Decisão de Fachin vira arma para Lula
Foto: Fábio Vieira/Metrópoles
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez discurso de inocência, nesta quarta-feira (10/3), após decisão que anulou os processos o envolvendo, no âmbito da Lava Jato em Curitiba e, com isso, tornou-o elegível. O petista chegou a dizer que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu “que nunca teve crime cometido por mim”.
A medida, para alguns, significou que o petista acabou sendo inocentado pelo magistrado – como o próprio Lula alegou em discurso –, mas essa interpretação não é compartilhada pela maioria de especialistas na área. Fachin decidiu que a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba não é juízo competente para processar e julgar casos envolvendo o petista. Ele não julgou o mérito das ações, ou seja, se Lula é culpado ou inocente.
Mesmo assim, segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, o ex-presidente vai usar a decisão como arma para embalar a campanha eleitoral de 2022.
Pela primeira vez após ter tido as condenações anuladas, Lula se manifestou. O ex-presidente ressaltou que, agora, a Lava Jato “ficou para trás” na vida dele, mas não sem dizer que foi “vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história”.
“Voltar ao jogo”
Segundo o cientista político Márcio Coimbra, coordenador de Pós-Graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, apesar de Fachin não ter definido que Lula é inocente, o ex-presidente conseguiu uma arma para voltar ao jogo nas eleições de 2022.
“Claramente, não foi a intenção do magistrado dizer que Lula é inocente, mas o que vale é a narrativa, a possibilidade de Lula concorrer à Presidência. Isso gera a ideia de que ele possa ser inocentado, portanto, ele vira o jogo usando essa narrativa, e ela tende a funcionar, porque ele sabe usar muito bem” MÁRCIO COIMBRA, CIENTISTA POLÍTICO
Advogado especialista em Direito Eleitoral e Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro de Almeida também faz ressalvas em relação ao discurso de inocência: “A elegibilidade se analisa no momento do registro de candidatura que, na legislação atual, deve ocorrer em agosto de 2022. Até lá, pode ser que Lula venha a ser novamente condenado e essa condenação ser confirmada pelo Tribunal Regional Federal”.
Avaliação semelhante tem o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e advogado criminalista André Callegari. “Fachin não adentrou no mérito das acusações. Apenas à questão processual. O processo é reiniciado, o novo juiz terá de se manifestar e ao final do trâmite pode condenar ou absolver Lula”, explica.
Já o advogado criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados, João Paulo Boaventura, pensa diferente. Para ele, apesar de Fachin não ter analisado o mérito das acusações em desfavor de Lula, que tem como efeito a anulação do processo e não a absolvição do petista, vigora no Brasil a “presunção de inocência”. “Tecnicamente, ele é inocente até o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória”, defende.
Para o cientista político Márcio Coimbra, “as pesquisas já mostram que Lula estaria, mesmo sem campanha, no primeiro turno, 10 pontos atrás de Bolsonaro e, no 2º turno, praticamente em empate técnico. Ele é um candidato muito forte para 2022. Especialmente depois dos problemas da pandemia e da economia”.
O especialista explica que, com essa virada em relação à situação eleitoral de Lula, o cenário muda completamente, porque pode haver uma polarização no próximo pleito. “Se não tivermos uma terceira via, vamos ter uma polarização entre os dois, com chances muito maior de vitória para o ex-presidente Lula”.
Rodrigo Augusto Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e cientista político, cita a pesquisa do instituto de Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), realizada em 7 de março deste ano, na qual consta que cerca de 50% dos entrevistados afirmaram que votariam com certeza ou que poderiam votar em Lula caso voltasse a ser candidato à Presidência.
Segundo Prando, descartar uma possível vitória de Lula nas eleições seria “desprezar os dados das últimas décadas”. “Na referida pesquisa, buscou-se aferir o potencial de voto de nomes para 2022 e, no caso, Lula é o candidato que aparece com maior potencial de voto, seguido de Bolsonaro. A pesquisa, todavia, não desenha cenários de confrontos diretos entre os possíveis candidatos, até porque nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro sempre aparece à frente”, ressalta.
Enfraquecimento de Doria, Huck e Ciro
Eduardo Grin, cientista político da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca ainda que a candidatura de Lula poderia enfraquecer a tentativa de João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Luciano Huck de chegar ao Executivo Federal. “Eu vejo que o Lula claramente já disse: ‘daqui para frente eu vou polarizar com o Bolsonaro. Os dois protagonistas são ele e eu. Digo polarizada no sentido de ter dois políticos: a extrema direita de Bolsonaro apoiada por ‘bolsonaristas raiz’ e a esquerda do PT com seus aliados como PCdoB e PSB”, avalia.
Segundo Grin, o ex-presidente petista mexe em um possível cenário para 2022, sobretudo por conta de seu histórico político. “Bolsonaro e Lula são como dois buracos negros que vão puxar tudo para eles.”
A doutora em Ciência Política da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Maria Teresa Kerbauy, avalia que Lula adotou uma postura mais branda no seu posicionamento. Para ela, isso significa que ele está em consonância com o momento delicado da política nacional.
Na avaliação dela, o tom mais ameno na fala de Lula pode sinalizar um flerte com o centro, em um ensaio de aproximação com outros partidos, bem como eleitores indecisos. “Ele tem uma fala específica para o eleitor petista, mas também mira aqueles que votaram no Bolsonaro e se arrependeram. Só que ele dá a entender que o país voltará a ser como na administração Lula. Isso é meio complicado porque não sabemos como vai estar a situação econômica do Brasil em 2022.”
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