Butantan já domina tecnologia de produção de vacinas
Foto: Governo SP
O potencial de usar a estrutura já existente no Instituto Butantan, em São Paulo, para fabricar uma nova vacina contra a Covid-19 sem depender de insumos importados é o grande trunfo do projeto da Butanvac, avaliam especialistas. A candidata à vacina, anunciada nesta sexta-feira pelo instituto científico, porém, ainda precisa passar por meses de testes em humanos antes que haja garantia para o seu uso. Especialistas alertam que ainda é cedo para contar com o uso do possível imunizante já no segundo semestre, conforme anúncio do próprio Butantan.
O anúncio da Butanvac para testes em humanos foi o primeiro a se tornar público, na manhã desta sexta-feira. À tarde, contudo, o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, anunciou que uma outra candidata a vacina contra o coronavírus, apoiada pelo governo federal, também teve seu estudo clínico solicitado à Anvisa, na quinta à noite. O imunizante, explicou Pontes, é desenvolvido pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Se aprovada nos estudos em humanos, a Butanvac poderá ser produzida na mesma fábrica em que atualmente o instituto, que é ligado ao governo paulista, prepara doses contra a influenza, a vacina da gripe. Essa estrutura, que faz do local o maior produtor de vacinas no Hemisfério Sul, costuma passar meses repleta de ovos de galinha embrionados onde crescem os vírus que vão parar depois nos imunizantes.
Esse processo, já dominado há anos pelo Butantan para a campanha contra a gripe, pode se repetir na Butanvac, já que ela tem como vetor um vírus de gripe aviária. O escolhido nos estudos foi o da chamada Doença de NewCastle, que não acomete humanos, apenas aves.
— Seria realmente um grande avanço ter a produção da vacina (contra Covid) em larga escala no Brasil, em uma fábrica apropriada como o Butantan já tem — analisa Ricardo Gazzinelli, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que lidera outro projeto de uma vacina candidata no Brasil.
Apesar de ser anunciada como a primeira produção de um imunizante contra a Covid-19 100% brasileiro, especialistas informaram que há uma cooperação internacional com o Instituto Mount Sinai, em Nova York. O Butantan confirmou que existe uma parceria, mas ainda não deu detalhes.
— Eu tinha a informação de que o Butantan já estava trabalhando em cooperação com um grupo em Nova York [do Mount Sinai], mas não sabia que estava nesse estágio avançado. Eles estão falando que é uma vacina 100% brasileira, mas essa vacina foi desenvolvida em Nova York, pelo que me consta — acrescentou Gazzinelli.
Jorge Kalil, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor do Butantan (entre 2011 e 2017), também estuda um imunizante contra a doença. Ele reforça a potencial vantagem de não depender de insumos importados, no caso da Butanvac.
Atualmente, as duas vacinas contra a Covid em uso no Brasil têm esse problema. A CoronaVac é envasada no Butantan com material enviado do seu fabricante na China, e a Covishield, na Fiocruz, também depende de quem forneça o insumo do produto criado pela AstraZeneca/Oxford. No caso da CoronaVac, está prevista uma transferência de tecnologia, inclusive com a construção de uma nova fábrica no Butantan, mas o uso dessa planta, ainda em obras, só é planejado para o final de 2021.
A corrida para criar imunizantes contra a Covid no Brasil também deve ter novidades vindas dos grupos de Gazzinelli e Kalil até o final do ano. As duas iniciativas, que contam com verbas federais, pretendem começar testes em humanos ainda em 2021. Os pedidos à Anvisa ainda não foram encaminhados, mas estão em preparação, contam os cientistas.
Apesar do objetivo comum de prevenir o adoecimento pelo Sars-CoV-2, na comparação, a Butanvac e as iniciativas de Gazzinelli e Kalil são bem diferentes entre si.
O projeto mineiro é para uma vacina injetável em duas doses baseada em uma proteína quimera (nome usado quando você junta duas proteínas numa só, no caso, duas proteínas do coronavírus) recombinante. A Butanvac, em contraste, é baseada na proteína spike. Já o de Kalil é de uma vacina em forma de spray nasal que mira em outro antígeno.
— Teremos outras partes do vírus que induzem a uma resposta celular — adianta Kalil.
O anúncio de um novo potencial imunizante contra a Covid-19 no Brasil foi visto com bons olhos pela comunidade científica. No entanto, segundo especialistas, ainda é preciso aguardar os resultados dos estudos em humanos antes de prometer prazos. Atualmente, segundo Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Organização Mundial da Saúde (OMS) relata a existência de 70 outras candidatas a vacina nesse mesmo estágio da Butanvac.
— É uma boa notícia, com certeza, é uma vacina candidata, mas ainda não dá para afirmar que é seguro, ou que vai dar certo, ou que vai proteger. Os ensaios estão aí e servem para isso — explica. — Muitas (vacinas) ficam pelo meio do caminho, pois ainda é um teste. Prometer vacina e entrega de um produto que ainda nem começou a ser testado é ser otimista demais. Pode ser que dê certo, mas pode ser que não dê certo. Pode ter qualquer coisa no meio de uma etapa biológica. Depende da ciência, e não da nossa vontade comum.
Questionado nesta sexta-feira sobre estabelecer prazos para um possível início de vacinação estar fora da realidade, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, rebateu:
— Essa opinião deveria ser baseada no conhecimento do estudo, e eles não têm esse conhecimento porque ainda não foi divulgado, portanto isso é uma elocubração. A questão da autorização do uso é outra questão. Fazer o estudo clínico e ter a vacina disponível é obrigação do Butantan. Agora a aprovação para uso já é obrigação da Anvisa. Então vamos ver como ela se comporta daqui a algum tempo quando ela tiver todos esses dados na mão para poder emitir o seu parecer.