe Biden não terá, por isso, a menor desculpa para não fazer um governo exatamente como prometeu.

O julgamento em si, mesmo que não redundasse numa cassação de Trump, discutiria uma questão incandescente: até que ponto ele pode ser incriminado pela invasão do Congresso?

A parte mais comprometedora do discurso que fez na quarta-feira passada a seus partidários é o trecho em que diz:

“Vamos marchar para o Capitólio”.

“E vamos aplaudir os nossos bravos senadores e congressistas e provavelmente não vamos aplaudir outros”.

“Por que nunca iremos tomar de volta nosso país com fraqueza. É preciso exibir força e ser forte”.

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Acusadores e defensores apresentarão duas interpretações. Trump incitou seus seguidores e invadir o Congresso ou simplesmente os incentivou a que se fizessem ouvir “patrioticamente e pacificamente”, como diz em outro trecho do discurso?

O superadvogado Alan Dershowitz, que integrou a defesa do primeiro impeachment e pode partir para o segundo, já está com os argumentos enfileirados.

“Por mais condenáveis que tenham sido suas palavras, não configuram crime”, disse. “O que ele falou estava sob a proteção do Primeiro Artigo (o da garantia da liberdade de expressão)”.

Num julgamento no Senado, caso seja constitucionalmente possível, a acusação terá que comprovar o que Trump esperava conseguir.

Intimidar o Congresso e mudar o resultado da eleição, uma impossibilidade mesmo para a imaginação mais delirante? Fazer uma Marcha sobre Roma à la Mussolini? Ou uma “pueblada”, como dizem os argentinos?

Não se pode descartar a hipótese de que Trump tenha acreditado na própria retórica e esperasse fazer isso tudo.

Mas também não pode ser eliminada a possibilidade de que ele soubesse perfeitamente que um golpe de mão seria inconcebível e seu único plano fosse ter uma boa desculpa para não comparecer à posse de Biden e continuar contestando a legitimidade de sua eleição.

Para historiadores e praticantes do jornalismo baseado em fatos, o julgamento político teria a vantagem de reconstruir o ambiente em que Trump navegava quando fez o discurso desastroso, com testemunhos e documentos que esclareçam os segredos mais difíceis de serem descobertos em qualquer tribunal: o que pensava o acusado.

Outro advogado de Trump, Jay Sekulow, disse ao Politico que o impeachment pode ser aprovado na Câmara, mas se transformará num teatro do absurdo no Senado, uma vez que Trump não será mais presidente, não podendo mais sofrer a punição máxima, a perda do cargo.

“Por que submeter o país a isso quando o mandato do homem já terá acabado e já terá o prêmio máximo, ter seu candidato como presidente dos Estados Unidos?”, indagou retoricamente.

Sekulow certamente não está levando em conta que a palavra final sobre o impeachment é de Nancy Pelosi, e a veterana democrata, reeleita para a liderança aos 80 anos: ela quer martelar, metaforicamente, Trump até que não reste nem um pedacinho.

Há menos de três meses, ele defendeu a formação de uma comissão de médicos e outros especialistas para permitir ao Congresso declarar a incapacidade do presidente.

Pretende persistir na tese, mais amplamente, e aprovar uma moção da Câmara instando o vice-presidente Mike Pence a invocar o artigo 25 da Constituição e, em conjunto com os ministros mais importantes, afastar Trump por incapacidade. Outra hipótese impossível.

Na época do primeiro impeachment, Nancy Pelosi também sabia perfeitamente que tinha chances zero de passar pelo Senado, mas mesmo assim foi em frente.

Agora, sente-se justificada. E não apenas quer sangue. Quer salgar a terra por onde Donald Trump passou.

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