MPF pressiona Aras a agir contra Bolsonaro

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Foto: Evaristo Sa / AFP

Diante do agravamento da falta de oxigênio para pacientes com Covid-19 em Manaus, o procurador-geral da República, Augusto Aras, mobilizou toda a sua equipe de auxiliares no final de semana dos dias 16 e 17 de janeiro. A situação era grave, e já se avolumavam na Procuradoria-Geral da República (PGR) as solicitações feitas por partidos de oposição para que Aras investigasse a atuação do governo federal nessa crise. No sábado, Aras entendeu que era o caso de tomar medidas de urgência. Estava despachando de sua residência, mas não saiu de perto do telefone. Logo cedo, escalou a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo para solicitar um aditamento na investigação já em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre irregularidades do governador do Amazonas, Wilson Lima, e incluir a escassez de oxigênio como um dos fatos do inquérito. Em seguida, determinou que seus auxiliares diretos redigissem um pedido de esclarecimentos ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e abrissem uma investigação preliminar para verificar sua conduta em meio a essa crise. Ao conversar com um dos assessores, Aras antecipou: “Se as explicações não forem suficientes, vamos pedir um inquérito no Supremo (Tribunal Federal)”.

Escolhido para o comando da PGR por uma decisão pessoal do presidente Jair Bolsonaro mesmo sem ter concorrido à votação de seus pares, Aras enfrentava intensa pressão interna para agir contra o presidente Jair Bolsonaro, sendo muitas vezes acusado de omissão por membros da instituição. Na véspera daquele final de semana, em 15 de janeiro, o partido Cidadania enviara a seu gabinete uma representação na qual narrava que Pazuello fora alertado sobre o iminente colapso do abastecimento de oxigênio e nada fizera. Diversos documentos de teor semelhante, de autoria de partidos políticos, juristas e até mesmo ex-integrantes do Ministério Público Federal (MPF), chegaram ao gabinete de Aras durante toda a semana, atribuindo irregularidades à conduta de Bolsonaro no combate à pandemia. Todos invariavelmente tiveram o mesmo destino: o arquivamento.

A pressão jurídica encontrou eco dentro da própria PGR. Uma movimentação da cúpula da instituição passou a cobrar medidas enérgicas abertamente pelos corredores. Acuado, o procurador-geral da República começou a esboçar uma estratégia para rebater as críticas. Na terça-feira seguinte, dia 19 de janeiro, Aras deu uma missão a um círculo restrito de assessores. Queria que o ajudassem a redigir uma nota pública com o objetivo de passar um recado: a PGR estava cumprindo seu papel, mas não poderia analisar “crimes de responsabilidade” eventualmente cometidos pelo presidente da República e por agentes políticos, porque isso seria uma atribuição exclusiva do Congresso Nacional. O texto foi formatado e discutido entre alguns poucos assessores mais próximos. Aras explicou a seus interlocutores que queria deixar claro, na nota, que não desejava ter participação em qualquer processo que servisse de combustível para um eventual impeachment de Bolsonaro, que começava a ser ventilado nos bastidores do Congresso.

O comunicado à imprensa foi disparado às 17h35 daquele dia. A PGR dizia que “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”, o que acabou sendo compreendido como uma declaração de que não investigaria a cúpula do governo do presidente Bolsonaro. E, pior ainda, pedia “estabilidade institucional”, mas alertava que havia risco de decretação de um estado de defesa, o que significaria a retirada de direitos dos cidadãos. “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”, afirmava. O resultado foi pior e aumentou as críticas a Aras, que vinham de dentro e de fora da instituição: do MPF, da imprensa e até do Supremo Tribunal Federal (STF). Subprocuradores-gerais da República e a maioria dos integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal emitiram nota em que expressavam “preocupação” com o posicionamento de Aras. O grupo também criticou o fato de o procurador-geral ter requisitado um “inquérito epidemiológico e sanitário ao Ministério da Saúde”, quando o correto seria ele próprio instaurar uma investigação.

Os seis subprocuradores-gerais da República que compõem a ala crítica a Aras no conselho — e formam maioria contra ele, já que o órgão tem dez integrantes — soltaram um posicionamento. Acusavam Aras de se esquivar de sua responsabilidade. “Referida nota parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade de competência do Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, I, b e c, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao procurador-geral da República, cargo que é dotado de independência funcional”, dizia o documento. Os conselheiros afirmavam que Bolsonaro provocara “afronta à Constituição” ao declarar que as Forças Armadas tinham o papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático no país e pediam que Aras cumprisse seu dever de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas”. Assinavam o documento os subprocuradores-gerais da República José Bonifácio, José Adônis, Luiza Frischeisen, José Elaeres, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. O resultado: o procurador-geral da República estava acuado.

