Congresso teme acelerar pauta de costumes de Bolsonaro
Na tentativa de viabilizar bandeiras eleitorais para sua campanha à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito ofensiva junto ao Poder Legislativo para aprovar pautas de segurança e de costume, em um aceno à sua base eleitoral.
O esforço do presidente, contudo, não encontra respaldo nem mesmo em partidos que formam a sua nova base aliada. Desde o início da semana, líderes do bloco do centrão têm ressaltado que, pelo menos neste momento, não pretendem dar prioridade aos temas.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que no ano passado afirmou que o governo precisava deixar de lado a pauta de costumes, não deu agora, em conversa com aliados, nenhuma garantia de que agilizará a tramitação de projetos sobre o assunto.
“O governo precisa entrar em sintonia com a real necessidade da população e deixar de lado a pauta de costumes e polêmicas que não contribuem e não apontam para a construção de um futuro melhor ao nosso país”, escreveu Lira em 2019 nas redes sociais.
Agora também, em declarações públicas e reunião de líderes, Lira tem ressaltado que, diante das atuais crises econômica e sanitária, o compromisso dele neste momento é com uma pauta que priorize a recuperação da atividade econômica.
“Um país que tem mais de 14 milhões de desempregados, mais de 700 mil micro e pequenas empresas que fecharam por causa da pandemia e mais de 200 mil mortos tem de tratar de assuntos que reduzam os danos sanitários da crise e melhorem o ambiente de negócios no país para gerar emprego”, defendeu o primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM).
Na semana passada, segundo assessores presidenciais, Bolsonaro avaliou que precisa tirar do papel até o ano que vem medidas de apelo eleitoral.
O objetivo é tentar rebater crítica de opositores de que, em quatro anos, o presidente não deixou nenhum legado político para os eleitores de direita.
Foi por isso que, na semana passada, o presidente incluiu na relação de propostas que o governo considera prioritárias três projetos: o PL 3.723/2019, de armas; o PLS 216/2017, que prevê a revisão da lei de drogas; e o PLC 119/2015, que altera o estatuto do índio contra infanticídio.
O documento foi entregue aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara.
Em janeiro, o mandatário já havia afirmado a um grupo de apoiadores que quer ver pautados os temas de seu interesse, entre eles os que flexibilizam o porte de armas no país.
“A gente quer que as questões sejam votadas e não sejam travadas porque quem faz a pauta são o presidente da Câmara e do Senado e, se não bota em votação, não tem como a gente buscar soluções para muita coisa”, disse à época.
Além dos projetos elencados como prioritários, há seis outras propostas em tramitação que também são defendidas por Bolsonaro. Uma delas flexibiliza as regras para registro, posse e venda de armas. Outra isenta militares de crimes enquanto perdurar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
As iniciativas ainda tratam do aumento da pena de abuso sexual em menores, da classificação da pedofilia como um crime hediondo e da regulamentação do homeschooling, o ensino domiciliar.
Além de as medidas não serem consideradas prioritárias, integrantes do bloco do centrão avaliam que elas também não contam com grande apoio entre deputados e senadores por serem temas polêmicos, que podem prejudicar a imagem dos congressistas em redutos eleitorais.
“A minha impressão é que essas pautas não vão avançar. O Brasil tem muito problema para perder tempo com a pauta de costumes”, disse o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB).
“Sou terminantemente contra entrar nesse debate. Vai gastar energia com assuntos que não são prioridade. A gente tem de discutir vacinação, a volta do auxílio emergencial”, afirmou.
Apesar das resistências, o presidente pretende criar neste ano um conselho político para ajudar na tramitação das propostas.
A ideia é que o grupo se reúna pelo menos uma vez por mês para discutir a pauta legislativa. Ele seria composto tanto por ministros e secretários do governo como por líderes e dirigentes de partidos da nova base.
O plano quer repetir o mesmo formato adotado pelos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT).
Em esforço adicional, o PSL fechou um acordo com Lira, antes mesmo de ele ser eleito, para que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) fosse indicada para o comando da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), colegiado parlamentar que tem o poder de decidir se uma proposta segue para a votação em plenário. O arranjo teve a chancela de Bolsonaro, padrinho político da candidatura de Lira.
A repercussão negativa da indicação de Kicis, no entanto, levou o presidente da Câmara a lavar as mãos. Lira não tirou o apoio a Kicis, mas, em caráter reservado, tem estimulado candidaturas avulsas para o mesmo posto.
A estratégia, que tem o apoio de partidos integrantes de partidos como Republicanos e PSD, é deixar a candidata perder a eleição no voto. Assim, não seria possível alegar rompimento de acordo com o PSL e não criaria uma saia-justa com Bolsonaro.
Sem Kicis à frente da CCJ, reconhecem deputados bolsonaristas, torna-se mais difícil viabilizar com rapidez a votação em plenário das pautas de costumes e de segurança, já que a maioria delas passaria primeiro pelo colegiado.
No Palácio do Planalto, os sinais do centrão contrários aos projetos de interesse da direita já frustram integrantes do chamado núcleo ideológico.
Eles reconhecem que não esperavam de Lira uma postura conservadora, mas acreditavam que, pelo menos em um primeiro momento, o presidente da Câmara faria gestos mais concretos para agradecer o apoio dado por Bolsonaro.
Folha de SP