Bolsonaro tentará se controlar por 2022
Sem um antagonista no Congresso para responsabilizar por eventuais fracassos do governo e com o calendário cada vez mais próximo da eleição de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretende adotar o que vem sendo chamado no Palácio do Planalto de “radicalismo pragmático”.
O presidente não vai deixar de acenar para sua base mais ideológica, mas foi aconselhado a evitar desgastes desnecessários e a se esforçar para caber em um figurino ao qual não está habituado, mais diplomático e adequado à liturgia da Presidência da República.
O receituário inclui se conter para não atacar outros Poderes, priorizando a agenda econômica e escolhendo a dedo as pautas de costumes mais viáveis de aprovação. Ninguém no governo ou no Congresso, porém, arrisca um palpite de por quanto tempo ele conseguirá se controlar.
Parlamentares próximos a Bolsonaro dizem que o presidente agora não tem mais Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara para responsabilizar pelo travamento de sua agenda no Congresso.
O presidente sabe também que a base aliada que formou é heterogênea, misturando radicais defensores de propostas de cunho mais ideológico a integrantes do centrão, de perfil mais fisiológico, e isso não garante unanimidade entre seus apoiadores.
Por isso, auxiliares mostraram ao presidente que não adianta gastar capital político com propostas mais radicais, que não têm consenso para aprovação.
Além disso, Bolsonaro ainda precisa dimensionar o tamanho de sua rede de sustentação, que não os 302 votos que elegeram Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.
Nos últimos dias, segundo assessores presidenciais, o mandatário avaliou que precisa tirar do papel até o ano que vem o que será seu legado político, medidas concretas que agradem a sua base eleitoral e possam ser usadas como vitrines para a sua campanha à reeleição.
Em um aceno a seu eleitorado mais fiel, Bolsonaro incluiu no pacote de 35 medidas prioritárias que encaminhou ao Congresso projetos como o da regulamentação do homeschooling (ensino em casa), o que amplia a liberação do porte de armas para os chamados CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), e o que permite que membros das Forças Armadas, policiais federais, rodoviários, civis e militares adquiram até dez armas.
Há ainda um projeto de excludente de ilicitude para militares em operações de garantia da lei e da ordem, além de propostas que aumentam a pena para abuso sexual de menores e outro que aumenta a pena para quem corromper menores de 18 anos para atividades de tráfico de drogas, e também um que altera o Estatuto do Índio para combater o infanticídio.
No documento, porém, Bolsonaro não listou projetos de seus aliados mais radicais que contrariam o STF (Supremo Tribunal Federal) como o fim da PEC (proposta de emenda à Constituição) da bengala, que estabelece aposentadoria compulsória de juízes aos 75 anos, e a adoção do voto impresso, assunto que se voltou a ser recorrente em manifestações do presidente a sua claque.
Em recente café da manhã com a bancada federal do PSL, o presidente defendeu que os deputados do partido aproveitem a eleição de Lira para ocupar espaços que possam acelerar a votação de propostas identificadas com o campo da direita.
Uma das integrantes da tropa de choque bolsonarista, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) tenta se viabilizar para a presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), principal comissão da Câmara. Ao colegiado cabe analisar se as propostas apresentadas não ferem a Constituição. Também cabe à CCJ a primeira análise de um eventual processo de impeachment do presidente.
O nome da parlamentar, no entanto, não é unanimidade nem mesmo na base aliada do governo, pois ela é vista como alguém muito radical, principalmente para este novo momento em que Bolsonaro tem sido instado a tentar adotar um comportamento mais contido.
Para conseguir viabilizar a pauta conservadora, o presidente também pretende criar um conselho politico, como revelou o UOL e foi confirmado pela Folha.
A ideia é que o grupo formado por ministros, secretários e líderes partidários da base se reúna pelo menos uma vez por mês para discutir a pauta legislativa, num formato semelhante ao adotado pelos governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT).
A um ano e oito meses da eleição de 2022, o governo tentará ainda melhorar o ambiente econômico no país destravando projetos que já estão no Congresso, como a PEC emergencial, criada para controlar despesas, e as reformas administrativa e tributária. Integrantes da base aliada, porém, se dizem céticos em relação à capacidade de o governo aprovar pautas consideradas impopulares próximo à disputa eleitoral.
Pessoas próximas destacaram que, ao menos nos últimos dias, Bolsonaro tem buscado ainda minimizar as polêmicas que costuma protagonizar.
Lembraram que o presidente desistiu de ir à final da Copa Libertadores da América, no fim do mês passado, no Rio de Janeiro, em plena pandemia de Covid-19. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), foi à partida do Maracanã e se tornou alvo de críticas na internet e de ironia do presidente.
Bolsonaro também apareceu mais contido na live de quinta-feira (4), num esforço para criar uma narrativa mais suave para seu discurso antivacina.
Na semana passada, o presidente voltou a fazer pronunciamentos à imprensa e concedeu uma longa entrevista coletiva na última sexta-feira (5), respondendo educadamente a perguntas de jornalistas sobre preço de combustíveis.
Antes do encontro com os jornalistas, Bolsonaro pediu que sua equipe identificasse os repórteres que fariam perguntas para que ele os chamasse pelo nome e agradecesse pela pergunta na hora de responder, emulando seu principal adversário político, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Por outro lado, durante toda a semana, ele repetiu insinuações sexuais relacionando jornalistas e latas de leite condensado.
Folha de SP