Circo em torno de Silveira distrai o público da falta de vacinas

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Foto: Reprodução

Se o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pretendia encabeçar uma manobra diversionista com o vídeo em que afrontou o Supremo Tribunal Federal, foi bem-sucedido. E não apenas por ter dividido as atenções da plateia em relação às responsabilidades do presidente da República numa quarta-feira de cinzas que amanheceu sem vacinas em várias cidades do país. Também tirou o foco de outro personagem-chave da conjuntura, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Ao contrário de Bolsonaro, porém, o diversionismo atuou em prejuízo das pautas que alimentam Lira.

O presidente da Câmara tem como prioridade zero de sua gestão a consolidação do desmonte lavajatista com a desidratação das instituições de controle. Basta ver o grupo de trabalho por ele instalado na semana passada que tem por objetivo promover mudanças na legislação eleitoral. Quinze entidades de combate à corrupção lideradas pela “Transparência Partidária” se insurgiram em carta contra o procedimento por entenderem que a discussão seria mais condizente com os ritos de uma comissão especial, como prevê o regimento, do que com um grupo de trabalho.

Nas entrelinhas da carta está o temor de que a gestão de um presidente da Casa que é réu no Supremo e exerce seu mandato com base numa liminar, tenha como resultado um afrouxamento da Lei da Ficha Limpa, da improbidade administrativa e nas prerrogativas da Justiça Eleitoral. Paradoxalmente, Daniel Silveira só não se encaixa na mesma condição de Lira porque, como mostrou Sérgio Ramalho, do “The Intercept”, o deputado acumulou licenças na Polícia Militar para não responder a processo cujo resultado o tornaria inelegível.

O plenário da Câmara que se debruçará sobre a decisão unânime do Supremo de confirmar a prisão de Daniel Silveira ainda é caudatário da folgada eleição de Lira por 302 votos. O presidente da Casa é o maior eleitor desta decisão sobre o deputado do PSL, mas a enfrenta emparedado. Se acatar a decisão do Supremo, afrontará suas convicções e de seus aliados que temem abrir a porteira para a prisão em flagrante de parlamentares. Se for na direção contrária, afrontará a Corte em que é réu e com a qual pretende construir pontes para o desmonte do que resta de lajavatismo.

Por isso, ganhará tempo. A Constituição submete a decisão do Supremo ao plenário da Câmara, mas o regimento da Casa prevê um longo trâmite por instâncias que nem instaladas estão, como a Comissão de Constituição e Justiça. Se estivesse em funcionamento sob a presidência da correligionária de Daniel Silveira, Bia Kicis (PSL-DF), Lira teria menos margem de manobra. Como não há CCJ, o processo é remetido à Mesa Diretora da Casa e, só então, ao plenário da Câmara. O regimento prevê deliberação secreta, mas o Supremo já firmou jurisprudência pelo voto aberto.

Aliados de Lira lembravam ontem a previsão regimental de apresentação de Silveira à Câmara para que o deputado permaneça sob sua custódia até a deliberação do plenário por um prazo de até dez sessões. Ao longo desse período, luminares do Centrão esperam que a pressão sobre a Casa possa vir a se diluir com o andamento do processo resultante da denúncia da Procuradoria-Geral da República que sugere até prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica a Silveira.

A denúncia, que pode ser acolhida pelo Supremo sem prévia autorização da Câmara, daria, na expectativa de alguns parlamentares, uma satisfação à opinião pública, aliviando as pressões sobre a Casa. O presidente da Câmara pode, ainda, ganhar tempo se comprometendo com a análise do processo pelo Conselho de Ética e depois, tendo em vista as emergências cotidianas, deixar o tema cair no esquecimento. O deputado Eduardo Bolsonaro, por exemplo, é alvo de dois processos de um conselho que mal funcionou nesta legislatura. A deputada Flordelis de Souza (PSD-RJ) também transita longe dos holofotes e do conselho. Ao repassar a denúncia para o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, Aras livrou-se do embate direto com o bolsonarismo a cinco meses da vacância da cadeira do ministro Marco Aurélio Mello. Ficou claro, porém, na denúncia, que a PGR já tinha motivos para denunciar o deputado desde os primeiros vídeos de 2020. Só o fez agora porque já não havia como contorná-la. Foi Rodrigo Janot quem pediu a prisão do então senador Delcídio do Amaral, em 2015. Ao Supremo não restou alternativa senão decretá-la. Já a letargia de Aras é tamanha que Moraes acabou acomodando a prisão num inquérito polêmico do qual o Supremo é vítima, investigador e julgador.

Com o inquérito, a Corte mantém a corda esticada com Bolsonaro. A sanfona de prazos facultada pela tramitação dos inquéritos no Supremo facilita o jogo de morde e assopra. Seu andamento pode obedecer ainda à conveniência das prioridades comuns a Lira na desidratação do controle da corrupção.

De todos os personagens deste enredo, aquele a quem o imbróglio Daniel Silveira deixou em posição mais confortável foi o piloto de jet-ski do feriado de carnaval. O presidente Jair Bolsonaro engatou um diversionismo com os decretos de liberação de armas e a promoção do spray nasal israelense contra o coronavírus, mas Silveira superou a todos. A novela sobre seu destino dividirá as atenções com o desastre governamental na pandemia.

O protagonismo de Silveira ainda ofereceu ao general Eduardo Villas Bôas o melhor parceiro para o enredo com o qual, desde sua posse no comando do Exército, reabriu o porão. Antes do carnaval, o ex-comandante colocou na pista o livro-entrevista no qual volta a defender o tuíte ameaçador ao Supremo no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A escola evoluiu na avenida vazia com a nota do ministro Edson Fachin, a ironia de Villas Bôas sobre a demora da reação e o tuíte duro do ministro Gilmar Mendes contra o deboche do general. Antes que as cinzas da quarta-feira chegassem, Silveira demonstrou que no porão destravado por Villas Bôas, não há apenas reformados fantasiados de generais, mas cidadãos cada vez mais armados de ódio à democracia. O mesmo que elegeu Bolsonaro e o mantém no poder.

Valor Econômico

 

 

 

 

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