FHC vai apoiar qualquer um contra Bolsonaro
Foto: Silvia Costanti/Valor
Presidente de honra do PSDB, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso diz que não são os partidos que vão definir o nome de centro para as eleições de 2022, mas as personalidades. O tucano defende o diálogo do partido com outras legendas, em busca de consenso para levar ao segundo turno um candidato capaz de enfrentar a polarização entre PT e o presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao Valor, concedida na tarde de ontem via Zoom, FHC citou como possíveis nomes os dos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ambos do PSDB, e do apresentador e empresário Luciano Huck, sem partido. Mas deixou claro que o cenário está aberto a quem apresente um caminho para o Brasil pós-pandemia e que mostre capacidade de falar ao povo, especialmente via redes sociais.
“Eu vou apoiar quem tiver capacidade de juntar essa trupe toda, pelo menos esses três nomes, para o segundo turno. Quanto mais convergência melhor”, afirmou.
Fernando Henrique disse ainda que a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cena acelera as articulações do centro. Para o tucano, os desafios de se construir uma frente de centro são “ter lado” e tornar palatável ao eleitor uma posição que não seja extrema. “Não é qualquer centro anódino. Tem que ser um centro que tenha rumo, progressista econômica e socialmente, olhando para a maioria.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o senhor analisa o cenário atual do Brasil? Fernando Henrique Cardoso: Estamos em uma situação melindrosa. Economicamente, vamos ter desemprego; politicamente, não se vê ainda caminhos de recuperação de confiança; e socialmente, as pessoas estão sofrendo e vão sofrer mais. O quadro sanitário é o que no momento chama mais a atenção pela gravidade. Mas quando sairmos desse pesadelo vamos nos encontrar com uma situação difícil. Não é uma situação só econômica. É uma situação política.
Valor: E como estão as condições políticas de recuperação?
FHC: Estamos com um presidente que tem apoio ainda forte, nas camadas médias e populares. Está perdendo um pouco desse apoio. Vai perder mais. Mesmo que os políticos não tenham a capacidade de vocalizar aquilo que deveriam, as pessoas sabem o que está acontecendo, pela imprensa. Não dá para saber como vai ser do ponto de vista social no momento em que as pessoas perderem a preocupação obsessiva com a sua própria saúde. Vão protestar, vão para a rua? Isso depende da reação política, do que os políticos vão dizer e de quais políticos serão críveis.
Valor: A quem o senhor atribui essa tarefa de mobilização?
FHC: Vai precisar de alguém que abra um caminho. Eu costumo me referir nessas épocas ao período Juscelino Kubitschek. Ele não tinha muita coisa na cabeça. Tinha vontade de fazer. A imaginação conta. Nessas horas se você não tiver quem imagine um futuro, você não tem um futuro. Quando a pandemia acabar, esperamos que surjam pessoas capazes de simbolizar um caminho.
Valor: Qual o papel das lideranças de centro neste pós-pandemia?
FHC: Organizar o centro não é qualquer centro anódino. Tem que ser um centro que tenha rumo, progressista econômica e socialmente, olhando para a maioria. Tem que ser um centro contra ou a favor, tem que ter lado. Não existe política sem lado. Tem que ter posição. Essa é a dificuldade da política centrista, porque não é nem um extremo nem o outro.
Valor: Qual a importância dos partidos nesta construção?
FHC: No Brasil as pessoas votam em pessoas. Elas se entusiasmam ou não. Depende se você tem ou não a capacidade de tocar as pessoas. Isso é perigoso porque não há partidos, ideologias que segurem o comportamento do candidato. Depende muito mais de pessoas capazes de expressar um sentimento, uma emoção e vocalizar para a maioria uma determinada posição.
Valor: O PSDB deve conversar com outros partidos para construir esta alternativa?
FHC: É fundamental. Quem tá na vida partidária ou conversa ou tá perdido. Ou você tem a capacidade de agregar ou você não chega ao país que necessita. No fundo quem decide a eleição é o eleitorado. Se tiver uma força organizada é melhor, mas não define.
Valor: Quem são os nomes potenciais para essa missão?
FHC: O presidente da República foi eleito e quer continuar. Temos a oposição. E temos os governadores. Quem é governador tem a vantagem de que já teve voto e tem a experiência do jogo eleitoral. Há dois: o governador de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Ambos têm qualidade. São Paulo é um peso grande na Nação mas não basta isso. Você tem que falar com o Brasil. Não pode ser alheio à diversidade de um país tão grande. Há outros que tem popularidade. Popularidade é condição necessária para você ganhar, mas não é suficiente. Tem que ter liderança e popularidade. Tem gente contra o governo que tem popularidade, que é Luciano Huck. É bom mas não é suficiente. Precisa mais que isso.
Valor: O senhor está inclinado a apoiar algum deles?
FHC: Eu vou apoiar quem tiver capacidade de juntar essa trupe toda, pelo menos esses três nomes, para o segundo turno. Quanto mais convergência melhor. Depende de quem terá capacidade de formar essa convergência. Desempenho é crucial.
Valor: De que forma o retorno de Lula à cena política altera as articulações de centro?
FHC: Acelera a conversa no centro e ocupa um pedaço do centro. Lula não pertence ao centro progressista, mas à centro-esquerda. É uma pessoa rápida, esperta. No comportamento presidencial ele foi conservador, não quebrou louça. Quando chega no poder ele é realista. Eu não tenho nenhuma aversão ao Lula.
Valor: Acha que Lula tiraria espaço de um nome do centro?
FHC: Não sei se ele terá a capacidade de atração que já teve. Já foi presidente, para que voltar? Não acho que Lula traz novidade. Precisamos de forças renovadoras e de gerações mais novas.
Valor: Lula polarizaria o debate com Bolsonaro?
FHC: É ruim para o Brasil se houver essa polarização, mas pode haver. Eu não quero. Vou tentar ver se há possibilidade de abrir um caminho maior, que não seja nenhum desses lados.
Valor: Como avalia o desempenho de Bolsonaro?
FHC: Tenho a impressão de que a cadeira é maior do que ele. Chegou lá, teve voto, falou com o povo, mas não sinto um comando da parte dele. E quem não tem comando comanda autoritariamente. Tenta, não faz. Ele está num momento difícil, criado por ele mesmo, pela incapacidade dele.
Valor: Qual a opinião do senhor sobre um impeachment de Bolsonaro?
FHC: Se puder evitar é melhor, é melhor ter paciência. Quando a pessoa faz muita bobagem, uma em seguida da outra, perde o poder de governar. Eu não sou partidário de derrubada de presidente. A menos que seja uma coisa que não tenha mais jeito. Eu não sou golpista. É melhor que os mandatos se esgotem.
Valor: Hoje haveria condições para impeachment?
FHC: Não. As circunstâncias não estão dadas.
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