Justiça ignora provas contra militares em chacina
Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Oito morreram, ninguém matou. Essa foi a conclusão dos dois inquéritos que investigaram a chacina do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em 11 de novembro de 2017. As vítimas foram baleadas e mortas por volta da meia-noite, justamente quando agentes do Exército e da Polícia Civil entraram no complexo de favelas em três veículos blindados.
Tanto militares quanto policiais que prestaram depoimentos sobre o caso nos meses seguintes afirmaram que entraram no local e encontraram as vítimas já mortas numa via. Nenhum agente assumiu ter puxado o gatilho naquela madrugada. Ao final das investigações, mais de um ano depois, essa foi a versão que prevaleceu, e a chacina foi enterrada.
Como os homicídios aconteceram um mês depois da aprovação da Lei 13.491/2017 pelo então presidente Michel Temer, que transferiu para a Justiça Militar o julgamento de militares por homicídios de civis, duas investigações foram abertas após os crimes. O Ministério Público do Rio (MPRJ) ficou responsável por apurar a participação da Polícia Civil nos assassinatos; já o Ministério Público Militar (MPM) deveria investigar a conduta dos homens do Exército. Resultado: em novembro de 2018, o MPRJ concluiu que a versão apresentada pelos agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a tropa de elite da Polícia Civil fluminense, era verídica e arquivou seu inquérito; e cinco meses depois, o MPM chegou à mesma conclusão sobre os militares que teriam participado do crime. Caso encerrado. Hoje, não há mais nenhuma investigação em curso.
A versão oficial, entretanto, não é a única. A matança teve um sobrevivente que decidiu contar o que viu: um padeiro, hoje com 22 anos, conduzia sua moto na via onde os mortos foram baleados no momento em que os disparos foram feitos. Em três depoimentos diferentes, ele afirmou que os tiros partiram de uma área de mata ao lado em direção à estrada por onde as vítimas trafegavam. Um projétil acertou suas duas mãos, e ele perdeu o controle da moto. Outro perfurou sua coxa esquerda. Caído na via, ele viu a cena que, dias depois, descreveria às autoridades: homens com roupas pretas, balaclavas, capacetes com lanternas e armas com mira a laser saíram do matagal exatamente no ponto de onde os disparos partiram. Em seu terceiro depoimento, prestado um ano após as mortes, quando já estava de alta médica, o padeiro reconheceu os uniformes das Forças Especiais do Exército como sendo a vestimenta usada pelos homens no matagal.
A versão do sobrevivente, entretanto, foi desacreditada. Apesar de o padeiro não ter sido sequer ouvido por nenhum integrante do MPM ao longo dos 15 meses de inquérito — só o MPRJ e a Polícia Civil ouviram o jovem —, o relatório final do órgão questiona a credibilidade do sobrevivente: “A prova testemunhal não é esclarecedora apesar dos abrangentes questionamentos e das várias inquirições”.
Três anos depois da operação, entretanto, ÉPOCA revela que documentos internos do Exército sobre a operação corroboram os relatos do padeiro e reforçam a participação de militares nos homicídios. Os relatórios, obtidos via Lei de Acesso à Informação, mostram que os homens do Exército que entraram no Complexo do Salgueiro usaram exatamente os mesmos equipamentos descritos pelo jovem e indicam que a operação pode ter tido a participação de agentes “ocultos”, que nunca chegaram a prestar depoimentos sobre o caso. Os papéis, apesar de terem sido anexados às duas investigações, foram ignorados. Seu conteúdo nem sequer é mencionado nos relatórios finais dos dois inquéritos.
Depois de um encontro com a namorada, o padeiro, na época com 19 anos, voltava para casa pela Estrada das Palmeiras, que corta o Complexo do Salgueiro. Na garupa, ele levava um amigo da mesma idade que tinha encerrado o expediente vendendo balas no terminal rodoviário da cidade e lhe pedira uma carona. Minutos antes, o som de fogos ao longe era sinal de que havia operação na favela. Como não estavam muito longe de casa, resolveram seguir. Já passava da meia-noite e a dupla percorria um trecho ermo da via, sem postes de luz, somente iluminado por lâmpadas das poucas casas que margeiam a pista, cercada por uma área de mata. De repente, o silêncio deu lugar ao som de disparos feitos em série por atiradores escondidos na vegetação em direção à estrada.