Na semana em que tentava se equilibrar entre as obrigações de seu cargo e suas relações políticas, Aras ouviu alguns conselheiros de confiança a respeito do cenário. Foi isso, e não a pressão de opositores, que acabou definitivamente por convencê-lo. Em uma conversa reservada, o ministro do STF Gilmar Mendes frisou que a situação envolvendo Manaus era grave e que os documentos indicavam que o Ministério da Saúde havia sido alertado e não fizera nada. De acordo com interlocutores de Aras, Gilmar lhe fez um alerta: era importante abrir inquérito para apurar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. “Caso isso se confirme, o ministério teria assumido o risco das mortes. Pode até ser crime de homicídio doloso”, disse Gilmar a Aras, segundo interlocutores. No sábado seguinte, 23 de janeiro, o procurador-geral da República despachou para o plantão do STF um pedido de abertura de inquérito contra Pazuello por suspeitas de irregularidades e omissões em sua atuação na crise de falta de oxigênio em Manaus. Foi a resposta mais eficaz que Aras conseguiu dar às pressões até aquele momento, desde o início da pandemia.

O pedido de inquérito contra o ministro da Saúde tinha componentes explosivos. Além de ser uma investigação contra um auxiliar de confiança do presidente Jair Bolsonaro, alçado ao cargo por ter topado endossar a utilização de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19, tratava-se de um golpe direto à credibilidade das Forças Armadas. Pazuello é general da ativa do Exército. Qualquer desgaste na imagem do ministro seria imediatamente replicado à instituição da qual ele faz parte. “Tais fatos são potencialmente lesivos e ocorreram no exercício de cargo público, dado que, em tese, praticados pelo ministro de Estado da Saúde, Eduardo Pazuello”, escreveu Aras.

Entretanto, chamou a atenção não apenas o que estava escrito no pedido de inquérito, mas também o que não estava. Logo, Aras passou a ser cobrado por não ter incluído o presidente Jair Bolsonaro como alvo da investigação. O raciocínio era simples: ora, um dos fatos a serem investigados no inquérito era o possível desperdício de dinheiro público na compra e distribuição de cloroquina pelo governo federal, medicamento sem nenhuma comprovação científica de eficácia no tratamento da Covid-19. Mas essa ação de promoção do medicamento era uma iniciativa direta de Bolsonaro, que desde o início da pandemia se agarrou à cloroquina como sua única salvação política possível, diante de uma doença que ameaçava deixar milhares de mortos e arrasar a economia. Foi por isso que o antecessor de Pazuello no Ministério da Saúde, Nelson Teich, não topou ficar no governo e pediu para sair. Ele não concordava em dar aval, na condição de ministro, ao uso da cloroquina. Pazuello concordou e ficou.

Por isso, apesar de Aras ter pedido o inquérito, a pressão continuou. Dias depois, uma representação com alto teor simbólico foi protocolada na PGR solicitando que Bolsonaro também fosse investigado, por crimes como prevaricação e emprego irregular de verbas públicas em sua atuação no combate à pandemia. O documento era assinado por ex-integrantes da cúpula da PGR: a ex-procuradora federal dos direitos do cidadão Deborah Duprat, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, outros dois ex-procuradores federais dos direitos do cidadão, um subprocurador-geral da República aposentado e um desembargador federal aposentado. A PGR já havia arquivado dezenas de representações que acusavam Bolsonaro do crime de propagar epidemia, por entender que esse crime só poderia ser caracterizado caso ele tivesse disseminado ativamente a Covid-19. Mas era a primeira vez que era provocada a avaliar crimes contra a administração pública possivelmente cometidos pelo presidente no combate à pandemia.

O movimento mais uma vez emparedava Aras, que em outras investigações da PGR adotou posicionamentos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro. Em maio do ano passado, ele pediu ao STF para suspender a tramitação do inquérito das fake news depois que o ministro Alexandre de Moraes determinou busca e apreensão contra bolsonaristas, apesar de alguns meses antes ter opinado pela constitucionalidade das investigações. Em outra investigação, que a própria PGR solicitou para frear a força do caso na mão de Moraes, excluiu o presidente Jair Bolsonaro de qualquer ato ilícito, apesar de ele ter incentivado e participado de manifestações marcadas por críticas aos Poderes. Aras também foi contra a divulgação do vídeo da reunião ministerial que mostra Bolsonaro tentando interferir na Polícia Federal, mesma posição adotada pela defesa do presidente. Na mesma ação, opinou que o mandatário não tinha obrigação de prestar depoimento presencialmente, também corroborando a postura dos advogados do presidente. O tratamento cuidadoso se estende aos filhos de Bolsonaro. Em investigação preliminar sobre interferência em órgãos do governo federal para favorecer o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Aras não colheu depoimento de Flávio nem de suas advogadas. Em vez disso, mandou intimar o colunista de ÉPOCA Guilherme Amado, que revelou as mensagens de Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), orientando a defesa do senador fluminense.

Agora, novamente, o procurador-geral atua como amortecedor do presidente da República. A diferença é que uma omissão, desta vez, pode significar o aumento exponencial de mortes em decorrência novo coronavírus, que já matou mais de 230 mil pessoas no país.

Época

 

 

 

 

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