O livro-bomba do ex-chefe do Exército

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Num dado momento de seu recém-lançado livro-depoimento, o general da reserva Eduardo Villas Bôas cita uma versão da famosa frase atribuída ao francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord: “Não aprendem e também não esquecem”.

O sagaz político do século 19 se referia à dinastia dos Bourbon, que retomara a França após a queda de Napoleão em 1814; o ex-comandante do Exército, à esquerda, da qual “me preocupa uma eventual volta ao poder” no que diz respeito ao que chama de “revanchismo” acerca dos crimes da ditadura militar (1964-85).

Ao fim da fácil leitura, na tradição do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas de relatos orais e discursivos, o leitor se pergunta se ele Villas Bôas não cometeu um ato falho.

Afinal de contas, todo o seu depoimento ao historiador Cláudio de Castro é justamente sobre a repetição daquilo que o general diz ter ojeriza: a participação dos militares da política.

Foi em sua gestão à frente da mais importante das três Forças que a politização emanada dos quartéis voltou a ser um fator central da vida pública brasileira, encarnada na aventura dos fardados que aderiram ao governo do capitão reformado Jair Bolsonaro.

O presidente, um militar que “feriu a disciplina” e saiu enxotado do Exército no fim dos anos 1980 por suas campanhas salariais e conspirações, aparece no relato de Villas Bôas como quase um ser etéreo, sem relação com o “éthos” apresentado pelo próprio general.

Isso corresponde à fantasia alimentada pelo Alto-Comando do Exército, quando ficou evidente que o deputado obscuro virara um fenômeno e seria a o único a poder derrotar o PT na eleição de 2018, de que uma aproximação com o antigo rejeitado lhes garantiria uma volta à ribalta.

Villas Bôas concede um ar institucional ao processo.

Disse que, após Dilma Rousseff (PT) o apontar como comandante em 2015, “estabeleci como meta que o Exército voltasse a ser ouvido com naturalidade”. Queixou-se do “patrulhamento que agia toda vez que um militar se pronunciava, rotulando de imediato como quebra de hierarquia ou ameaça de golpe”.

Diz que a Força só falaria por meio de seu comandante, externamente. Três anos depois, contudo, ele foi o artífice da famosa postagem no Twitter em que falava em riscos à estabilidade do país na véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Supremo Tribunal Federal.

A passagem não é nova. Em entrevista à Folha publicada em 11 de novembro de 2018, após a vitória de Bolsonaro, Villas Bôas relatava que havia agido “perto do limite” no episódio. Repete agora o termo e a negativa de que visava ameaçar o Supremo com um golpe militar caso Lula fosse solto.

Para seus críticos, o caso é uma admissão de golpismo explícito, dado que não cabe a um chefe de Força palpitar sobre julgamentos.

Para os admiradores, um reconhecimento de “realpolitik”, pois Villas Bôas sempre disse que tomou a atitude, com o respaldo do Alto-Comando do Exército, porque temia que militares da reserva assanhados com os pedidos de intervenção usassem a libertação de Lula para provocar distúrbios.

Ao longo do relato, que condensa 13 horas de conversas entre agosto e setembro de 2019, o general insiste que as Forças Armadas sempre cumpririam a Constituição e que Fernando Haddad, o oponente petista de Bolsonaro, teria todas as continências prestadas caso tivesse sido eleito no segundo turno.

Ao mesmo tempo, o militar descreve claramente o antipetismo latente entre os militares, a adoção de Bolsonaro como candidato preferencial e lista três motivos: denúncias de corrupção, a miséria econômica legada por Dilma e o já citado “revanchismo”.

“Foi uma facada nas costas” da petista, de quem tinha boa impressão, disse. Ele se referia à condução da Comissão da Verdade no governo dela, que segundo ele foi parcial ao não ouvir o lado dos militares acerca dos crimes —havia, afinal, uma luta armada em curso.

Assim, fica difícil não enxergar o temor de um Lula livre e, eventualmente, eleito presidente em 2018 como fator central da decisão de publicar o tuíte.

Ele reserva boas palavras para políticos de esquerda com trânsito nos quartéis, como José Genoino (PT) ou Aldo Rebelo (PCdoB) —este chegou a ser ministro da Defesa. O desprezo fica principalmente ao diplomata petista Celso Amorim, que ocupou a pasta a contragosto, segundo Villas Bôas, e o “decepcionou”.

Lembrando a memória de 1964, viva em parte do alto generalato brasileiro, Villas Bôas faz uma enfática defesa da necessidade de evitar que a política entre nos quartéis, exatamente a que fizera na entrevista à Folha de 2018.

Ao mesmo tempo, não tem problemas em apresentar-se como ator político. Conta como ele e seu número 2, o general Sérgio Etchegoyen, foram abordados pelo então vice-presidente Michel Temer (MDB) às vésperas do impeachment de Dilma em 2016.

Temer queria saber o que o Exército faria se Dilma caísse. “Cumpriríamos a Constituição”, respondeu o comandante. Presidente, o emedebista teria em Etchegoyen um de seus mais importantes ministros, além de remilitarizar o comando do Ministério da Defesa.

Em outro ponto, lembra como foi procurado por deputados de esquerda acerca da decretação de estado de defesa, no auge das manifestações contra a petista, e como usou o hoje governador Ronaldo Caiado para desfazer o que chamou de “ovo de serpente”.

Se é natural que um chefe de Força aja assim, a história se complica com a ascensão de Bolsonaro e a participação maciça de fardados em cargos-chave de seu governo. Villas Bôas não revela a notória conversa com o então candidato, segundo a qual o presidente diz dever o cargo, mas rejeita tons conspiratórios.

A entrevista do general foi concedida ainda no primeiro ano do mandato, com ele já instalado como assessor do Gabinete de Segurança Institucional.

A crise entre Poderes durante a pandemia de 2020 ainda não se vislumbrava, mas ainda assim Villas Bôas é bastante lacônico sobre a mistura entre militares e Bolsonaro —que ele havia dito na entrevista de 2018 ser inevitável.

Ele também não cobre o processo forçado de distanciamento adotado pelo serviço ativo das Forças devido aos danos, por muitos considerados inevitáveis, dessa associação.

Sua luta contra uma doença degenerativa, diagnosticada em 2016, é objeto de um capítulo à parte.

O documento tem uma grande virtude: ajuda o leigo a penetrar um pouco na forma com que os militares brasileiros veem o mundo.

Há uma obsessão com os males do politicamente correto, “que elegeram Bolsonaro” como reação. A Amazônia é vista como objeto de cobiça internacional e, grosso modo, todo movimento ambientalista está a serviço de uma agenda alheia ao interesse nacional.

Ricardo Salles, o contestado ministro do Meio Ambiente, é louvado como um cruzado contra esses grupos.

Saindo do maniqueísmo, há elementos de verdade nas colocações, mas o tom geral não difere muito do encontrado nas redes bolsonaristas.

Por outro lado, as inúmeras anedotas ao longo do texto, em especial no período formativo de Villas Bôas, permitem vislumbrar como os militares adquirem o conhecimento único da realidade social por sua vivência nos rincões.

O que eles fazem com isso, voltando a Talleyrand, é outra questão e não se encerra no relato do general, disponível para compra no site da Editora da FGV por R$ 17,50 em e-book (251 págs.).

Folha 

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