A rajada matou outros oito homens que trafegavam, em outros veículos, na frente dos amigos. Ao todo, 35 tiros acertaram as vítimas fatais. O projétil que acertou a mão do padeiro tornou inertes seus polegares, e ele nunca mais conseguiu fazer pães. Já o tiro na perna, a centímetros da femoral, também deixou sequelas: até hoje, ele manca ao caminhar. O vendedor de balas, na garupa, teve a bochecha rasgada por um projétil e ficou um ano sem conseguir falar. “Foi tiro ao alvo. Não teve tiroteio. Quem estava passando ali morreu. Eu nasci de novo”, recordou o padeiro, que falou sob a condição de anonimato, na sala da casa de menos de 20 metros quadrados onde mora com a mãe, uma dona de casa de 51 anos, na área rural do Salgueiro.
“‘ERAM UNS SEIS. PRIMEIRO COMEÇARAM A QUEBRAR AS LÂMPADAS NOS POSTES. DEPOIS, VIERAM ATÉ MIM. EU PERGUNTEI SE ELES IAM ME SOCORRER. ELES DISSERAM QUE IAM VOLTAR PARA ME MATAR E FORAM EMBORA NA DIREÇÃO DO MATO’, CONTOU O SOBREVIVENTE DA CHACINA”
Ele também lembrou que, depois de perder o controle da moto e cair, se arrastou, com os cotovelos, até uma vala ao lado da estrada. Seu amigo se dirigiu para o outro lado da pista e tentava bater nas portas de casas, para pedir ajuda aos moradores. Com a boca ferida, ele só conseguia murmurar. Ninguém respondeu. Alguns minutos se passaram até que os homens de capacete, fuzis com mira a laser e um “pano preto” cobrindo o rosto saíram do mato. “Eram uns seis. Primeiro começaram a quebrar as lâmpadas nos postes. Depois, vieram até mim. Pegaram meu celular, não falaram nada. Eu perguntei se eles iam me socorrer. Eles disseram que iam voltar para me matar e foram embora na direção do mato”, contou o jovem.
Nesse momento, ele disse ter visto um “tanque de guerra” e um “caveirão” passarem pela via a seu lado e pelos homens que voltavam para a mata. Os veículos não pararam. Ele só foi socorrido mais de uma hora depois por sua irmã, que soube pelas redes sociais que ele estava baleado e saiu de casa à procura de vizinhos com um carro que pudesse levá-lo ao pronto-socorro mais próximo. Ao todo, o jovem passou nove dias internado no hospital, outros dois meses de cama em casa e mais dez de fisioterapia. O trauma psicológico, no entanto, demorou mais tempo para passar. “Eu estava achando que ele estava ficando maluco. Passava uma moto na rua, e ele se encolhia num canto e começava a chorar. Não podia ouvir nenhum barulho que ficava com medo”, contou a mãe do padeiro, que é o caçula de seus cinco filhos e o único que ainda vive com ela.
Hoje, ele ainda tem esperança de que vai recuperar o movimento das mãos para conseguir fazer pães — ofício em que começou aos 13 anos como aprendiz e desempenhou por oito anos, ganhando um salário de R$ 450. “Ainda quero ter meu negócio, minha padaria, para poder voltar a trazer dinheiro para casa”, disse. O amigo que estava na garupa no dia dos homicídios recuperou a fala e voltou a vender balas no terminal rodoviário. Com medo, nunca aceitou falar com a polícia ou com o MP sobre aquela madrugada.
