Escravagistas desfrutam de impunidade nos últimos 11 anos

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Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Recentemente, a história de Madalena Gordiano, de 46 anos, resgatada após viver por 38 anos em condição análoga à escravidão, em Minas Gerais, abalou o Brasil. Infelizmente, esse não é um caso isolado. Segundo pesquisa realizada pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre 2008 e 2019 mais de 20 mil trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo. O cenário fica ainda pior: apenas 112 pessoas – entre as 2.679 denunciadas – foram responsabilizadas penalmente pelo crime, o que corresponde a 4,2% de todos os acusados.

O estudo, liderado por Carlos Haddad, professor da UFMG e cofundador do Instituto AJA, analisou 1.464 processos criminais e 432 ações civis públicas, iniciados no país nos últimos 11 anos, e constatou que o número de absolvidos devido à ineficiência probatória – ou seja, por não haver provas suficientes – chega a 46%.

De acordo com especialistas em direito do trabalho ouvidos pelo Metrópoles, o número alto de absolvições se deve à dificuldade de comprovação do crime e também pela morosidade do sistema de Justiça do país. A tese dos advogados corrobora a conclusão do professor responsável pela pesquisa. Os estudiosos afirmam que a existência de proposições como ausência de prova da restrição de liberdade; ausência de prova de dolo; ausência de ofensa à dignidade do trabalhador, dentre outras, protege a maioria dos incriminados de serem devidamente condenados.

De acordo com o advogado Willer Tomaz, entre os possíveis fatores do baixo índice de condenação, estão os acordos firmados entre o Ministério Público e o empregador. Nos chamados Termos de Ajustamento de Conduta, o empregador deixa de ser responsabilizado mediante o compromisso de cumprir com determinadas exigências.

“O fator mais importante, entretanto, é que o processo judicial costuma ser lento, ainda mais quando há um grande número de pessoas envolvidas. Essas circunstâncias levam ao arrastamento da ação por vários anos e dificultam a obtenção da prova do ilícito. Sem prova, não pode haver condenação, especialmente em matéria criminal, em que a responsabilidade é subjetiva, ou seja, onde se requer a comprovação cabal do que a lei chama de dolo, que basicamente é a vontade, a intenção do acusado”, explicou Tomaz.

Além da falta de celeridade nos processos, Luís Antônio Camargo de Melo, advogado trabalhista da Ferraz dos Passos Advocacia, cita a escassez de efetivo compromisso dos agentes públicos em apurar provas e evidências verdadeiras, que sejam convincentes para a condenação dos acusados.

“O trabalho escravo contemporâneo está longe de ser erradicado no Brasil porque a impunidade ainda é enorme. Não há como condenar as pessoas sem provas e elas são difíceis de colher nesse tipo de processo. A acusação precisa, por exemplo, confirmar em juízo a ofensa à dignidade, a exploração, a humilhação e a restrição à liberdade do trabalhador. Além disso, há de se comprovar uma atitude concreta do empregado em provocar tudo isso. Além disso, não podemos perder tempo em provocar o Judiciário, pois corre-se o risco dos crimes prescreverem”, opinou o especialista.

“Lista Suja do Trabalho Escravo”

Além dos empregadores, a responsabilização pelo crime de praticar trabalho escravo deve atingir a própria empresa. As pessoas jurídicas podem ser penalizadas com ações judiciais na Justiça do Trabalho, nas quais a principal pretensão é uma indenização devido ao dano moral coletivo. Com isso, elas vão parar na chamada Lista Suja do Trabalho Escravo.

“As empresas e os empregadores envolvidos com trabalho escravo contemporâneo podem sofrer diversas penalidades, como inclusão em cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condição análoga à de escravo. Essas marcas ficam impedidas de obter empréstimos e financiamentos bancários, bem como são sujeitas a sanções de natureza cível e criminal, com condenações à pena de prisão, de multa, e à obrigação de indenizar por danos morais individuais e coletivos”, explicou Willer Tomaz.

Segundo dados da Secretaria da Inspeção do Trabalho (SIT), desde 1995 são mais de 55 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatados dessa condição. Só em 2020, foram encontrados 942 trabalhadores que estavam sendo explorados em condições de trabalho análogas às de escravo. Esse é o caso de Gildásio Silva Meireles, resgatado em 2017.

Gildásio conta que morava no interior do município de Monção, no Maranhão, quando recebeu a oferta de trabalho em uma fazenda da região. Chegando ao local, ele e os outros homens estavam animados para começar o trabalho como “vaqueiros”, mas logo em seguida descobriram que haviam sido enganados.

“Um dia, um homem veio buscar a gente em um caminhão. Subiu todo mundo, a galera toda sentou, animada, cantando. A gente percebeu, depois que saímos do asfalto, que ele começou a mudar. Ele disse que o trabalho não era de vaqueiro e fazia a gente roçar juquira [vegetação que cresce em lugares abandonados]”, contou o trabalhador.

Segundo ele, as coisas começaram a piorar quando ele resolveu cobrar o salário do fazendeiro. “Com uns três meses, eu pedi o primeiro acerto, e aí foi que veio o problema. Ele falou que eu não tinha saldo. O saldo, eu tinha deixado nas botas, nas calças e no material de trabalho”, recordou Gildásio.

“Desde então, eu comecei a me sentir mal. A alimentação já era só feijão com arroz. A água que a gente bebia era do córrego, onde vinha lavagem, fezes de gado, todo tipo de seboseira. Eu percebi que os colegas começaram a ficar fracos. E depois a gente viu que estava sendo vigiado por três caras armados”, relatou.

Depois disso Gildásio conseguiu fugir da fazenda e recebeu apoio do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH). Na sequência, ele abriu uma denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT). Três meses depois, uma equipe de auditores foi até o local e resgatou os outros homens que estavam em condições análogas à escravidão.

Metrópoles

 

 

 

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