Delfim Neto explica por que medo de Lula não faz sentido
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O grande economista inglês G. L. S. Shackle passou a vida analisando o comportamento do homem e de como ele é comandado por suas expectativas. Disse que “o homem previsível é menos do que humano, e prever o homem é mais do que humano”. De qualquer forma, o que se verifica empiricamente é que o comportamento do homem depende de suas crenças, isto é, daquilo que ele supõe como verdade. O que comanda sua ação é a sua percepção de mundo, e pouco importa se ela é verdadeira, parcial ou completamente falsa. Às vezes, os resultados corrigem a percepção, mas nem sempre.
Causou certa estranheza a reação do “mercado” ao anúncio da decisão do ministro Fachin que, para efeitos práticos, torna o ex-presidente Lula apto a disputar as eleições em 2022. A forte desvalorização cambial, a queda do índice da Bolsa de Valores e a disparada dos juros futuros sugerem que há grandes preocupações com a volta do voluntarismo que marcou a era petista na memória recente.
É preciso, no entanto, separar o equilíbrio macroeconômico mantido no governo Lula da deterioração infligida pelo abandono no governo Dilma, em 2011, dos cânones econômicos que vigoraram até então (respeito ao “tripé” macroeconômico) e que, juntamente com a intervenção desmedida nos preços administrados e no setor de energia, produziram a pior recessão da história brasileira no biênio 2015/16.
Comparando o fim do primeiro ao fim do segundo mandato de Lula, houve redução do déficit nominal (de 3,6% do PIB para 2,4% do PIB) e da dívida bruta (de 55% do PIB para 52% do PIB), com alguma diminuição do superávit primário (de 3,1% do PIB para 2,6% do PIB).
A média de crescimento do PIB no período, ajudado pelos ganhos nos termos de troca, foi próxima a 4% a.a., e a taxa de inflação média, 5,8% a.a.. Não houve ruptura com as políticas macroeconômicas fundamentais. Além disso, os programas de transferência de renda foram ampliados e perenizados para enfrentar a questão distributiva e caminhar na direção da igualdade de oportunidades através da criação do Bolsa Família, um programa absolutamente extraordinário, de custo baixíssimo pelo efeito que tem e que possui condicionalidades importantes.
Não parece razoável, portanto, supor que Lula seria diferente de si mesmo em uma eventual terceira eleição e que se aproximaria do espectro de uma administração econômica para incorporar suas receitas que não deram certo, ainda que tenha sido de um governo do mesmo partido. Ou, até mesmo, que a menção ao seu nome possa suscitar as mesmas dúvidas e a mesma apreensão no mercado que sua presença na corrida eleitoral de 2002 causava.