No dia seguinte às mortes, a Polícia Civil se apressou em divulgar que três dos mortos tinham antecedentes criminais. Os agentes que participaram da operação alegaram terem apreendido junto aos corpos das vítimas um fuzil e sete pistolas, além de carregadores, cartuchos e uma pequena quantidade de drogas. Como o padeiro e seu amigo, outras vítimas também não tinham ligação com o tráfico. É o caso do motorista de aplicativo Marcelo Silva Vaz, de 32 anos, que nem sequer morava no Salgueiro e, no dia da operação, fora à favela cobrar o aluguel de um carro que havia alugado para um morador da região. Não havia armas ou drogas perto de seu corpo.
No inquérito, há uma prova documental que confirma os relatos do padeiro. É o livro de cautela fornecido pelo Batalhão de Forças Especiais, que tem a função de controlar e descrever o equipamento que cada um dos militares que participaram da ação portava naquela madrugada. Segundo o documento, obtido por ÉPOCA, todos os homens do Exército escalados para a Operação Furacão XII, como foi batizada à época a ação no Salgueiro, portavam fuzis, pistolas, miras holográficas, óculos de visão noturna e um dispositivo chamado AN/PEQ, que é acoplado a fuzis e contém uma lanterna e um emissor de raio infravermelho usados para iluminar e mirar alvos. Todo o aparato é compatível com o descrito pelos dois jovens e, segundo especialistas, bastante eficiente para ações em área de mata à noite. Durante a investigação, o Exército afirmou ao MPM que não havia “dispositivos com luz vermelha” sendo usados na ação. O uso do AN/PEQ não foi questionado.
Além do padeiro, outra testemunha relatou ter visto luzes vermelhas saindo das armas. O mototaxista Luiz Octávio Rosa dos Santos, de 27 anos, a oitava vítima fatal da chacina, também foi baleado nas costas naquela madrugada, na Estrada das Palmeiras, e morreu em decorrência dos ferimentos um mês depois. Enquanto estava internado, entretanto, ele foi ouvido por promotores do MPRJ e contou que “os tiros vinham da mata na direção das casas que ficam do outro lado da Estrada das Palmeiras”. A descrição que deu sobre o equipamento usado pelos atiradores também bate com a fornecida pelo padeiro: “Viu luz vermelha e fogo saindo das armas de quem atirava da mata. Viu uns cinco ou quatro pontos de infravermelho”.
O livro de cautela também revela a existência de agentes “ocultos”, que passaram ao largo das investigações. O documento lista 32 nomes de “fantasmas” — apelido dos agentes das Forças Especiais que é uma referência às ações do batalhão, realizadas geralmente no período da noite e cercadas de sigilo — que portavam pistolas, fuzis e os demais equipamentos disponíveis naquela madrugada. Esse número é muito maior do que o oficialmente empregado. No depoimento que prestou internamente ao Exército, o comandante da operação, capitão Rodrigo Caetano Gomes, afirmou que um total de 16 militares participaram da incursão no Salgueiro, sendo que 11 eram das Forças Especiais e os outros cinco eram de batalhões de infantaria motorizados do Rio, responsáveis por conduzir e prover a segurança dos tanques que foram usados. Já o comandante do Batalhão de Forças Especiais à época, coronel Paulo Edson Santa Barba, disse ao MPM que 17 militares foram ao Salgueiro — 12 “fantasmas” e cinco responsáveis pelos tanques.
Além do padeiro, outra testemunha relatou ter visto luzes vermelhas saindo das armas. O mototaxista Luiz Octávio Rosa dos Santos, de 27 anos, a oitava vítima fatal da chacina, também foi baleado nas costas naquela madrugada, na Estrada das Palmeiras, e morreu em decorrência dos ferimentos um mês depois. Enquanto estava internado, entretanto, ele foi ouvido por promotores do MPRJ e contou que “os tiros vinham da mata na direção das casas que ficam do outro lado da Estrada das Palmeiras”. A descrição que deu sobre o equipamento usado pelos atiradores também bate com a fornecida pelo padeiro: “Viu luz vermelha e fogo saindo das armas de quem atirava da mata. Viu uns cinco ou quatro pontos de infravermelho”.
