Deputado preso foi PM indisciplinado

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Foto: Reprodução

Quando foi chamado para prestar depoimento na delegacia de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, sobre o uso de atestados médicos falsos no trabalho, em abril de 2007, o então cobrador de ônibus Daniel Lúcio da Silveira deu uma explicação pouco convincente: alegou que, diante da negativa de uma médica do pronto-socorro da cidade de assinar o documento, pediu um atestado a um “homem que estava sempre de branco no corredor da unidade”. O homem prontamente “preencheu o atestado na sua frente”. Por outras duas vezes, Silveira voltaria ao hospital para pedir atestados à mesma pessoa — que a polícia descobriria se tratar de um faxineiro do hospital.

Hoje deputado federal, Silveira disse que não sabia que o homem de branco não era médico. Em depoimento, o faxineiro disse que conhecia Silveira “antes mesmo de ele trabalhar na empresa de ônibus”. Ao todo, Silveira conseguiu atestados falsos para faltar ao serviço de 23 de dezembro de 2006 a 17 de janeiro de 2007.

O crime de falsidade material de atestado pelo qual ele foi acusado prescreveu em 2016, e o caso acabou arquivado. No entanto, por conta da passagem pela polícia, Silveira foi reprovado, em 2011, pela pesquisa social necessária para ingressar na PM do Rio. Ele só seria plenamente integrado à corporação em 2014, após recorrer à Justiça.

Eleito para a Câmara dos Deputados apenas quatro anos depois, ostentando um perfil de PM combatente, Daniel Silveira teve uma passagem pela corporação que mimetiza seus tempos de cobrador de ônibus: repleta de faltas injustificadas. Levantamento feito pelo GLOBO em boletins da corporação revela que, num período de oito meses, entre junho de 2015 a janeiro de 2016, quando trabalhava na UPP da Rocinha, ele faltou oito vezes ao serviço. Nos carnavais de 2015 e 2016, mesmo escalado para trabalhar, não apareceu. Em seus cinco anos, nove meses e 17 dias na PM, contabilizaria 26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências — a maioria das punições por faltas e atrasos.

Em algumas ocasiões, Silveira até tentou apresentar justificativas. Em meados de 2015, por exemplo, afirmou que faltou um dia de serviço para prestar auxílio à mulher. Como não apresentou “qualquer documento que comprovasse a real urgência na prestação de auxílio a sua esposa no dia do seu serviço ordinário”, a punição foi mantida. Na maior parte de sua carreira na corporação, o hoje deputado ostentou o predicado “mau” em sua ficha disciplinar de comportamento.

Em fevereiro de 2018, o acúmulo de punições culminaria na submissão de Silveira a Conselho de Revisão Disciplinar, processo administrativo que poderia resultar na expulsão do então praça. Na ocasião, o relatório publicado no boletim da corporação apontaria que Silveira “postou vídeos em sua página pessoal da rede social Facebook com comentários ofensivos e depreciativos em desfavor de integrantes da imprensa nacional de uma forma geral, em alguns deles durante a execução do serviço, fardado e no interior da viatura, erodindo preceitos éticos em vigor na Polícia Militar e repercutindo negativamente a imagem da corporação”.

Ele repetiria a conduta após ser eleito: Silveira foi preso anteontem após divulgar um vídeo no qual faz apologia ao AI-5 e defende a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é inconstitucional.

Em 4 de outubro de 2018, o boletim interno da PM publicaria a exclusão de Silveira das suas fileiras: como ele não havia completado dez anos na corporação, não poderia se licenciar para se candidatar.

Placa quebrada
No mesmo dia, o então candidato passaria a ser conhecido em todo o país: num comício em Petrópolis, ele subiria num palanque para exibir uma placa quebrada em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada sete meses antes. O episódio angariou a simpatia de apoiadores de Jair Bolsonaro.

No Supremo, a prisão em flagrante de Silveira foi decretada no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, no qual ele é investigado desde o ano passado. Em 19 de abril de 2020, por ocasião de uma manifestação pedindo o fechamento do STF e do Congresso, o deputado se pronunciou em vídeo divulgado em seus canais nos seguintes termos:

— Se o povo sair às ruas de fato, e resolver cercar o STF, resolver cercar o Parlamento… Invadir mesmo, tô falando pra invadir, não tô falando pra botar faxina, não. Tô falando pra cercar invadir mesmo. Tô falando pra cercar lá e retirar na base da porrada, sabe como é que é? Na base da porrada, tirar, arrancar do poder. Porra! — afirmou Silveira.

Ao depor à Polícia Federal (PF) sobre o episódio, em setembro, o parlamentar atribuiu as próprias declarações a um “momento passional”. Ele também havia declarado que “já passou da hora de contarmos com as Forças Armadas”. Depois, tentou minimizar a declaração e disse não apoiar uma intervenção militar.

Em dois anos na Câmara, Daniel Silveira apresentou 47 projetos de lei e relatou outros seis, apresentados por colegas. Uma das bandeiras defendidas de maneira mais expressiva pelo parlamentar é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para transformar o Rio de Janeiro em uma segunda capital do país, junto à Brasília, na tentativa de ajudar a capital fluminense a se recuperar da crise financeira. A PEC foi apresentada em julho do ano passado e, para Silveira, representa a materialização do slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”, utilizado na campanha de Bolsonaro, em 2018.

Entre outras propostas, Silveira também sugeriu a criação do “Dia Nacional em Memória das Vítimas do Comunismo no Brasil” e, de maneira mais bem sucedida, de uma data no calendário da Educação para conscientização sobre a prevenção de desastres naturais e calamidades públicos. O segundo projeto foi um dos poucos que avançaram na Casa e seguiram para o Senado.

Há ainda projetos criados por Silveira para tipificar a causa antifascista como terrorismo, extinguir visitas íntimas a presos, proibir que empresas obriguem funcionários a estarem vacinados contra a Covid-19 e vedar a remoção de conteúdo das redes sociais pelas empresas que as administram. Uma proposta mira o STF e tenta obrigar a Corte a divulgar online os rendimentos mensais dos ministros.

No primeiro ano de mandato, em 2019, Silveira virou alvo de piadas da oposição após tentar convocar o jornalista Glenn Greenwald para um depoimento na Câmara e recuar em seguida, ao perceber que o movimento era apoiado pela esquerda. Greenwald havia atuado na divulgação de mensagens de procuradores da Operação Lava-Jato, cujo conteúdo interessava à defesa e a aliados do ex-presidente Lula, do PT.

O Globo

 

 

 

 

 

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