Lira tem plano para manietar oposição

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

Na esteira da vitória do Palácio do Planalto na eleição da Câmara, deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro pretendem dificultar a atuação de oposicionistas na Casa. A intenção é alterar o regimento interno para reduzir as formas que hoje existem para atrasar ou até barrar votações de projetos. A medida conta com o aval de Arthur Lira (Progressistas-AL), que em sua campanha prometeu levar as mudanças adiante em troca do apoio para comandar a casa legislativa.

A ideia não é nova. Propostas semelhantes chegaram a ser discutidas na gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas não andaram. Cotada para assumir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a deputada Bia Kicis (PSL-DF) disse que colocará as medidas em votação caso assuma o colegiado. “A esquerda sempre fez obstrução. Aliás, isso é uma coisa que a gente quer mexer no regimento, para que a Casa seja realmente governada pela maioria, dando espaço para minoria. Mas em uma democracia, é a maioria que vence. Hoje, nosso regimento permite que a minoria acabe sempre vencedora. Isso acaba sendo muito ruim para o País”, disse Kicis ao Estadão/Broadcast.

Atualmente, a oposição conta com um arsenal usado para barrar votações. São, ao todo, 17 dispositivos regimentais que podem ser apresentados pelos deputados nas votações de projetos em plenário ou em comissões. Vão desde pedidos para adiar a discussão, para inverter a pauta até a verificação da quantidade de parlamentares presentes na sessão. É o chamado “kit obstrução”.

A consequência disso é que muitas vezes as votações se arrastam a ponto de avançar pela madrugada ou até serem adiadas. Foi o que aconteceu com a discussão sobre o projeto que trata da proibição do aborto no País em qualquer situação – hoje só é permitido em caso de estupro, de risco à vida da gestante ou em caso de feto anencéfalo. A comissão criada para discutir o tema em 2017 se reuniu 18 vezes, mas a oposição, contrária à proposta, conseguiu evitar que um texto final fosse aprovado, impedindo que a discussão avançasse. Foram mais de 20 requerimentos de obstrução, além de inúmeras questões de ordem que arrastaram os debates.

O argumento dos que defendem desidratar o “kit obstrução” é dar celeridade à análise de projetos importantes no Legislativo, em especial a pauta econômica. Na semana passada, PSOL, PT e PSB até tentaram iniciar uma resistência ao projeto que prevê autonomia ao Banco Central. Por três vezes, foram apresentados pedidos para retirar a medida da pauta de votações, mas logo rejeitados por ampla maioria. Mesmo assim, a análise do texto no plenário da Câmara se arrastou por mais de dez horas.

“Queremos reduzir o número de requerimentos, obstruções para podermos tramitar a matéria, porque há momentos que chegamos aqui e passamos a noite só votando obstrução”, afirmou o líder do PTB, Nivaldo Albuquerque (AL).

A oposição, por sua vez, qualifica o movimento como antidemocrático. “Reduzir nosso papel é reduzir a representação democrática na Câmara e a opinião do eleitor. Por isso, somos radicalmente contra”, disse o líder do PT, Enio Verri. “Isso nos preocupa. Não podemos transformar as decisões da Câmara em decisões da maioria subjugando a minoria. O regimento garante a participação da minoria. Esta é a casa do diálogo, da negociação, da articulação”, disse a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC).

Somadas, as cinco siglas declaradamente de oposição, que incluem ainda PDT, PSB e Rede, reúnem 125 deputados. Na votação da autonomia do BC, os pedidos para retirar o projeto da pauta chegaram a ter, no máximo, 104 votos, contra mais de 300 para manter a votação.

Uma mudança no regimento da Câmara precisa ser feita pela Mesa Diretora e votada pelo plenário como projeto de resolução. O líder do PTB afirma que os partidos da base do governo discutem um texto de consenso para ser apresentado – atualmente há ao menos três projetos diferentes sobre o tema. “Uma das pautas defendidas pela bancada é que não haja mais prazo para as sessões, sem precisar tempo estipulado”, disse.

Hoje, cada sessão tem, no máximo, seis horas. Após a abertura de uma nova reunião, qualquer deputado pode pedir verificação de quórum – para atestar que há número suficiente de parlamentares presentes para votar – e reapresentar qualquer um dos itens do “kit obstrução”, mesmo que já tenha sido debatido anteriormente.

“O direito de obstrução deve ser garantido, mas tudo precisa ter um limite. Quem tem maioria precisa ver a sua pauta avançar com racionalidade e quem não tem precisa ter seu direito de resistência preservado, de maneira que possa marcar sua posição. Só que esse processo tem de ter uma duração razoável e curta”, disse o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO).

Para a professora de Ciência Política da FGV Graziella Testa, a existência da obstrução é ferramenta fundamental para se evitar o que ela chama de “ditadura da maioria” e garantir a atuação de grupos menores. “Evidentemente que por serem minorias não vão conseguir aprovar uma agenda sozinhos, mas eles precisam ter um espaço de atuação”, disse.

Como mostrou o Estadão, uma das saídas da oposição para impor derrotas a Bolsonaro tem sido buscar o Supremo Tribunal Federal. Levantamento nas principais ações que contestam decretos, medidas, nomeações e outros atos do governo federal aponta que, nos últimos dois anos, foram 33 derrotas na Corte, a maioria delas na análise de casos movidos por adversários políticos.

Deputada da oposição com vaga na Mesa Diretora, Marília Arraes (PT-PE) disse que, até o momento, essa proposta não foi oficialmente apresentada. “Caso ela seja, o que tenho a dizer, como representante do PT na Mesa Diretora, é que defenderei o posicionamento da bancada, que é ser contra a promoção de qualquer alteração do regimento que possa restringir os instrumentos democráticos da minoria”, afirmou Arraes, que exerce o cargo de segunda secretária da Câmara – a quem compete tratar das relações internacionais, inclusive a emissão de passaportes dos deputados.

Procurado, Lira não quis comentar.

Entenda o que pode mudar no regimento da Câmara
1. Sessões sem fim
Como é hoje: Cada sessão de votação tem no máximo seis horas de duração. Ao fim desse tempo, é preciso abrir uma nova, iniciando todo o rito novamente, que inclui verificar se há número suficiente de parlamentares no plenário, tempo para os deputados discutirem, líderes orientarem suas bancadas, etc.

Como ficaria: A sessão pode ser prorrogada pelo presidente da Câmara se houver necessidade. Assim, se a discussão de uma proposta se arrastar sem ser votada, a sessão não precisa ser reiniciada. A estratégia de prolongar sessões é uma tática dos deputados para impedir uma votação.

2. Retirada de projeto da pauta do dia
Como é hoje: Um parlamentar, sozinho, pode requerer a retirada da pauta de votações do dia um projeto do qual discorde. Cada requerimento precisa ser votado pelo plenário individualmente. A apresentação de vários pedidos também é uma estratégia para prolongar sessões e impedir votações.

Como ficaria: Os requerimentos de retirada de pauta continuam existindo, mas só se partir do autor ou do relator da proposta ou se tiver o apoio de líderes de partidos que representem ao menos 52 deputados.

3. Inversão da ordem de votação
Como é hoje: Outra estratégia da oposição para atrasar votações no plenário da Câmara é pedir a inversão da pauta, ou seja, votar antes projetos que estão no fim da lista. Hoje, qualquer parlamentar pode requerer isso e cada pedido também precisa ser analisado individualmente pelo plenário.

Como ficaria: Um pedido de inversão de pauta precisará da assinatura de, no mínimo, 171 deputados ou líderes de partidos que representem este número de parlamentares.

Estadão 

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