O livro de cautela também revela a existência de agentes “ocultos”, que passaram ao largo das investigações. O documento lista 32 nomes de “fantasmas” — apelido dos agentes das Forças Especiais que é uma referência às ações do batalhão, realizadas geralmente no período da noite e cercadas de sigilo — que portavam pistolas, fuzis e os demais equipamentos disponíveis naquela madrugada. Esse número é muito maior do que o oficialmente empregado. No depoimento que prestou internamente ao Exército, o comandante da operação, capitão Rodrigo Caetano Gomes, afirmou que um total de 16 militares participaram da incursão no Salgueiro, sendo que 11 eram das Forças Especiais e os outros cinco eram de batalhões de infantaria motorizados do Rio, responsáveis por conduzir e prover a segurança dos tanques que foram usados. Já o comandante do Batalhão de Forças Especiais à época, coronel Paulo Edson Santa Barba, disse ao MPM que 17 militares foram ao Salgueiro — 12 “fantasmas” e cinco responsáveis pelos tanques.
O livro de cautela também expõe outra falha grave da investigação. Nos corpos das vítimas, a perícia da Polícia Civil encontrou um projétil de fuzil íntegro de calibre 556 — exatamente o mesmo usado por todos os militares das Forças Especiais que estavam no Rio naquela madrugada — e dois fragmentos de bala. Nenhum dos confrontos balísticos deu positivo para as armas portadas pelos policiais civis e pelos militares. No entanto, nem todos os fuzis das Forças Especiais que foram acautelados com agentes naquela madrugada foram examinados: o documento mostra que 20 fuzis que estavam em posse de militares jamais foram objeto de perícia.
A informação sobre os equipamentos usados pelos militares não é a única fornecida pelo sobrevivente que encontra amparo em outras provas nos inquéritos. Uma perícia feita no local do crime no dia da chacina pela DH constatou que é “verossímil” que os tiros disparados contra as oito vítimas tenham partido “da mata localizada em plano superior e à esquerda da via” — exatamente como apontaram o padeiro e o mototaxista Luiz Octávio em seus depoimentos. De acordo com o Laudo de Exame de Local de Homicídio, assinado pelo perito Thiago Hermida, “a localização dos cadáveres na via, o ângulo de incidência de algumas lesões nestes encontradas, o sentido da via em que se direcionavam e a distância dos disparos” corroboram o relato das testemunhas oculares. Três vítimas, por exemplo, foram atingidas por projéteis que perfuraram o corpo pelo lado esquerdo, onde havia o matagal, e saíram pelo direito. Em outras duas, o perito encontrou feridas de entrada e saída do projétil com trajeto de cima para baixo, indicando que o atirador estava num plano superior ao das vítimas.
O relato do padeiro que apontava atiradores na mata foi sucedido por uma série de denúncias anônimas feitas por moradores do Salgueiro ao MPRJ sobre o uso de helicópteros que teriam sido usados para infiltrar os homens com fuzis no local. Numa delas, o denunciante afirmava que “helicópteros completamente apagados teriam sobrevoado a região conhecida como rota de fuga de suspeitos, onde teriam descido militares em rapel”. Essas denúncias não aconteceram por acaso. Os moradores do conjunto de favelas sabiam que era possível que militares pudessem descer de rapel na área de mata nos fundos do Salgueiro. Afinal, esse exato procedimento foi usado para infiltrar homens das Forças Especiais em meio à vegetação apenas quatro dias antes da chacina.
