Cresce suspeita de tráfico de influência contra filho 04
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Um grupo empresarial que atua nos setores de mineração e construção e tem interesses junto ao governo federal presentou Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, e um de seus parceiros comerciais com um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. Um mês após a doação, em outubro do ano passado, representantes da Gramazini Granitos e Mármores Thomazini, uma das empresas do conglomerado, conseguiram um espaço na agenda do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho — segundo a pasta, o encontro, que também teve a participação de Jair Renan, foi marcado a pedido de um assessor especial da Presidência.
Desde setembro de 2019, a firma recebe um benefício fiscal, concedido pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), de 75% no pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), válido até 2028. Isso significa que de 100% do imposto devido, apenas 25% é pago. Trata-se de benefício muito diferente do praticado pela grande maioria das empresas brasileiras.
Um levantamento no Diário Oficial da União mostra também que, só em 2021, o grupo, composto por 17 mineradoras, já recebeu pelo menos 15 autorizações da Agência Nacional de Mineração (ANM) para prospectar novas áreas. Não há irregularidades na redução de impostos, aval para pesquisas de campo ou intermediação de encontros com ministros, mas a proximidade de Jair Renan com a Gramazini e outras companhias despertou a atenção do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou um procedimento preliminar para apurar “possíveis crimes de tráfico de influência e lavagem de dinheiro”.
Nos últimos meses, o grupo, com sede em Barra de São Francisco (ES), vem apostando na influência de Jair Renan para alavancar os negócios no Brasil (além do Espírito Santo, há atuação no Ceará, na Bahia e em Minas Gerais) e na expansão para o exterior, com foco nos Estados Unidos e em Israel. Uma das primeiras viagens feitas na “fase empresarial” do filho do presidente foi para o Espirito Santo, no fim de setembro de 2020, quando conheceu os projetos da empresa — na ocasião, um grafite com o rosto de Jair Bolsonaro, com as cores verde, amarelo e azul, foi pintado em uma das pedras no depósito, em Cachoeiro do Itapemirim (ES).
Semanas depois, foi a vez de John Lucas Thomazini, um dos sócios, ir a Brasília participar da inauguração da sede da empresa de eventos de Jair Renan — o espaço, que funciona em um camarote no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, também conta com placas de granito doadas pela Gramazini.
Foi nesta ocasião que o filho de Bolsonaro recebeu o carro, importado por outra firma do empresário capixaba, a Neon E. Motors. Há vídeos nas redes sociais que mostram a doação do veículo para Jair Renan e Allan Lucena, subsecretário de Programas e Incentivos Econômicos do Distrito Federal — além do cargo no governo, Lucena está à frente de um instituto que divide o espaço do camarote com a firma de Jair Renan.
Procurado, um representante da Neon E. Motors disse que o carro foi um “presente” enviado a Brasília. Dados consultados pelo GLOBO mostram que ainda não houve a transferência formal de titularidade, mas já há registro de uma multa por excesso de velocidade na capital federal.
Em outra ida a Brasília, esta em novembro, o empresário do Espírito Santo participou de uma reunião no Ministério do Desenvolvimento Regional, com o ministro Rogério Marinho e a presença de Jair Renan. O encontro foi revelado pela revista “Veja” e confirmado pelo GLOBO. Thomazini foi procurado, mas não respondeu. À “Veja”, ele disse que Jair Renan articulou a reunião. Também estiveram presentes a arquiteta Tânia Fernandes, responsável pelo projeto da sede da firma do filho do presidente, e Lucena.
Em nota, a pasta informou que o pedido de agenda foi encaminhado “pelo senhor Joel Fonseca, assessor especial da Presidência da República”. O ministério acrescentou que o atendimento para apresentação de novas tecnologias construtivas “é comum e corriqueiro” e que o grupo foi orientado sobre como se adequar às normas exigidas para participar programas habitacionais do governo federal ou para financiamento com recursos do FGTS. O conglomerado comandado por Thomazini tem projetos para a construção de casas populares de pedra.
Em novembro, a “Folha de S. Paulo” já havia mostrado que a cobertura de fotos e vídeos da inauguração da empresa de Jair Renan foi realizada gratuitamente pela Astronautas, produtora que presta serviços aos ministérios da Saúde, da Educação e do Turismo.
A Bolsonaro Jr Eventos e Mídia foi aberta formalmente em novembro de 2020, com um capital social de R$ 105 mil, e tem Jair Renan como único sócio. Segundo dados da Receita Federal, a empresa atua com “serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”.
— O principal intuito desse projeto é ajudar as pessoas (…). Quero fazer o Brasil grande para os brasileiros — disse o filho do presidente na inauguração do espaço.
Desde o início de fevereiro, Ana Cristina Siqueira Valle, mãe de Jair Renan e investigada no esquema da “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, tem atuado na empresa, como revelou a colunista Bela Megale, do GLOBO. Na semana passada, Ana Cristina foi anunciada como assessora parlamentar da deputada federal Celina Leão (PP-DF), ex-secretária de Esportes do Distrito Federal.
Jair Renan foi procurado, mas não respondeu. O Palácio do Planalto também não se manifestou. A Sudene afirmou que a Gramazini cumpre os requisitos para ser beneficiada pelo incentivo e que não houve interferência da família Bolsonaro. A arquiteta Tânia Fernandes disse que não atua em parceria com Jair Renan.