A operação Furacão XII não foi a primeira em que o Salgueiro foi alvo naquela semana. Em 7 de novembro, 3.000 homens do Exército entraram no conjunto de favelas de São Gonçalo com o apoio de 24 veículos blindados e de 18 embarcações que cercaram a região pela Baía de Guanabara. A megaoperação foi uma das várias que uniram o Exército e as polícias do Rio no segundo semestre de 2017, quando Michel Temer assinou o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que autorizava a atuação de tropas das Forças Armadas na segurança pública do estado. A predileção das forças de segurança pelo Salgueiro tinha uma explicação: na década anterior, com o avanço das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) pela capital, a cúpula da maior facção do tráfico do Rio deixou importantes favelas que estavam sendo ocupadas pela polícia, como os Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte, e se refugiou no conjunto de favelas de São Gonçalo. Por suas diversas rotas de fuga — que incluem regiões de mata fechada, mangue e até a Baía de Guanabara, que faz limite com a favela —, o Salgueiro logo virou um bunker da quadrilha.
A primeira das duas ações foi planejada no dia 6, uma segunda-feira, numa reunião no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), no Centro do Rio, que juntou representantes da Polícia Civil e do Exército. Um grupo de delegados, após identificarem uma das rotas de fuga dos traficantes quando a polícia entrava na favela, havia elaborado para encurralar os criminosos. A ideia era entrar na favela pela Rodovia BR-101 com blindados e forçar os bandidos a tomarem usarem a via de escape identificada pela Polícia Civil: a Estrada das Palmeiras. Ali, homens do Exército que seriam deixados de helicóptero, horas antes, num ponto estratégico na região de mata, surpreenderiam os fugitivos.
O plano de fato foi posto em prática no dia 7, conforme revelaram militares que participaram das duas ações em depoimento. O capitão Rodrigo Caetano Gomes, que comandou a ação que culminou na chacina quatro dias depois, era um dos homens que foi infiltrado pelo helicóptero na mata. Segundo seu depoimento ao MPRJ, ele “e sua equipe foram transportados de helicóptero até os pontos mais elevados quando houve o desembarque e cada equipe ocupou um ponto estratégico diverso”. No final da ação, seu grupo foi retirado do Salgueiro “por terra num comboio do Exército”. Já o coronel Paulo Santa Barba, comandante das Forças Especiais, explicou ao MPRJ que “o transporte aéreo com o desembarque nos morros não é um procedimento de especial dificuldade. No Salgueiro, no desembarque, o helicóptero tinha onde tocar o solo e a descida dos militares se deu sem a necessidade de qualquer técnica especial”. Em seu relato, Santa Barba também contou que, no dia 7, só agentes das Forças Especiais desceram de helicóptero no Salgueiro e, após a ação, todos foram retirados do local em blindado. Segundo o coronel, nenhum militar ficou na mata após a primeira operação.
O plano, entretanto, fracassou. Os nomes mais altos da hierarquia do tráfico deixaram a favela antes, e o resultado da operação foi decepcionante: um quilo de cocaína foi apreendido e oito suspeitos de integrar a quadrilha que domina a região foram presos. Nenhuma arma foi encontrada. Os responsáveis pela elaboração do plano culparam o grande contingente envolvido pelas poucas apreensões. Um deles foi o delegado Rodrigo Oliveira, chefe da Core, que também estava envolvido na ação. Ao MPRJ, ele reclamou do efetivo empregado no dia 7: “uma operação de larga escala, além de envolver grandes custos, envolve um contingente muito grande prejudicando a mobilidade e a rapidez na utilização destes recursos, o que, por sua vez, vem a prejudicar o sigilo da operação”. Segundo Oliveira, no dia seguinte à primeira operação, ele “renovou a sua sugestão para a realização de uma operação de menor escala”. Dito e feito.
Todos os militares ouvidos nas duas investigações negam a utilização de helicópteros para infiltrar militares na ação seguinte, quando aconteceu a chacina, apesar de a técnica ter sido usada antes. Em seu depoimento, o delegado Rodrigo Oliveira até admite que, “do ponto de vista tático faria sentido haver um contingente na mata para surpreender os traficantes quando estes empreendessem fuga, caso essa infiltração fosse possível”. Ele, no entanto, diz que, na reunião de planejamento da nova ação, “não foi discutida a possibilidade de infiltração de contingentes na mata para surpreender os traficantes”.
O uso das aeronaves, no entanto, estava previsto no planejamento da operação do dia 11. A intenção de usar helicópteros foi descrita no “Documento Preparatório” da ação, elaborado às 10h do dia 10, véspera da incursão. O relatório — que, em síntese, resume a ação, explica seus objetivos e meios empregados — é assinado pelo general Mauro Sinott Lopes, à época comandante da 1ª Divisão de Exército. Após determinar o emprego de duas viaturas Guarani com seus respectivos efetivos, o general, no último item do documento — número “12”, letra “s” —, manda seus subordinados ficarem “em condições de empregar, a partir das 20h do dia 10 de novembro de 2017, mediante ordem, as aeronaves HM-1 (Pantera) e/ou HM-4 (Jaguar) para fins de realizar Evacuação Aeromédica e ações de Busca e Salvamento”.
“QUATRO DIAS ANTES DA CHACINA, 3 MIL HOMENS DO EXÉRCITO ENTRARAM NO CONJUNTO DE FAVELAS DE SÃO GONÇALO SOB A AUTORIZAÇÃO DO DECRETO DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM ASSINADO POR TEMER”
Nenhum militar, entretanto, foi questionado ao longo dos inquéritos sobre o documento e sobre a previsão de uso de aeronaves. O MPRJ fez questionamentos ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo da Aeronáutica para saber se alguma aeronave havia decolado ou pousado na Subsecretaria Adjunta de Operações Aéreas e no Campos dos Afonsos, principais bases da polícia e do Exército no estado, a partir das 21h do dia 10. O órgão também respondeu que nenhuma aeronave sobrevoou o Salgueiro, no mesmo horário. As respostas para todas as perguntas foram negativas. Mas não acabam com as dúvidas sobre o uso de aeronaves, afinal os helicópteros já estariam à disposição uma hora antes do horário questionado, conforme o “Documento Preparatório”. Além disso, outras bases do Exército no Rio que não foram englobadas pelas perguntas também poderiam ter sido usadas para pouso ou decolagem, como a Base de Apoio Logístico, de onde saíram os militares das Forças Especiais para a operação. Também não foi questionado se seria possível que um “helicóptero completamente apagado”, conforme relatado nas denúncias, pudesse não ser detectado pelo radar da Aeronáutica.
As últimas peças das duas investigações, os pedidos de arquivamento, apresentam contradições. Ao pedir o encerramento das investigações, a procuradora do MPM Maria de Lourdes de Souza Gouvêa lança a hipótese, sem comprovação, de que traficantes de uma facção rival pudessem ter tentado invadir o Complexo do Salgueiro justamente no momento em que as forças de segurança faziam operação na favela: “Talvez não seja uma ilação absurda a de que criminosos da própria facção ou de uma rival tenham sido os autores dos disparos”. Segundo a tese da procuradora, “numa área dominada pelo crime organizado, são inúmeras as possibilidades para um crime dessa natureza”. Já para os promotores do MPRJ, a hipótese de ter havido uma invasão de traficantes rivais no mesmo momento em que as forças de segurança entravam na favela é “irreal e passível de ser aventada apenas por quem desconhece por completo o terreno”.
Seis meses após a chacina, a Defensoria Pública do Rio denunciou o episódio à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, vai pedir que a comissão recomende a reabertura das investigações, com base nos documentos revelados por ÉPOCA. “Podem ser consideradas provas novas, na medida em que nem sequer foram analisadas. Esses documentos passaram despercebidos ao longo do inquérito”, afirmou. Questionado sobre os documentos que levantam suspeita sobre as ações dos militares na ação, o MPM alegou somente que “as diligências cabíveis à época não forneceram elementos suficientes quanto à autoria”. O Comando Militar do Leste alegou que o MPM fez uma investigação “minuciosa e independente que resultou no arquivamento”. O órgão também afirmou que não cabe “a este comando comentar decisões judiciais”.
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